As escalas de tempo do clima e as mudanças climáticas
Desde que o ser humano começou a reconhecer ciclos e padrões na natureza, as incertezas do futuro ficaram menos angustiantes, pelo menos em aspectos como a obtenção de alimentos e busca de proteção diante de intempéries climáticas. No entanto, como reagir quando o próprio futuro da vida no planeta está em risco, pois uma das variantes ambientais atingiu patamares imprevistos?
Luiz Gylvan Meira Filho: "Estamos em território não mapeado e que traz riscos para a continuidade da vida" |
De acordo com o astrogeofísico Luiz Gylvan Meira Filho, ex-professor visitante e atualmente integrante do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA, a humanidade está entrando num período de difícil previsão sobre o que pode acontecer, "pois nos últimos 800 mil anos a concentração de CO2 na atmosfera jamais ultrapassou a marca de 280 partes por milhão (ppm) e agora chegamos 400 ppm”.
Meira Filho, que é um dos maiores especialistas brasileiros em mudanças climáticas e nas negociações internacionais sobre elas, tratou das escalas de tempo do clima e das mudanças climáticas em sua conferência na programação da Intercontinental Academia (ICA), no dia 22 de abril. Para ele, a mudanças climáticas deve ser vista no contexto do tempo e tratadas como uma questão urgente, "mas não no sentido de que possa acontecer algo catastrófico amanhã ou na semana que vem”.
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Durante sua exposição, ele apresentou diversos gráficos extraídos do 5º Relatório de Avaliação elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas(IPCC, na sigla em inglês), publicado em 2014.
Concentração de CO2
Segundo Meira Filho, os "proxies data" (dados reunidos por paleoclimatologistas em registros naturais de variações climáticas, como estômatos, fitoplânctons e paleosolos) permitem analisar a história do clima num período muito longo de tempo. “No passado bastante remoto houve valores mais elevados que o de 400 ppm de concentração de CO2 atual. Há 3,5 milhões de anos, era de 200 ppm e entre aquela época e 800 mil anos atrás, a concentração de CO2 frequentemente chegou a 400 ppm.”
Todavia, ao observar o período mais curto de tempo, até 800 mil anos atrás, e considerar também três variáveis astronômicas que afetam o clima (obliquidade da orbita, excentricidade da órbita e precessão do eixo da Terra), "verifica-se que estamos num período em que a concentração de CO2 na atmosfera deveria chegar a no máximo 280 ppm, sendo que ela jamais atingiu 300 ppm ao longo desses 800 mil anos”.
Acontece que a história bem recente, verificada pelas medições no alto do vulcão Mauna Loa, no Havaí, Estados Unidos, mostra que a concentração estava em 320 ppm em 1970 e chegou a 380 ppm em 2005. Segundo o conferencista, as medições em Mauna Loa começaram em 1958 e na época já ultrapassavam o patamar de 280 ppm característico do período pré-industrial. "E agora, não é preciso ler os periódicos científicos, bastar ler os jornais comuns para saber que o nível chegou a 400 ppm."
"Esse aumento foi causado pelo homem. É relativamente simples fazer medições e aplicar o método científico para constatar que a concentração de CO2 está aumentando. Analisando as hipóteses, concluí-se que isso se deve à queima de combustíveis fósseis." Essa conclusão é corroborada, de acordo com Meira Filho, pelo fato de não haver processos naturais que queimem carbono fóssil em quantidades significativas. Mesmo a atividade vulcânica libera poucas quantidades de CO2.
Efeito estufa
Ele explicou como ocorre o efeito estufa decorrente do excesso de CO2 na atmosfera: "O planeta recebe energia do Sol e irradia parte dela de volta ao espaço, na forma de radiação infravermelha, que funciona como um mecanismo refrigerador que mantém o balanço térmico da superfície da Terra. Isso deve estar em balanço, caso contrário, o planeta irá aquecer ou resfriar. O CO2 absorve radiação infravermelha, desequilibrando o sistema e causando o efeito estufa, que esquenta a superfície da Terra".
De acordo com Meira Filho, o clima é determinado pela absorção da energia eletromagnética proveniente do sol no espectro visível. "Isso não ocorre de maneira uniforme, pois as regiões tropicais recebem mais energia do que as polares. Essa diferença na deposição de energia causa os movimentos da atmosfera e a transferência de energia. Os oceanos também estão envolvidos no processo. É dessa forma que se tem o modelo climático e sua dinâmica."
De um ponto de vista da ciência, o maior dilema tem sido o fato de que a mudança climática presente nos jornais não pode ser observada: "Em geofísica e em astrofísica geralmente não se pode aplicar o método científico, com experimentos em laboratório; as coisas têm de ser feitas por partes. O começo da história já foi resolvido, com a constatação de que o aumento de CO2 na atmosfera deve-se a emissões ocasionadas pelo homem. O resultado disso, ou seja, o impacto no clima, é mais difícil de explicar".
Modelos numéricos
O que os cientistas têm feito por anos "é melhorar os modelos numéricos de forma a predizer o clima a posteriori, ou seja, predizer hoje a evolução do clima no último século". Esse trabalho requer supercomputadores cada vez mais potentes. No entanto, segundo Meira Filho, a física por trás disso é extremamente simples, com a utilização de "leis bem conhecidas e bem estáveis sobre conservação de massa, conservação de energia (primeira lei da termodinâmica) e conservação do momentum (lei de Newton); elas são escritas na forma de equações diferenciais em relação ao tempo: toma-se o valor em certo ponto do tempo, integram-se numericamente as variantes e encontra-se o valor no futuro".
"Esses modelos puderam ser aprimorados significativamente, a ponto de poder estimar o desenvolvimento do clima nos últimos 100 anos de forma relativamente próxima ao clima observado no período. Uma vez que isso é simulado num computador, pode-se facilmente mudar os procedimentos para considerar o aumento da concentração atmosférica de gases de efeito estufa e ver o que acontece."
Futuros cenários
O resultado é a constatação de que é preciso reduzir a emissão de gases efeito estufas para controlar a elevação da temperatura. Ele apresentou gráfico com quatro cenários possíveis para 2100: 1) elevação de 3,5 graus Celsius na temperatura média da superfície do planeta já em 2100 e tendência de alta expressiva para os próximos séculos, caso as emissões de gases efeito estufa continuem a crescer no ritmo atual; 2) elevação de 0,5 grau, se todos interromperem as emissões agora; 3) elevação de até 2 graus (acordada na Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU em dezembro de 2009, em Copenhague, Dinamarca), caso os países cheguem a um acordo na conferência que a ONU realizará em dezembro, em Paris, França, sobre como reduzir suficientemente as emissões para isso; 4) elevação de até 3 graus, casos as decisões não atendam ao definido em Copenhague.
De acordo com Meira Filho, o sistema climático possui essencialmente duas memórias: a primeira tem a ver com o fato de que os gases efeito estufa permanecerem na atmosfera por diferentes períodos (10 anos para o metano e mais de 100 anos para o óxido nitroso; no caso do CO2, sua diminuição está relacionada com o nível de atividade biológica no planeta); a segunda memória tem a ver com o lento movimento de aquecimento dos oceanos regido pelas correntes marítimas, que são relativamente lentas.
Permanência dos gases
A combinação dessas duas memórias faz com que o máximo efeito do metano para a mudança climática ocorra 20 anos depois da emissão, prazo que passa para 40 a 50 anos nos casos do dióxido de carbono e do óxido nitroso. "Isso significa que se queremos estabilizar a temperatura em 2100, temos de estabilizar as emissões em torno de 2050 e isso depende das indústrias e infraestrutura que estão sendo planejadas e hoje. Daí a urgência de lidar com o problema."
Meira Filho finalizou com um alerta baseado em outra metodologia científica: "Se olhamos para esse quadro usando o conceito de espaço de fase e coloca-se nas coordenadas de um espaço multidimensional uma das importantes variáveis que descrevem o sistema climático no tempo, a conclusão quer se chega é que já ingressamos numa zona de espaço de fase que nunca ocupamos nos últimos 800 mil anos. Isso é no mínimo assustador. Estamos em território não mapeado e que traz riscos para a continuidade da vida".
Foto: Leonor Calazans/IEA-USP