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Cultura científica e ensino de ciências - Entrevista com Maurício Pietrocola

por Mauro Bellesa - publicado 28/03/2025 09:00 - última modificação 28/03/2025 13:59

Maurício Pietrocola - 3por1O epistemólogo e historiador da ciência Maurício Pietrocola fala, em entrevista[*] à série de vídeos 3por1. sobre o descrédito na ciência, o reduzido papel da filosofia no ensino de ciências na escola básica e a necessidade de oposição à proposta de virtualização desse ensino.

Pietrocola é professor titular da Faculdade de Educação (FE) da USP e coordenador, no IEA, de Projeto Temático Fapesp sobre licenciatura em ciências. Licenciado em física e mestre em ensino de ciências pela USP, fez o doutorado em epistemologia e história das ciências na Universidade Paris 7 (atual Cité) e tornou-se livre-docente pela FE-USP. Atualmente, dedica-se à pesquisa e desenvolvimento de materiais de ensino sobre estratégias inovadoras no ensino de ciências e formação de professores, além de desenvolver trabalhos sobre o tema "educação científica na sociedade de risco".

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Entrevista

3por1 - Professor Maurício Pietrocola, sem ignorar a forte influência da religiosidade e de outros fatores no negacionismo atual, pode-se dizer que parte dele é resultado de um certo relativismo científico decorrente dos estudos culturais?

MP - Olha, tem muita gente que pensa isso e eu acho que os estudos culturais claramente abriram essa brecha, esse questionamento, mas acho que tem uma coisa que é mais fundamental anterior a isso: existe um certo descrédito ou uma certa decepção, eu diria, das pessoas, de uma maneira talvez inconsciente, com um projeto de sociedade mais justa, mais igual e de mais bem-estar social que foi vendida e que tinha forte apelo, forte apoio no conhecimento científico. E acho que a percepção atual é que esse projeto não vai se realizar. Então, de certa maneira, tem sim uma fissura nessa crença de que o conhecimento científico nos levaria para um lugar melhor. Acho que isso abriu espaço para essas questões de relativismo epistemológico.

3por1 - O ensino de ciências na educação básica transmite aos estudantes a importância da filosofia no desenvolvimento do pensamento científico?

MP - Eu diria que pouco. Acho que a ideia é muito mais você transmitir uma certa bagagem de conteúdo científico e, talvez mais do que isso, um certo respeito pelo conhecimento científico. E que isso não necessariamente envolve a capacidade de pensar, refletir, entender a força dos argumentos etc. Eu não digo que a ciência não tenha esse lado. Na verdade, ela tem essa possibilidade. Uma característica da ciência é desenvolvimento de raciocínio, mas acho que a escola faz pouco.

3por1 - A experimentação simulada com modelagem computacional poderá se tornar uma ferramenta fundamental no aprendizado de ciências no ensino básico?

MP - Acho que não. Minha opinião é justamente o oposto. Acho que o que a gente tem é um movimento muito forte de virtualização do mundo e me parece que o que a gente precisaria era que a escola, particularmente o ensino de ciências, fizesse quase que uma contraposição a isso, que a gente aumentasse as experiências que a pessoa deveria ter com o mundo verdadeiro, com o mundo real, não com o mundo virtual.

[*] Entrevista gravada em 18 de outubro de 2024 na sede do IEA.