Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Participantes avaliam a Intercontinental Academia

Participantes avaliam a Intercontinental Academia

por Mauro Bellesa - publicado 07/05/2016 10:30 - última modificação 07/04/2016 18:12

No sexto dia (11 de março) da Fase Nagoya da Intercontinental Academia, os jovens pesquisadores participantes reuniram-se em um painel de avaliação do andamento dos trabalhos e de prospecção dos resultados a serem alcançados.

O ineditismo de integrar uma atividade interdisciplinar em que além de discussões há também um produto concreto a ser produzido foi um dos principais desafios da Intercontinental Academia, conforme manifestações dos participantes no painel de avaliação do projeto durante a Fase Nagoya, no dia 11 de março.

A necessidade de se habituar a 13 diferentes linguagens acadêmicas, correspondentes às áreas de especialização dos participantes, foi outra das condições destacadas. Todavia, os desafios não constituem empecilhos para os ganhos que o projeto proporcionará, segundo os pesquisadores.

Alguns deles disseram já terem se beneficiado por participar da Intercontinental Academia, pois passaram a adotar uma nova postura com seus alunos, procurando incorporar as visões de outras áreas a problemas usuais e novos de suas disciplinas.

Relacionado

FASE SÃO PAULO DA INTERCONTINENTAL ACADEMIA

Apresentação do Relatório Final — 29 de abril de 2015

Notícia


Leia mais notícias sobre a Intercontinental Academia

A expectativa geral é que o Mooc (Massive Open Online Course) sobre o tempo a ser produzido e o documentário em vídeo do projeto despertem o interesse de estudantes, pesquisadores e instituições em organizar e participar de atividades interdisciplinares parecidas.

Durante o painel também foram apresentadas várias sugestões para aprimoramento de futuras edições da Intercontinental Academia. Entre elas figuram a importância de obter maior equilíbrio entre os gêneros, áreas de especialização e representatividade dos continentes e a organização de atividades conjuntas dos participantes e pesquisadores seniores (coordenadores e conferencistas).

Primeiro a falar, Eduardo Almeida, da USP, disse que as grandes questões, como o tempo, são muito importantes para discussões e experimentos como a Intercontinental Academia. "É bom ser relativamente jovem, mas quando estamos na faixa dos 30 anos já amadurecemos um pouco e acabamos perdendo o vínculo com essas grandes questões".

Ele também destacou a conveniência de o grupo contar com pessoas de formação mais eclética e capazes de estabelecer pontes entres os participantes. Almeida considera os filósofos os melhores para desempenhar esse papel. Disse ter aprendido isso na prática graças à convivência com o representante da Universidade de Turku, o filósofo finlandês Valtteri Arstila, e com outros dois integrantes "com inclinações filosóficas": o neurocientista André Cravo Mascioli, da UFABC, e a arquiteta e historiadora da arte Nikki Moore, da Rice University, EUA.

Ensino

O oceanógrafo alemão Marius Müller, pesquisador em pós-doutorado na USP, afirmou que um dos resultados que já está experimentando é ter passado a tratar de novas questões com seus alunos sem deixar de lados outras opiniões e sem esquecer a visão de outras disciplinas. Müller considera que o projeto estimula a pensar a pesquisa como um processo aplicável a vários campos, “algo que os cientistas naturais tendem a esquecer, dada a ênfase na obtenção de resultados presente no meio acadêmico”.

O biólogo Norihito Nakamishi, da Universidade de Nagoya, também disse ter beneficiado em suas atividades docentes. "No meu caso, isso não representa um grande incremento para a pesquisa, mas é uma grande contribuição para minha atuação como professor."

Comunicação

O matemático Adriano De Cezaro, da UFRGS, ressaltou o aprimoramento comunicacional de quem participa de um projeto desse tipo: "Aqui temos 13 diferentes 'línguas' [as linguagens das disciplinas] e aprendê-las é uma coisa extraordinária". A especialista em narrativa medieval Eva von Contzen, da Universidade Ruhr de Bochum, Alemanha, também considera a comunicação como uma das peças-chave da Intercontinental Academia:  "Aprendemos a nos comunicar uns com os outros, a ouvir outras 'línguas', não só de outras disciplinas, mas também de outras culturas".

O que facilitou a comunicação foi a possibilidade de os pesquisadores passarem um bom tempo juntos, segundo Arstile. Para ele, isso foi o diferencial em relação a outros projetos interdisciplinares em que participou e que não tiveram muito sucesso.

Interdisciplinaridade

Boris Roman Gibhardt, do Centro de Pesquisas Interdisciplinares da Universidade de Bielefeld, Alemanha, disse que a ênfase do projeto na interdisciplinaridade é importante, mas não o suficiente. "Deveríamos ter ambições maiores, preocuparmo-nos com o pensamento crítico, por exemplo", afirmou.

Para ele, a Academia Intercontinental é um grande projeto, mas não é algo de longo prazo: "Na vida acadêmica não há muito interesse em apoiar a interdisciplinaridade, a não ser que seja em projetos específicos. Isso é um problema. Nas humanidades, as disciplinas foram estabelecidas no começo do século 19. Devemos questionar se elas ainda estão atuais. Só haverá interdisciplinaridade quando as disciplinas se dissolverem."

A interdisciplinaridade é um desafio, mas a perspectiva dela é importante para pesquisadores e estudantes, segundo Kazuhisa Takeda, da Universidade Waseda, apoiadora do projeto. Ele disse que compartilhou a experiência de participar da Fase São Paulo com os alunos e observou como esse tipo de abordagem é atraente para os jovens. "Talvez os jovens pesquisadores possam continuar esse tipo de abordagem e atrair novos estudantes para isso no futuro."

Reflexos acadêmicos

Eva, mediadora do painel, disse que o projeto apresentou dois problemas comuns na vida acadêmica: a desproporção entre gêneros no grupo, com apenas duas mulheres entre os 13 participantes, e a hierarquização entre pesquisadores juniores (os 13 participantes) e seniores (coordenadores e conferencistas).

Mascioli acrescentou outros dois aspectos que emularam a rotina acadêmica: muitos workshops em vez de mais tempo para trabalhar e a necessidade de haver algum produto final. "Mas aqui temos a liberdade de questionar essas coisas, o que não acorre na academia e em outras experiências que tenho participado".

Mooc

Por outro lado, Mascioli considera importante que o projeto tenha a produção de um Mooc como atividade prática, pois "fazer um curso introdutório é bom para adequarmos o discurso a um nível compreensível a todos". Arstila também valorizou a produção do curso como forma de criação de um compromisso entre os participantes".

Helder Nakaya, da USP, disse ter apoiado o Mooc desde o começo, "não porque é algo novo, mas sim porque é algo moderno, um bom meio de nos comunicarmos e um ótimo exercício". Além disso, ele considera que a sociedade merecer ter acesso a um produto assim em troca do "investimento que fez para estarmos em lugares extraordinários com pessoas extraordinárias". Ele acredita que o Mooc possa estimular muitos jovens a tentar cursar uma universidade.

Três outras mudanças foram sugeridas no painel: Nikki propôs que em futuras edições cada participante tenha a oportunidade de apresentar um trabalho no início, para que todos se conheçam melhor e possam ser questionados pelos pesquisadores seniores; Arstila disse que talvez os trabalhos fossem mais produtivos se o número das disciplinas envolvidas fosse menor; Nakaya sugeriu que os conferencistas sejam orientados a fazer apresentações acessíveis a todos pesquisadores de todas as áreas.

Comentários

No final do painel, as intervenções dos participantes foram comentadas por Till Roenneberg, Eliezer Rabinovici e Martin Grossmann, integrantes do Comitê Sênior, e por Carsten Dose, secretário geral do projeto.

Roenneberg manifestou sua admiração pelo empenho dos participantes e concordou que durante as imersões em São Paulo e Nagoya, dada a necessidade de construção do cenário científico (workshops e conferências) para a concepção do Mooc, sobrou pouco tempo para o trabalho diretamente ligado à produção do curso. A dificuldade, disse, é como conseguir tempo para fazer esse trabalho ao mesmo tempo em que os participantes voltam às suas atividades acadêmicas normais.

O mérito do projeto, segundo Rabinovici, foi oferecer aos participantes ciência de qualidade e a possibilidade de criação de uma rede. "Não sei o quanto os vínculos criados são fortes e duradouros, mas a possibilidade de que que durem alguns anos é valiosa. O projeto a ser desenvolvido [Mooc] poderá ter sucesso ou não, mas funcionará com um teste do contato dos participantes com ciência de qualidade e do processamento disso em suas mentes."

Ele considerou o desequilíbrio entre os gêneros um problema importante a ser equacionado no futuro, mas frisou com o processo de seleção dos participantes foi árduo, admitindo, porém, que poderiam ter sido feitos esforços adicionais para que mais mulheres se inscrevessem no processo seletivo.

Dose informou que o feedback dos participantes dessa primeira edição da Academia Intercontinental e da primeira parte (em Jerusalém, Israel) da segunda edição (sobre dignidade humana) será parte importante da discussão de diretores de IEAs vinculados à Ubias em junho, na Universidade de Birmingham, Reino Unido.

Tema

Ele considerou curioso os participantes terem comentado quase todos os aspectos do projeto menos o tema central, o tempo. Para ele, isso demonstrou que o tema escolhido foi um desafio intelectual adequado para o trabalho.

Quis saber que tema alternativo poderia ter sido escolhido, algo que contemplasse um dos grandes problemas da sociedade, como alguns dos participantes comentaram. Também perguntou sobre um outro resultado do projeto que tomara conhecimento, a proposta de alguns dos participantes de criação de um site em conjunto e acessível a um público amplo.

De Cezaro respondeu que poucos temas são tão abrangentes quanto o tempo. Para ele, discutir o tempo em sociedades específicas seria mais aplicável, porém, restritivo. Quanto à utilidade para a sociedade, disse que ela também ocorre com o tema escolhido, ainda que na forma de puro conhecimento.

Eva informou que parte do grupo pretende desenvolver um projeto paralelo, decorrente das conexões estabelecidas no projeto: "A ideia é fazer um site que funcione como uma plataforma para a publicação de conteúdos em vários formatos, entre os quais o acadêmico e o da arte, produzidos por pessoas ligadas aos IEAs da Ubias, com cada atualização dedicada a um tópico diferente".

No final do painel, Grossmann disse que desde o início da formulação do projeto a ideia foi investir no risco e que a única preocupação no que se refere à seleção dos 13 participantes foi a qualidade do trabalho que desenvolvem. O desafio agora, segundo ele, é a continuidade da rede de cooperação entre os pesquisadores e, quanto a isso, "a criação de um site conjunto é uma grande notícia".

Pensamento crítico

Grossmann solicitou que Gibhardt falasse mais sobre sua defesa de uma maior preocupação em produzir pensamento crítico. O representante da Universidade de Bielefeld respondeu que isso é uma questão especial para as humanidades: "Elas podem contribuir com o futuro da academia por meio especialmente do pensamento crítico. Devemos ser mais intelectuais e tentar desenvolver ideias em diversos contextos, no contexto político, da sociedade, desenvolver as ideias certas, nos lugares certos, nos momentos certos. Isso seria mais importante do que desenvolver um Mooc, um livro ou algo similar. A minha ideia tem a ver com educação, que não é um produto específico, é invisível. É idealismo, eu sei, mas acho que se trata de uma questão de atitude".