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Jornalismo, Democracia e Big Techs - Entrevista com Eugênio Bucci

por Mauro Bellesa - publicado 06/02/2025 12:38 - última modificação 19/03/2025 11:01

O jornalista e professor Eugênio Bucci afirma que a imprensa precisa voltar a se ver como um organismo pensante, aponta os riscos da percepção da realidade induzida pelas big techs e reflete sobre a descaracterização do jornalismo diante do mundo digital. Ele é professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade do IEA.


Gravação: 15 de janeiro de 2025
Local: Superintendência de Comunicação Social da USP, São Paulo
Duração: 6min e 40s

Produção, entrevista e edição: Mauro Bellesa
Finalização técnica e streaming: Sérgio Ricardo Villani Bernardo

Transcrição

3por 1 – Professor Eugênio Bucci, como revitalizar o papel do jornalismo na difusão e consolidação dos valores democráticos?

EB – A imprensa passou por turbulências vindas da mudança de padrão tecnológico, vindas da alteração de receitas publicitárias, porque com a transição tecnológica sites e plataformas digitais passaram a sugar a receita publicitária que ia para os jornais e organizações jornalistas, e entrou numa crise econômica e por fim a imprensa entrou numa crise de pensamento, parou de se ver como um organismo pensante, as redações deixaram de ser formuladoras e passaram a ser apenas fechadoras. O que fazer agora? A imprensa precisa reencontrar seus vínculos com a sociedade democrática, precisa investigar o poder, precisa se apoiar em esteios mais permanentes, como, por exemplo, as emissoras públicas, que são um pilar das democracias no Reino Unido, na Alemanha, na Suíça e em outros países, e com isso recosturar, reaproximar a sua vitalidade da vitalidade da democracia.

3por1 – Como o jornalismo pode se adaptar ao cenário em que megacorporações da internet modelam os canais pelos quais notícias e ideias circulam na sociedade?

EB – Isso é um panorama totalmente inédito na sociedade. Nos temos as big techs, essas grandes corporações que você fala, que eu prefiro chamar de conglomerados monopolistas globais, por que uma única organização, às vezes de um único dono, detém o fluxo de comunicação e de informação em boa parte do planeta, e essas grandes corporações, esses conglomerados não observam a ética jornalística, eles não tem nenhuma relação com a ética jornalística, eles empregam os chamados algoritmos, eles turbinam, potencializam fluxos de conteúdos, não têm resistência ao sensacionalismo e mesmo às mentiras, e isso modifica a maneira como a sociedade e as pessoas coletivamente percebem a realidade. As pessoas percebem a realidade muitas vezes como se fosse parte de um entretenimento. Isso leva à exacerbação de uma tendência já conhecida que é usar a emoção para tomar deliberações de natureza pública. Isso abre o caminho para o populismo em sua forma recente, abre o caminho para as autocracias e coloca grandes riscos para a democracia. Evidentemente, isso acabou pressionando, isolando as instituições de imprensa, que precisam se redefinir e buscar caminhos de superação, e é o que estamos vendo hoje.

3por1 – Devido à pressão por um imediatismo permanente, o jornalismo digital não estaria instituindo um padrão precário de linguagem e apuração dos fatos, tornando o leitor um verificador constante da informação?

EB – Muito bem observado. Quer dizer, à medida que precisam fazer concessões à linguagem dominante no mundo digital, que é uma linguagem definida pelos padrões do entretenimento e não da informação, os organismos da imprensa digital não estariam abrindo mão dos princípios balizadores do discurso jornalístico? Quer dizer, será que a linguagem precária, o apressamento, a concessão aos apelos da emoção não descaracterizam a própria natureza do jornalismo? Esse é o debate, essa é a discussão. Há algumas tentativas que eu reputo muito boas, como por exemplo a do site Axios, que procuram reorganizar a linguagem dos relatos informativos numa forma objetiva, verificável, rápida, sem nenhuma concessão ao sensacionalismo. Isso vai dar certo? Ainda é uma questão em aberto, mas é por aqui que nós podemos trafegar. É preciso ter clareza de uma coisa: nós só vamos ter democracia saudável se tivermos um entendimento coletivo baseado no que chamamos de verdade factual, e isso só é possível com uma imprensa profissional dentro das balizas conhecidas da verificação dos fatos. Se nós não salvarmos essa maneira de conhecer a realidade e construir soluções para os problemas coletivos, haverá uma crise muito mais grave da própria democracia e igualmente uma crise mais grave da imprensa.




06/02/25 00:00

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