A tragédia do Rio Grande do Sul já estava prevista, afirmam especialistas
Não faltaram alertas para o que viria a acontecer no Rio Grande do Sul. Segundo Paulo Artaxo, pesquisador do IEA e professor do Instituto de Física (IF-USP) e especialista em física aplicada a problemas ambientais, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) alertou, uma semana antes da primeira morte na região, sobre o alto risco de inundações e alagamentos no estado. Em nota técnica divulgada no dia 5 de maio, o órgão afirma que a tragédia gaúcha é resultado das ações humanas.
Artaxo participou da conversa “As Múltiplas Dimensões da Tragédia no Rio Grande do Sul”, e reconheceu que o fenômeno não foi uma surpresa para a comunidade científica.
Transmitido pelo IEA no dia 14 de maio, o encontro foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade, com apoio do Programa de Pós-Graduação Saúde Global e Sustentabilidade. A conversa, mediada por Gabriela Di Giulio, da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) e IEA, e Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP) e IEA, reuniu especialistas sobre mudanças climáticas para discutir as causas, impactos e lições em torno da catástrofe gaúcha.
Conteúdos relacionados |
---|
Ensaios: Inundações nas Cidades Cidades resilientes e gestão de risco de desastres Midiateca: Litoral Norte: Tragédia Evitável? |
“Não é uma tragédia que nos surpreende, é uma tragédia anunciada”, complementou Juliano de Sá, doutorando em políticas públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e voluntário em Porto Alegre. O pesquisador, especialista em segurança alimentar e nutricional, também comentou sobre os limites e impactos do modelo agroalimentar brasileiro no meio ambiente. “A gente percebe que ao longo desses últimos anos conseguimos avançar nas políticas públicas, mas ao mesmo tempo pagamos um preço muito caro. Acirramos ainda mais a força dos poderosos do agronegócio, que tentam usurpar tudo do planeta.”
Artaxo, Sá e os demais pesquisadores concordam que a inundação do Rio Grande do Sul, assim como outras tragédias brasileiras, é um reflexo do agravamento da crise climática e consequência direta da alta emissão de gases poluentes. O Brasil, considerado o sexto maior emissor, é responsável pela produção de aproximadamente 62 bilhões de toneladas de CO2 a cada ano para a atmosfera, o que implica na maior ocorrência de calamidades ambientais, explicou Artaxo.
“O último relatório do IPCC, o AR6, coloca o seguinte: um evento extremo que aconteceu uma vez a cada 50 anos no final do século passado vai ser 39 vezes mais frequente e cinco vezes mais intenso se permitirmos que o planeta aqueça 4°C”, acrescentou. De acordo com ele, o colapso do Rio Grande do Sul foi um desses eventos e revelou as fragilidades estruturais das cidades e do plano governamental, que não estavam preparados para a intensidade das chuvas.
Professora do Departamento de Sociologia (UFRGS), Lorena Fleury tem o potencial de adaptação da cidade de Porto Alegre como seu objeto de estudo no grupo “CiAdapta”, da FSP-USP. Ela comentou sobre a falta de preparo e interesse por parte da prefeitura da região, o que resultou no distanciamento do setor climático das demais agendas e no desmantelamento de políticas ambientais. “O governo gaúcho atual transformou esse desmantelamento em um de seus cartões de apresentação, muito voltado ao discurso de que o licenciamento ambiental atrasa o desenvolvimento.”
A professora explicou que a flexibilização desse licenciamento ambiental promovido pelo governo da região e a alteração do código ambiental estadual sem a consulta da Comissão de Meio Ambiente mostraram que a questão climática não foi tratada com a seriedade necessária, mesmo com as chuvas já previstas para o estado gaúcho.
Para os pesquisadores, a tragédia revelou a fragilidade dos planos de adaptação brasileiros e o atraso governamental para lidar com a questão climática já agravada em todo o território nacional, além de mostrar a importância de trazer esse debate para a população e de se manter um diálogo com as universidades.
Plano Clima: Adaptação
O encontro também teve a participação de Inamara Melo, coordenadora geral de Adaptação na Secretaria Nacional de Mudança do Clima (MMA). A pesquisadora apresentou o projeto do novo Plano Clima, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima para consolidar uma estratégia de adaptação para o território brasileiro e evitar o agravamento da crise ambiental.
Inamara explica que o projeto tem o objetivo de desenvolver uma “política climática com a cara do Brasil” de forma colaborativa, com a participação de diversos setores, estados e municípios, para mudar a mentalidade nacional sobre a questão climática. A recuperação da agenda climática e a elaboração de metas nacionais representam, segundo ela, o compromisso do governo Lula de avançar na questão ambiental e impulsionar a agenda nos municípios.