Violência, resistência e integração na formação da sociedade brasileira
Brasil, Brasis e sua Complexa Formação Social, no dia 1º de novembro, O encontro debateu vários aspectos da constituição da sociedade brasileira, entre os quais o genocídio de indígenas pelos colonizadores e as ameaças que ainda enfrentam, a escravidão de africanos e seus descendentes e o racismo ainda imperante, a cultura de povos tradicionais da Amazônia e a história da imigração de judeus e árabes. Foi o 14º encontro da Jornada Relações do Conhecimento entre Arte e Ciência: Gênero, Neocolonialismo e Espaço Sideral.
Os expositores foram o historiador da arte e curador Marcelo Campos, o sociólogo da cultura João de Jesus de Paes Loureiro, o líder indígena Ailton Krenak, o rabino Michel Schlesinger e a neurocientista Soraya Soubhi Smaili. O curador Paulo Herkenhoff, titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura de Ciência, moderou o evento.
RelacionadoNotícia Textos
Midiateca |
Afro-brasilidade
Marcelo Campos, professor de teoria e história da arte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), tratou das relações entre afro-brasilidade e arte em seu mestrado e no doutorado.
Para ele, o Brasil continua produzindo feridas em relação aos afrodescendentes: "A coetaneidade nos foi negada; teses e dissertações só tratam do barroquismo, forma descontextualizada e muitas vezes infértil".
Imigração judaica
Dados do Censo 2010 indicaram a presença de 107.329 judeus no Brasil, constituindo a 11ª maior comunidade do mundo, superada na América Latina apenas pela comunidade judaica da Argentina, segundo Michel Schlesinger, que integra a Congregação Israelita Paulista. "O número de descendentes é incerto. De acordo com pesquisa de 1999, 0,2% dos brasileiros declaram ancestralidade judaica, o que significaria mais de 400 mil descendentes atualmente."
O rabino historiou o processo de vinda de judeus ao Brasil desde o início da colonização, a chegada de sefarditas e cristãos novos ibéricos devido à Inquisição e a imigração, nos séculos 19 e 20, de judeus originários do leste europeu para as cidade de São Paulo e Rio de Janeiro, e germânicos instalados pelo imperador Pedro II em Santa Catarina e no Paraná.
Segundo Schlesinger, no período colonial, os judeus portugueses viam no novo mundo uma possibilidade de liberdade para suas práticas religiosas. "Durante os 24 anos [1630-1654] da dominação holandesa do Nordeste, aumentou a imigração de judeus. No Recife, eles se estabeleceram como comerciantes e fundaram a Congregação Rochedo de Israel [Kahal Zur Israel], primeira sinagoga das Américas."
Com a expulsão dos holandeses, os judeus fugiram para os Países Baixos, Antilhas e Nova Amsterdam, que depois se tornou Nova York, onde criaram a primeira comunidade judaica. "Há lápides com inscrições em português no cemitério dessa comunidade e havia uma sinagoga de rito português."
Schlesinger também relatou a ida de cristãos novos para Minas Gerais, durante o ciclo do ouro, no século 18, a onda de imigração de judeus vindos do Marrocos em direção a Amazônia a partir de 1810, a presença deles em Manaus, com o ciclo da borracha iniciado em 1880, e certo sincretismo entre judaísmo e catolicismo em Cametá, no Pará.
Com a Proclamação da República em 1889, que garantiu a liberdade religiosa no país, muitos judeus do leste europeu se instalaram em Santos e na Capital paulista, constituindo uma comunidade próspera, afirmou o rabino.
"No início do século 20, foram formadas colônias judaicas no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, no final dos anos 20, os judeus concentraram-se no bairro do Bom Fim. Na década de 30, um maior contingente chegou ao Brasil, estabelecendo-se no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, e em outras regiões do país."
Perguntado sobre a existência de costumes genuinamente brasileiros incorporados pela prática religiosa judaica, Schlesinger observou que na semana do Pessach (conhecida como "Pascoa Judaica"), os judeus não podem comer alimentos com farinha de trigo fermentada, mas podem comer outras coisas, como pão de queijo e tapioca.
A biomédica Helena Nader, assim como Herkenhoff titular da Cátedra Olavo Setubal, citou o envolvimento de imigrantes judeus na política brasileira. Herkenhoff acrescentou que, apesar de não ter havido uma perseguição ostensiva a eles no país durante o século 20, "não podermos esquecer casos como o de Olga Benário [deportada para a Alemanha nazista em 1936 pelo governo Vargas] e Stefen Zweig", obrigado a escrever "Brasil: O País do Futuro" para permanecer no Brasil, segundo o curador.
Para Schlesinger, a sensibilidade social dos judeus talvez tenha sido estimulada pela opressão que sofreram ao longo da história. "Essa ligação com a sociedade está associada à história religiosa e à perseguição."
Presença árabe
Soraya Soubhi Smaili, reitora da Unifesp, historiou a chegada dos árabes ao Brasil e sua participação para a constituição da sociedade brasileira.
Ela citou o geógrafo Aziz Ab'Sáber (que foi professor honorário do IEA), para quem a obra de Darcy Ribeiro "'O Povo Brasileiro", "deve ser lido e visto [o filme] por todos nós, pois nos ajuda a entender como os árabes chegaram ao Brasil e como influenciaram a constituição da nossa cultura muito antes de a imigração árabe chegar”.
Smaili lembrou que Darcy Ribeiro fala no livro do príncipe D. Henrique, o Navegador (1394-1460), incentivador das primeiras viagens expansionistas de Portugal, com naus providas de leme fixo, como as dos árabes, inventores também de instrumentos utilizados pelos navegantes, como o astrolábio e bússola usados pelos navegantes.
Ela comentou as contribuições árabes à cultura ibérica, como a introdução do moinho d'água, bicho da seda, laranjeira, rabeca, varanda, algodão, azulejos e a cana de açúcar e a incorporação de inúmeras palavras árabes pela língua portuguesa (25% do vocabulário têm essa origem).
"Muitos árabes chegaram jovens e começaram como mascates no século 19, sobretudo sírios e libaneses. Prosperaram no comércio, passando de vendedores ambulantes a donos de lojas e depois de indústrias. O Brasil também propiciou coexistência com outros povos e liberdade total de culto religioso."
Smaili lembrou o livro "Amrik", de Ana Miranda, que narra a saga de imigrantes árabes recém-chegados a São Paulo no final do século 19, e "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar, cujo núcleo familiar é de libaneses. Também comentou influências árabes na música, arquitetura, mosaicos em construções e consumo de café e azeite.
Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP