Rouanet defende a unicidade e a universalidade do conhecimento
O filósofo e sociólogo Sérgio Paulo Rouanet |
As fronteiras entre as esferas do conhecimento têm de ser flexibilizadas, pois vedam o conhecimento do todo, mas não devem desaparecer, caso contrário as partes se tornariam invisíveis, segundo o sociólogo e filósofo Sérgio Paulo Rouanet, que fará a conferência A Ciência e suas Fronteiras no dia 17 de agosto, às 9h, na Sala de Eventos do IEA, com transmissão ao vivo pela internet. Para participar presencialmente é necessário realizar inscrição.
O principal aspecto da exposição de Rouanet será a questão da unicidade da ciência. Ele examinará as diversas tentativas feitas para superação das fronteiras internas dentro do campo das ciências; das fronteiras da ciência com a religião, a moral e a política; e do impacto das fronteiras nacionais e culturais sobre a ciência.
A conferência será comentada por pesquisadores das ciências sociais e naturais. Além do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, da FGV-SP, haverá quatro comentaristas da USP: o jornalista Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e superintendente de Comunicação Social da universidade; a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Universidade de Chicago, EUA; o físico Paulo Alberto Nussenzveig, do Instituto de Física (IF); e a farmacologista Leticia Veras Costa Lotufo, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB).
O evento é uma realização da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria entre o IEA e o Itaú Cultural. Rouanet é o primeiro titular da iniciativa.
Fronteiras
A questão das fronteiras intracientíficas remete ao problema da hiperespecialização, de acordo com Rouanet. "Já no século 18 o desenvolvimento da ciência tinha alcançado tal grau de complexidade e diversificação que nenhum pensador isolado podia ter a pretensão de dominar o conjunto dos conhecimentos científicos"
Duas estratégias foram utilizadas para lidar com essa compartimentalização, segundo o conferencista: "A interdisciplinaridade, que respeitava as fronteiras, mas pretendia facilitar a comunicação entre as disciplinas, e a transdisciplinaridade, que a partir do princípio da unidade ontológica do real, aspirava a uma ciência igualmente unitária". Rouanet cita como exemplos das duas estratégias, respectivamente, a "Encyclopédie", de Diderot e d'Alembert, no séculoo 18, e a "International Encyclopedia of Unified Science", concebida nos anos 30 pelos positivistas lógicos do chamado Círculo de Viena.
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Todavia, para Rouanet, a questão de maior interesse contemporâneo não é a das fronteiras intracientíficas, mas sim entre as ciências naturais e as ciências humanas.
Ele comenta que na tradição vitalista europeia existe uma diferença de princípio entre as ciências naturais, voltadas para a explicação empírica, e as ciências histórico-hermenêuticas, as chamadas ciências do espírito, voltadas para a interpretação, não para a explicação causal.
Por outro lado, na tradição positivista, não há diferença entre as ciências do espírito e as ciências naturais, desde que as ciências humanas se dediquem a ter seus enunciados validáveis empiricamente e pela observação, sem formular julgamentos de valor, explica Rouanet.
Essa restrição, porém, é rejeitada pela Escola de Frankfurt: "Para Horkheimer, a teoria social crítica não perde sua cientificidade quando toma partido pela transformação de uma realidade humanamente insuportável; ao contrário, só nesse momento ela se torna verdadeiramente científica".
Rouanet considera que atualmente a discussão mais interessante sobre essa questão não se situa mais no terreno dos princípios e sim no terreno mais pragmático das trocas entre as ciências naturais e as ciências humanas, qualquer que seja o estatuto epistemológico de cada uma.
Quanto à segunda perspectiva, a das fronteiras entre a ciência e a religião, a moral e a política, Rouanet lembra que, de acordo com Max Weber, a característica central da modernidade foi a autonomia da ciência em relação à religião (o processo de "desencantamento") e às esferas sociais (moral e política).
Ele reconhece a importância do papel desempenhado por essa autonomia para o desenvolvimento científico, mas acredita que "talvez tenha chegado o momento de construir pontes, de recuperar mediações que se perderam com o processo de secularização". Além disso, não vê possibilidade de a sociedade lidar com certas questões, como as da bioética, sem recorrer a valores morais, e, no que se refere à política, supõe que "a própria sobrevivência da democracia talvez dependa da capacidade dos cidadãos de reassumir algum controle sobre os rumos da ciência".
Quanto à terceira perspectiva, a das fronteiras nacionais e culturais, Rouanet afirma que a questão da universalidade da ciência permanece mais atual do que nunca: "A universalidade não está mais ameaçada por fronteiras epistemológicas, mas continua ameaçada por fronteiras geográficas".
Para ele, o desconhecimento recíproco entre pesquisadores americanos e europeus, ou entre os ramos saxônico e europeu no caso da filosofia e das ciências humanas, "é propriamente escandaloso e constitui a mais inaceitável das fronteiras que paralisam a circulação do pensamento de hoje".
Como abordagem mais adequada para avaliar as três perspectivas sobre as ciências e suas fronteiras, Rouanet propõe a teoria da complexidade do sociólogo e filósofo Edgar Morin: "Ao contrário do paradigma cartesiano, baseado na simplificação e na parcialização, o paradigma da complexidade não separa o sujeito do objeto, o objeto do seu contexto, o todo das partes, as partes do todo, as partes entre si, a razão da emoção, a ciência da ética, o indivíduo da sociedade, a sociedade do indivíduo, os grupos e sociedades particulares da humanidade como um todo".