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Campanha quer salvar jequitibá-rosa da extinção

por Sylvia Miguel - publicado 10/12/2015 18:15 - última modificação 15/12/2015 07:48

Mata Atlântica, principal bioma de ocorrência da espécie, também será foco da ação que já ganhou adeptos em secretarias e municípios, além de ONGs e redes de ambientalistas.

Símbolo de estados e de municípios, o imponente jequitibá-rosa (Cariniana legalis) ganhará mais uma vez o status de representante máximo. Desta vez, simbolizará uma campanha para preservar não só a espécie, mas também as florestas, em especial a Mata Atlântica, seu principal bioma de ocorrência.

Jequitibá-rosa no Pq Estadual Nova Baden
Jequitibá-rosa no Parque Estadual Nova Baden (MG)

A elaboração de um Plano de Ação Nacional (PAN) para a conservação in situ e ex situ da espécie foi o tema do debate “Vamos salvar os jequitibás-rosa da extinção”, realizado no IEA no dia 30 de novembro. Organizado pelo Grupo de Pesquisa Amazônia em Transformação do IEA, pelo Centro Nacional de Conservação da Flora (CMCFlora) e pelo Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CNRBMA), o encontro mobilizou gestores, políticos, ativistas e ambientalistas.

“Estamos aqui para lançar a ideia de uma campanha nacional, visando a agrupar o maior número de parceiros possíveis e definir estratégias para preservar o jequitibá-rosa e seu habitat”, disse o pesquisador do IEA José Pedro de Oliveira Costa, assessor e ex-secretário da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Miguel Luiz Menezes Freitas, atual diretor do Instituto Florestal (IF), além dos ex-diretores do IF Luiz Alberto Bucci e Clayton Lino, opinaram sobre as formas de mapear a atual situação da espécie e as possíveis estratégias de parcerias e de ações para conservação do habitat do Jequitibá-rosa.

Gustavo Martinelli, José Pedro Costa e Warwick Manfrinato
A partir da esq.: Gustavo Martinelli, José Pedro Costa e Warwick Manfrinato.

Também participaram o presidente da Fundação Florestal de São Paulo, Ítalo Pompeo Sérgio Mazzarella, e representantes do município de Cajuru, cidade do interior paulista que abriga uma das últimas populações de Jequitibá-rosa.

O ambientalista Paulo Nogueira Neto e o cineasta Fernando Meirelles foram alguns dos internautas que se disponibilizaram a atuar pela causa. Representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de organizações não governamentais (ONGs), associações civis, redes de pesquisa e secretarias também enviaram mensagens de apoio durante o debate.

O intenso desmatamento que vem provocando crises hídricas em diversas regiões do país também extinguiu muitas espécies, colocando inúmeras em perigo, incluindo o ícone da campanha. A espécie consta desde dezembro de 2014 na lista nacional de espécies ameaçadas de extinção, na categoria em perigo. Está na categoria vulnerável da Lista Vermelha da International Union for Conservation of Nature (IUCN) desde 2011, segundo dados do CNCFlora.

“Precisamos entender a floresta como um elo ao mundo dos negócios. Falta entender a floresta em pé como um ativo econômico e o jequitibá pode simbolizar esse esforço de conservação associado ao valor. Precisamos criar mecanismos financeiros capazes de gerar valor a partir da floresta em pé”, disse o pesquisador do IEA, Warwick Manfrinato.

Clayton Lino
Clayton Lino, do (CNRBMA), alerta para que exemplares conservados ex-situ não se transformem em "peças de museus".

Clayton Lino, do CNRBMA, abriu sua exposição com um alerta. Para o arquiteto, é importante preservar ex situ as espécies ameaçadas e citou que os paulistanos ganharam um Jequitibá-rosa no parque do Ibirapuera e muitos exemplares de pau-brasil devido à ação de ONGs. Porém, alertou para o perigo desse tipo de ação não atacar diretamente o problema – que é, basicamente, a destruição dos biomas – e, desta forma, acabar transformando os exemplares vivos em “peças de museus”.

Retirar das listas de extinção

Gustavo Martinelli , pesquisador titular do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e coordenador do CNCFlora, abriu o debate apresentando a metodologia de compilação das listas das espécies nacionais ameaçadas. Enfatizou que “mais importante do que criar listas de espécies ameaçadas é conseguir retirar essas espécies dessas listas”.

Para que uma espécie saia das chamadas “listas vermelhas” são necessárias muitas oficinas de discussões, mapeamentos e estratégias detalhadas. Os planos de ação devem ser claros, focando determinada espécie, ou um grupo de espécies ou uma ação territorial, alertou Martinelli.

O biólogo Phillipe Lisbona, da EzCarbon e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou as principais pressões sofridas pelos jequitibás, como os tipos de ocupação e uso do solo, as fragmentações de biomas e outras situações que impulsionam a necessidade de um plano de ação de conservação.

Philippe Lisbonna, Luiza Nagib Eluf e Warwick Manfrinato
A partir da esq.: Philipe Lisbona, Luisa Eluf e Warwick Manfrinato.

Os participantes enfatizaram a urgência de tirar do papel o projeto de criação da estação ecológica de Cajuru. O município compõe a região do médio Pardo, noroeste paulista, onde possivelmente está o maior número de remanescentes do Jequitibá-rosa no estado. A criação do parque é crucial para preservar também outras espécies ameaçadas que usam os jequitibás como local de descanso, disse Lisbona.

Segundo o pesquisador, “a região já sofre com racionamento de água em sete municípios e não podemos nos esquecer do serviço ecossistêmico de provisão de água propiciado pelas florestas. As formas de pressão e a importância das florestas para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos também devem ser considerados no plano de conservação do Jequitibá-rosa”.

Luiza Eluf, presidente do Instituto de Águas do Brasil (Inaguas) e procuradora aposentada do Ministério Público de São Paulo, falou sobre os desafios políticos para conservar florestas e água. “Precisamos convencer o governador do Estado a assinar o projeto de criação da estação ecológica de Cajuru”, disse.

A Inaguas atua voluntariamente na observação de margens de rios, bacias hidrográficas e fragmentos de florestas nativas importantes para a produção de água, disse Eluf. Para a presidente da ONG, “infelizmente muitas coisas no Brasil não acontecem devido a uma combinação macabra de ignorância, má fé, bandidagem, corrupção, incompetência e deseducação”.

 

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O representante da CNRBMA, que fez sua exposição na segunda parte do encontro, apontou a abrangência e foco da tarefa a que o grupo está se propondo. “A campanha é muito oportuna não só pelas potencialidades de conservação das florestas, mas também por juntar pessoas em movimentos que cruzam múltiplos atores. Não é uma campanha só de ONGs, ou só de governos, ou só de iniciativa privada”, exemplificou.

“Precisamos estar atentos ao fato de estarmos falando de uma espécie e de remanescentes dentro de um quadro de um dos biomas mais ameaçados e fragmentados do planeta. Sem entrar em detalhes sobre a Mata Atlântica, alerto que há um conjunto de causas dessa destruição e teremos que interferir nelas se não quisermos criar peças de museus”, enfatizou Lino.

O arquiteto, que também foi diretor geral do Instituto Florestal de São Paulo, chamou de “desenvolvimento insustentável” os cinco séculos de história do Brasil, devido à extração predatória de muitas espécies e riquezas naturais, como o pau-brasil, a araucária, o palmito e os jequitis, exemplificou.

Especialista em Patrimônio Ambiental Urbano e Manejo de Áreas Naturais Protegidas, Lino falou ainda que é importante os organizadores da ação terem estratégia clara, mote e identidade da campanha, para que a mesma possa ter os efeitos esperados sobre a população e a opinião pública.

Curiosidades sobre o Jequitibá-rosa

Símbolo dos estados de São Paulo e Espírito Santo e também das cidades de São José dos Campos e Valinhos, no interior paulista, o Jequitibá-rosa faz parte da própria cultura brasileira, dando nome a ruas, cidades, parques e até a um samba de José Ramos, sambista da Mangueira falecido em 2001.

Num episódio famoso, ocorrido na cidade de Carangola (MG), um jequitibá ardeu em chamas por 11 dias após um incêndio criminoso, levando à morte um exemplar que possivelmente seria o mais antigo do Brasil. O evento do Jequitibá de Carangola insipirou o CD “O Gigante da floresta”, do músico e compositor Hélio Ziskind.

Descrita pela primeira vez em 1837 pelo botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), a espécie foi classificada também por outros especialistas e, afinal, a revisão de gêneros botânicos feita por  Carl Ernst Otto Kuntze (1843-1907) culminou por renomeá-la como Cariniana legalis, que permanece até hoje.

A maior reserva dos exemplares remanescentes está no Parque Estadual Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro, interior de São Paulo. É lá onde se encontra o Patriarca da Floresta, considerada a maior e mais antiga árvore brasileira, listada entre as 10 mais altas do mundo.

Em geral, os indivíduos da espécie atingem em torno de 30 metros de altura. Mas aquele antigo exemplar, de cerca de 3.000 anos de idade, possui 49 metros de altura. Sua circunferência na altura do peito chega a dezesseis metros e são necessárias cerca de 10 pessoas de mãos dadas para dar a volta em seu tronco.

É conhecida popularmente também com outros nomes: jequitibá-vermelho, jequitibá-cedro, jequitibá-de-agulheiro, estopa, jequitibá-grande, pau-caixão, pau-carga, jequitibá-branco, congolo-de-porco, sapucaia-de-apito.

Sua madeira é altamente utilizada na construção civil e fabricação de móveis e outros utensílios. Acredita-se que sua casca possui propriedades medicinais. A Mata Atlântica, seu principal bioma de ocorrência, vem sofrendo forte pressão devido à retirada de cobertura vegetal nativa, degradação do solo e introdução de espécies exóticas. Com isto, a espécie vem declinando continuamente. É possível que C. legalis tenha sofrido uma queda populacional de pelo menos 50% nos últimos 300 anos, segundo dados da CNCFlora.

Polígono Jequitibá
Regiões de ocorrência e número de exemplares catalogados até o momento.

A C. legalis é uma espécie extremamente longeva, com indivíduos que podem atingir mais de 500 anos. O tempo de geração da espécie é estimado em cerca de 100 anos.

Sua importância para a conservação da Mata Atlântica e também da lavoura de cacau levou a Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e o Instituto Cabruca para Conservação do Jequitibá a cadastrarem as árvores por georreferenciamento.

Sua população atual se distribui esparsamente pelos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grasso do Sul. Na Estação Ecológica de Ibicatu, Piracicaba, há também uma população com cerca de 50 indivíduos que vem sendo estudada. No município de Cachoeira do Macacu (RJ), no Parque Estadual Três Picos, encontra-se um exemplar com idade estimada em 1.000 anos. No Parque Florestal do Rio Doce (MG), há exemplares tão grandes quanto o de Santa Rita de Passa Quatro. No Espírito Santo também estão catalogados exemplares com idade estimada de 600 anos.

 

Fotos: No alto: mauroguanandi/ blog Cidades que respiram
Na sequência: Maria Leonor de Calasans
imagem Google Maps: Gustavo Martinelli/ CNCFlora