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Biota Síntese: nova dinâmica para criar soluções baseadas na natureza

por Mauro Bellesa - publicado 22/03/2021 16:50 - última modificação 23/03/2021 12:04

No início de 2021, o IEA passou a sediar o Biota Síntese – Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza, uma das 12 propostas de Núcleos de Pesquisa Orientada a Problemas em São Paulo (NPOP-SP) aprovadas em dezembro de 2020 pela Fapesp.

Jean Paul Walter Metzger - 2021
Jean Paul Walter Metzger, diretor do Biota Síntese

Este semestre, o IEA passou a sediar um novo projeto: o Biota Síntese – Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza, uma das 12 propostas de Núcleos de Pesquisa Orientada a Problemas em São Paulo (NPOP-SP) aprovadas em dezembro pela Fapesp.

A chamada Ciência para o Desenvolvimento da Fundação teve o objetivo de apoiar pesquisa orientadas para a solução de problemas nas áreas de saúde, segurança pública, alimentação e agricultura, desenvolvimento econômico, entre outras. A exigência complementar era que os núcleos proponentes fossem integrados por pesquisadores em universidades, secretarias de estado, instituições públicas e privadas no país e no exterior e empresas.

Essas duas exigências são plenamente contempladas pelo Biota Síntese, que receberá R$ 4,3 milhões (incluídas cotas de bolsas) para seu desenvolvimento ao longo de cinco anos.

O projeto envolve 27 instituições [veja diagrama abaixo], entre as quais três secretarias estaduais, a Prefeitura de São Paulo, as três universidades públicas paulistas, as duas universidades públicas federais existentes no estado, vários institutos de pesquisa paulistas e quatro organizações não governamentais da área ambiental.

O responsável por ele (diretor, de acordo com o Comitê Executivo) é Jean Paul Walter Metzger, professor titular de ecologia do Instituto de Biociências (IB) da USP e coordenador, desde 2014, do Grupo de Pesquisa Serviços de Ecossistemas do IEA.

Inovação

Segundo Metzger, o Biota Síntese é estratégico por diversos motivos. Um dele é promover a “ciência de síntese”, uma abordagem de análise de dados ainda não costumeira no Brasil, mas já amplamente utilizada nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Austrália, “com resultados extremamente significativos e impactantes”.

Ciência de síntese

De acordo com chamada de projetos do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose) do CNnPq em 2019, sínteses científicas correspondem a uma abordagem de pesquisa inter ou transdisciplinar, que integra conhecimentos, métodos e perspectivas científicas diversas, voltada para a análise, sistematização, reorganização ou recontextualização de dados e informações já disponíveis, de forma a produzir conhecimento novo.

Sínteses científicas permitem a conceituação de problemas complexos além do escopo de qualquer disciplina, conjunto de dados ou linha de pesquisa, ressalta a chamada. “O conhecimento assim produzido tem maior potencial de levar a novas descobertas científicas, bem como outros produtos socialmente relevantes, como informação qualificada para subsidiar a tomada de decisão e formulação de políticas públicas.”

Metzger destaca que a abordagem requer a imersão de um grupo diversificado de pessoas na exploração de determina questão científica ou aplicada, com dinâmicas de brainstorm colaborativas, compartilhamento de dados, reanálise e modelagem de dados já coletados. “Essa dinâmica depende também do trabalho em dedicação exclusiva de pós-doutorandos, que são responsáveis pelas análises e modelagens propostas pelo grupo de síntese”, complementa.

“Não se trata apenas de agrupar e revisar dados científicos, mas sim de uma metodologia que permite trazer um olhar inter e transdisciplinar para ressignificar dados já coletados, permitindo a geração de novas ideias, modelos, paradigmas e teorias.” [leia ao lado]

Outro aspecto inovador do projeto, de acordo com Metzger, é o fato de o Biota Síntese promover sínteses transdisciplinares voltadas ao embasamento de políticas públicas na área socioambiental, “ao contrário da maioria das sínteses feitas nos países desenvolvidos, mais voltadas a questões teóricas, restritas ao mundo acadêmico”.

“No nosso caso, estamos atendendo a demandas feitas por órgãos do governo do estado de São Paulo, especialmente a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, a Secretaria da Agricultura e a Secretaria Especial da Saúde.”

A pertinência das sínteses dependerá, afirma Metzger, do trabalho conjunto de profissionais do governo com os pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa do estado, além de organizações não-governamentais. Ele explica que, além de elaborar sínteses, o projeto quer também revisar, aperfeiçoar e criar políticas públicas, “sempre dentro de uma abordagem de coprodução e geração destas políticas”.

A terceira inovação do projeto é reunir um grupo diversificado de pesquisadores e atores socioambientais para pensarem em “soluções baseadas na natureza” (SBN) para vários problemas. Inspiradas e suportadas pela natureza, as SBN são concebidas para enfrentar os desafios da sociedade de forma efetiva e a baixo custo, simultaneamente provendo benefícios ambientais, sociais e econômicos e auxiliando a construir sistemas resilientes, explica Metzger.

Entre as questões que podem se beneficiar das SBN, ele elenca: agricultura sustentável e polinização; regulação e controle de zoonoses; e prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (como hipertensão, diabetes e doenças respiratórias crônicas) e de desordens mentais comuns (como crises de ansiedade e depressão) em cidades.

Polinização

O trabalho do Biota Síntese em relação à agricultura sustentável dará ênfase à questão da polinização: “A intensificação de boa parte da agricultura atual acaba gerando uma série de impactos nos solos e nas águas, através de processos de erosão e de poluição por agrotóxicos. Com isso, esses sistemas deixam de se beneficiar de importantes serviços ecossistêmicos, como a polinização e o controle de pragas”.

Considerados apenas os benefícios da polinização, o estado de São Paulo poderia ter um adicional de R$ 4 bilhões na produção de soja, café e laranja, afirma Metzger. “O desafio é como desenhar paisagens que otimizem esses benefícios da natureza em sinergia com os planos de adequação ambiental que serão desenvolvidos com a regulamentação do Lei de Proteção da Vegetação Nativa [12.651/12, também conhecida como Novo Código Florestal]. Outro desafio é montar essas soluções com os produtores, para que sejam de fato aplicadas.”

Para Metzger, a adoção das soluções será facilitada justamente pelo fato de serem fruto de um processo conjunto de elaboração, envolvendo os setores públicos e privados desde o início das discussões. “As soluções serão acordadas por todos, considerando desde o início as limitações, resistências e demandas de diferentes setores.”

Trata-se de um procedimento muito distinto do que é feito usualmente, “onde soluções são criadas por poucas pessoas, em laboratórios ou na academia, e depois são repassadas (ou ‘vendidas’) para os tomadores de decisão ou gestores públicos”, afirma o pesquisador. Há amplas evidências que esse modelo unidirecional (da academia para a sociedade) não funciona, afirma. “Precisamos de um modelo mais sistêmico, que pode ser estimulado através de ‘sínteses transdisciplinares’.”

Zoonoses

No caso de controle de zoonoses, o Biota Síntese levará em conta as fortes evidências de que a composição e configuração da paisagem afetam a propagação de zoonoses. Metzger dá o exemplo da febre amarela: “Temos modelagens que indicam que o vírus da doença se propaga muito nas bordas florestais e ao longo de estradas, enquanto grandes blocos de vegetação nativa funcionam como barreiras para essa propagação. Conhecendo esse comportamento de propagação, podemos planejar paisagens mais inteligentes, que protegem as pessoas ao evitar ou amenizar o deslocamento de vírus e outros patógenos responsáveis por zoonoses”.

Pandemias

Um resultado adicional do projeto é colaborar na formulação de propostas que ajudem a mitigar os riscos de novas pandemias, segundo Metzger: "Doenças zoonóticas representam 75% das doenças infecciosas emergentes do mundo. Um dos nossos desafios é justamente pensar em Soluções baseadas na Natureza para regulação dessas doenças, como no caso da Covid-19.”

Muitos trabalhos científicos demonstram que algumas destas doenças (hantavirose, febre amarela, malária e febre maculosa, por exemplo) se propagam em maior ou menor grau dependendo da configuração da paisagem e do tipo das atividades humanas nela desenvolvidas, afirma o pesquisador.

Ele ressalta também que há evidência de que certas condições favorecem a transmissão de agentes infecciosos de uma espécie nativa para os humanos, “caso de situações tipicamente encontradas aqui no Brasil: alta biodiversidade, alta vulnerabilidade social e intensa modificação ambiental, fator que aproxima populações vulneráveis de áreas com alta biodiversidade”.

Considerando essas questões e dadas as mudanças de uso e ocupação dos solos e os diferentes cenários de mudanças climáticas que também afetam a propagação de zoonoses, Metzger destaca que evitar ou regular a intensificação desse processo é um dos desafios importantes a serem discutidos pelo Biota Síntese.

Instituições do Biota Síntese
Instituições integrantes do Biota Síntese

Dinâmica

Agricultura sustentável, regulação de zoonoses, prevenção de doenças em cidades são os principais desafios temáticos do Biota Síntese, interligados pelo desafio de planejamento de ações de restauração e pelo desafio maior das mudanças climáticas. Os trabalhos serão assistidos por grupos dedicados à cocriação e produção de políticas públicas.

Os grupos temáticos e o grupo de restauração terão dinâmicas de síntese (reuniões de imersão, virtuais este ano e presenciais em 2022), intercaladas por períodos de organização de bancos de dados, análises e modelagem, trabalhos que serão desenvolvidos basicamente por pós-doutorandos, com acompanhamento e participação dos supervisores e da coordenação do projeto.

A previsão é que ocorram três ou quatro reuniões por desafio ao longo dos cincos anos de duração do projeto. A preparação das sínteses temáticas será acompanhada por outras reuniões, voltadas à discussão da construção de políticas públicas.

A coordenação do projeto será atribuição do Comitê Executivo, constituído por: um diretor, o próprio Metzger; um vice-diretor, a ser indicado pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) de São Paulo; um coordenador de Comunicação, o professor Carlos Joly, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp); um coordenador de Parcerias, o professor Gerd Sparovek, da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e presidente da Fundação Florestal; e um gestor executivo, a ser contratado pelo IEA com recursos de patrocinadores.

O projeto deve iniciar os trabalhos oficialmente em junho. Até lá, estão sendo definidos os termos de cooperação científica e tecnológica com as principais instituições parceiras. Informalmente, o Biota Síntese já está colaborando com a Sima na construção de propostas da secretaria para a próxima COP26 (26ª Conferência das Partes da Convenção -Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática), que ocorrerá em novembro, em Glasgow, Reino Unido.