As mudanças na religiosidade brasileira
Entre 1970 e 2000, o percentual da população católica do país caiu de 91,8% para 73,9%, de acordo com os Censos Demográficos. No mesmo período, os evangélicos (de missão e pentecostais) passaram de 5,2% para 15,6%. Outras religiões passaram de 2,5% para 3,2% e os sem religião subiram de 0,8% para 7,4%.
O processo de diversificação religiosa no País nas últimas décadas está relacionado a três elementos fundamentais da dinâmica da ocupação do território brasileiro: a preexistência de espaços não-católicos ligados à história do povoamento; o avanço de frentes pioneiras, onde os pastores pentecostais encontram terreno favorável junto a uma população migrante desenraizada; e a urbanização acelerada que favorece o surgimento de novas religiões, ou a difusão de religiões vindas do exterior.
Essa análise está em texto de Cesar Romero Jacob, Dora Rodrigues Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein no dossiê "Religiões no Brasil", da edição nº 52 da revista "Estudos Avançados", lançado em dezembro. O dossiê traz um panorama das transformações no perfil religioso do país nas últimas décadas e da influência dos vários credos na sociedade brasileira, inclusive na política. A edição tem 400 páginas e custa R$ 27,00.
As mudanças no perfil tradicional da religiosidade também é discutida por Antônio Flávio Pierucci, no artigo "'Bye Bye, Brasil' - O Declínio das Religiões Tradicionais no Censo 2000", onde identifica mudanças sociais aceleradas no campo das religiões e o declínio demográfico de três delas: catolicismo, luteranismo e umbanda. O exame das crenças, envolvimento e poderes religiosos de um grande centro brasileiro está em "Dimensões Básicas da Religiosidade Belo-Horizontina", de Alexandre Cardoso, a partir de levantamento feito em 2002 na região metropolitana da capital mineira.
CATOLICISMO
Luiz Alberto Gómez de Souza faz um balanço da Igreja Católica no Brasil nas últimas décadas no texto "As Várias Faces da Igreja Católica". Nele, o autor sublinha as diversidades e tensões internas da Igreja e assinala a presença ativa desta na vida pública brasileira, inclusive na cena política. Quanto ao presente, Souza considera ainda relevantes as ações das pastorais sociais e das Comunidades Eclesiais de Base. Ele destaca também uma crise da Igreja em relação a temas como a mulher, sexualidade e celibato. Finaliza discutindo a proposta em pauta de preparação de um futuro concílio. O papel político da Igreja Católica também é tratado por Dermi Azevedo. No texto "A Igreja Católica e seu Papel Político no Brasil", ele debate o relacionamento da CNBB com o Estado e com a sociedade civil.
Em "A Renovação Carismática Católica - Algumas Observações", Edênio Valle examina esse movimento católico a partir de uma perspectiva sociopsicológica. Ele apresenta as fontes, desenvolvimento e cenários atuais da RCC e reflete sobre como ela realiza as funções básicas da religião.
EVANGÉLICOS
A Igreja Universal do Reino de Deus é tema de dois artigos do dossiê. Em "Expansão Pentecostal no Brasil: O Caso da Igreja Universal", Ricardo Mariano trata do crescimento pentecostal em geral no País, detendo-se no caso da Igreja Universal. Sobre ela, prioriza a análise da organização eclesiástica, do trabalho pastoral, da capacidade de arrecadação e administração de recursos, do evangelismo eletrônico, da oferta de serviços mágico-religiosos e do sincretismo deliberado com a religiosidade popular. Ari Pedro Oro, por sua vez, no artigo "A Presença Religiosa Brasileira no Exterior: O Caso da Igreja Universal do Reino de Deus", analisa a dimensão transnacional da Universal, presente em 80 países. A análise se detém em três países em que ela obteve sucesso (Argentina, Portugal e África do Sul) e em três outros em que ela encontra obstáculos (Uruguai, México e França).
José Jeremias de Oliveira Filho traça um histórico da Igreja Adventista do Sétimo Dia desde seu surgimento como seita na primeira metade do século 19. O painel está no texto "Formação Histórica do Movimento Adventista", onde o autor também trata da presença dos adventistas no Brasil entre o final do Império e início da República, com as mesmas características iniciais do movimento, mas gerando inúmeras seitas.
AFRO-BRASILEIRAS
"O Candomblé da Bahia na Década de 1930", de Vivaldo da Costa Lima, resgata a atuação de duas personalidades eminentes do candomblé baiano: o babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim e a ialorixá Eugênia Ana dos Santos, a famosa Aninha, do Centro Cruz Santa do Axé do Apo Afonja. Através do acompanhamento dos números dos censos, Reginaldo Prandi, em "O Brasil com Axé: Candomblé e Umbanda no Mercado Religioso", procura dimensionar o número de seguidores das religiões afro-brasileiras e examinar algumas de suas características, como cor e escolaridade, em busca de alguma explicação sobre as mudanças pelas quais vêm passando essas religiões.
Oswaldo Elias Xidieh, no artigo "A Difícil Viagem de Retorno à Aldeia", trata do movimento migratório no interior do Estado de São Paulo. O autor destaca que parte desses andantes buscava ajuda na umbanda, nem sempre se convertendo, outros se apegavam aos sindicatos de trabalhadores rurais, outros ainda se aproximavam de remificações mais abertas da Igreja Protestante.
ESPIRITISMO, XAMANISMO E BUDISMO
"Narrativas Biográficas: A Construção da Identidade Espírita no Brasil e sua Fragmentação", de Sandra Jacqueline Stoll, faz uso das biografias de dois médiuns brasileiros para rever as relações construídas pelo espiritismo no campo religioso brasileiro. O catolicismo ocupa lugar central nessas relações: no caso de Chico Xavier, como matriz da reinterpretação da doutrina espírita; no caso de Luiz Antonio Gasparetto, como alvo de crítica.
A religiosidade indígena também está presente no dossiê, através do artigo "Pajés e Feiticeiros", de Carmen Junqueira. A autora estuda a relação entre pajelança e feitiçaria, atividades sociais que se opõem na cultura Kamaiurá. São examinados os procedimentos que acompanham doença e morte, ambos fatores de desordem no cotidiano da aldeia.
Embora a mídia com freqüência afirme que o budismo é uma das religiões que mais cresce no Brasil, os dados das pesquisas recentes, inclusive dos censos, indicam exatamente o contrário. No artigo "O Dharma Verde-Amarelo Mal-Sucedido — Um Esboço da Acanhada Situação do Budismo", Frank Usarski confronta essa imagem pública exagerada com a realidade empírica e discute de maneira sistemática os problemas e desafios principais com os quais o budismo brasileiro contemporâneo é confrontado.
OUTROS TEMAS
Em "Religião, Estado e Modernidade: Notas a Propósito de Fatos Provisórios", Emerson Giumbelli propõe um debate sobre Estado e religião a partir de alguns ideais vinculados à modernidade, com ênfase na relação entre religião e escola. Giumbelli analisa textos que tratam da situação na França, que proibiu o uso do véu muçulmano em escolas públicas, e no Brasil, onde discute-se a introdução do ensino religioso nas escolas públicas nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
O crescimento acentuado do número de brasileiros sem religião, sobretudo jovens de 15 a 24 anos, tem chamado a atenção dos estudiosos. No texto "O Jovens 'Sem Religião': Ventos Secularizantes, "Espírito de Época" e Novos Sincretismos — Notas Preliminares", Regina Novaes aponta para a conjugação e a convivência entre: o ideário secularizante (presente entre ateus e agnósticos), o "espírito de Época" (presente entre aqueles que acreditam em Deus mas rejeitam instituições religiosas ou transitam entre pertencimentos institucionais) e, finalmente, as novas modalidades sincréticas (favorecidas pela perda da hegemonia do catolicismo e pela globalização do campo religioso).
No artigo "A Propósito de um Texto de Habermas: A Herança Brasileira de um Dilema da Civilização Ocidental", Eduardo Cruz parte das idéias expressas por Jürgen Habermas em artigo sobre os acontecimentos de 2001. Segundo Cruz, Habermas fala do diálogo entre fé e saber apenas para o plano moral. Segundo Cruz, é preciso considerar também o aspecto cognitivo da religão e defende, no caso brasileiro, um esforço comum em face de ameaças como o criacionismo e em prol de uma educação que desenvolva a cidadania e o conhecimento são.
Antônio Gouvêa Medonça, no artigo "A Experiência Religiosa e a Institucionalização da Religião", discute o duplo caminho, de ida e volta, entre a experiência religiosa psicológica e a religião institucionalizada ou igreja, no caso do Cristianismo. Para ele, esse percurso "apresenta o sagrado como constituinte ou constituído e é, ao mesmo tempo, conservador e transformador da religião".
Para o autor de "Fronteiras da Fé — Alguns Sistemas de Sentido, Crenças e Religiões no Brasil de Hoje", Carlos Rodrigues Brandão, "para além da religião, o tempo cultural em que vivemos e para onde nos dirigimos inclui cada vez mais um número maior de estilos de espiritualidades, de outros sistemas de sentido, de combinações pessoais de saberes e valores que não apenas permitem, mas obrigam a própria pessoa-religiosa a interações de sentido, a integrações de escolhas, a indeterminações de seu próprio destino como um indivíduo e uma identidade".
O dossiê traz como fecho a íntegra da conferência que o cardeal d. Paulo Evaristo Arns fez no IEA no dia 19 de outubro sobre o tema "A Paz entre as Religiões". Segundo o cardeal Arns, é preciso que as religões criem um clima de paz mundial: "Até agora pouco se apelou para o mundo das religiões, e menos ainda para a ação da juventude, nesta nova fase de enfrentamento do problema que se torna cada vez mais angustiante".
A edição se completa com mais duas seções: "Entrevista" transcreve os trechos principais de depoimento de Igacy Sachs sobre sua carreira aos editores da revista; em "Cinema", Walnice Nogueira Galvão contribui com o texto "Metamorfoses do Sertão", onde trata da presença de tipos emblemáticos do interior brasileiro nas telas.