Cátedra Olavo Setubal lança caderno sobre a institucionalidade da cultura e mudanças socioculturais
Encontro online no dia 15 de julho marcou o lançamento do caderno "A Institucionalidade da Cultura e as Mudanças Socioculturais", primeiro da série Cadernos de Pesquisa da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência. [Veja os links para as versões digitais no box abaixo.]
Participaram do evento três dos autores dos textos do caderno: o titular da cátedra, o antropólogo cultural argento-mexicano Néstor García Canclini, que coordenou a edição, e os pós-doutorandos Juan Ignacio Brizuela e Sharine Machado Cabral Melo, que desenvolvem pesquisa individuais vinculadas ao tema do projeto de Canclini na cátedra.
O quadro conceitual da projeto de Canclini ("A Institucionalidade da Cultura no Contexto Atual de Mudanças Sociais") está presente na integra da conferência "As Instituições Fora do Lugar", feita por ele em sua posse como titular da cátedra em 6 outubro de 2020.
Duas outras transcrições de partes daquela cerimônia acompanham o texto da conferência: "Recepção a Néstor Canclini, saudação ao novo catedrático feita por Teixeira Coelho, e a conversa entre Canclini, Coelho e Carla Cobos sobre "Instituições e Plataforma: Projeto e Acontecimentos".
Completa o caderno o texto "Instituições em Emergência Cultural: Da Cultura Viva Comunitária à Lei Aldir Blanc", no qual Brizuela e Sharine Machado apresentam seus projetos individuais, "Fora de Jogo? A Dimensão Territorial dos Processos de Institucionalização, Desinstitucionalização e Reinstitucionalização Cultural na América Latina" e "Poetas em Tempo de Penúria", respectivamente.
Na apresentação do caderno, o coordenador acadêmico, Martin Grossmann, e a coordenadora executiva da cátedra, Liliana Sousa e Silva, afirmam que a relevância das questões tratadas na solenidade virtual de posse de Canclini, "que trouxeram uma primeira abordagem" do tema de pesquisa do antropólogo, motivou a cátedra a lançar o primeiro caderno da série, transpondo os conteúdos abordados nos vídeos para o formato de uma publicação.
RelacionadoLançamento do caderno "A Institucionalização da Cultura e as Mudanças Socioculturais"
Cerimônia de posse de Néstor Garcia Canclini na Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência Vídeos
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Entrevista
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Entre as transformações atuais que afetam aspectos institucionais da cultura consideradas por Canclini, os coordenadores citam: o enfraquecimento das instituições culturais públicas e privadas durante a crise neoliberal e a prevalência dos aplicativos digitais sobre as instituições; as trajetórias dos movimentos independentes em relação à reconfiguração dos mercados culturais e dos hábitos de públicos e usuários; a "descidadanização" da política partidária e as mudanças socioculturais na formação do público; e o exercício dos direitos humanos sob os controles tecnológicos, as novas resistências e formas alternativas de organização social.
Em sua exposição no lançamento, Canclini disse que o fechamento das instituições culturais em razão da pandemia e a subsequente retração da cultura impõe a necessidade pensar em "novas condutas e modos de estar presenta na sociedade" quando a crise sanitária terminar.
Para ele, essa crise é o ápice da desinstitucionalização da cultura em vários países da América Latina. Mas esse processo teve início antes da pandemia e leva a várias perguntas, afirmou. Uma dela é "se as plataformas digitais tipo Facebook e Netflix podem ser analisadas como instituições". Trata-se de uma "problematização de como podemos entender as instituições na transição da vida cultural".
Em sua opinião, o conteúdo do caderno propicia algo mais, pois "não podemos nos deter nos registros de ataques e desqualificações das instituições culturais por meios massivos e redes". A pergunta essencial é "quem representa hoje as antigas instituições culturais".
"Estamos estudando especialmente o processo brasileiro, mas a pesquisa envolve também os processos equivalentes no México e na Argentina. Estamos perguntando o que pensam sobre as instituições culturais pessoas que perderam seu trabalho, como artistas e gestores. Também queremos saber o que pensa o público que não pode assistir espetáculos e ver exposições."
A pesquisa também está levantando informações sobre o que continuou a acontecer, disse. "Queremos saber como se organizam os criadores em atividade e como se organizam os públicos para desfrutar de bens culturais. Também pesquisamos as instituições que imaginam novas formas de se comunicar."
Segundo Canclini, o presente é marcado por novas relações entre territórios que não querem deixar de existir e o processo de transterritorialização por meio de meios eletrônicos de comunicação. Mas nessas redes de plataformalização cultural as regras de participação e neutralização são distintas daquelas das instituições tradicionais: "O que vai permitir a digitalização e a articulação é o potencial de formas locais de enfrentamento de uma totalidade autoritária."
Emergência cultural
Ao comentar sua pesquisa sobre a Lei Aldir Blanc (14.017/2020), que prevê ações emergenciais para o setor cultural. Sharine Machado destacou a mobilização social para que a medida fosse adotada, com apoio de artistas, ativistas, gestores locais, Legislativo e sociedade civil
"O canal Emergência Cultural no YouTube conta com 16 mil inscritos e 240 mil visualizações. É uma coisa impressionante, todo esse pessoal participando da implementação da lei." Segundo ela, já se beneficiaram dos benefícios instituídos pela lei todos os estados e 60% dos municípios brasileiros.
De acordo com ela, a maior motivação para realizar sua pesquisa foi "a movimentação da sociedade civil e os seus anseios, o que leva tanta gente a investir tempo e energia em favor de instituições culturais públicas". Esse empenho busca uma institucionalização, afirmou, "uma vez que possui vários elementos do Sistema Nacional de Cultura". Além disso, "fortalece fóruns e planos de cultura".
Até o momento, ela entrevistou 23 pessoas, individualmente ou em grupos, de várias regiões do país, entre as quais ativistas que contribuíram com a formulação da lei, artistas beneficiados e representantes de quilombos e aldeias indígenas.
Além dos trabalhos de Canclini, a base teórica da pesquisa inclui o conceito de acontecimento de Gilles Deleuze e Félix Guattari e tem como referência principal o Michel Foucault de "Coragem da Verdade", seu último livro. No texto presente no caderno, Sharine Machado menciona que Foucault sugeriu que entre os séculos 18 e 19, "o interesse no modo de vida dos artistas ganhou dimensões sem precedentes na cultura ocidental". Segundo ela, Foucault viu nesse interesse especial pela conduta e pelo pensamento dos artistas alguns elementos que lembram o cinismo, doutrina filosófica surgida na Grécia antiga "marcada pela prática combativa e pelo ato de dizer a verdade". Essa postura seria uma marca de vários artistas modernos, como Baudelaire, Flaubert e Manet.
Para Sharine Machado, "pode-se derivar dessas ideias todo um ideário heterogêneo e bastante difuso: do ativismo social e dos círculos periféricos aos movimentos de vanguarda, que afrontam padrões de comportamento e promovem experiências de alteridade".
Pontos de Cultura
Brizuela fez um histórico resumido do processo de constituição de instituições de emergência da cultura na América Latina a partir da implantação do programa Pontos de Cultura no Brasil, em 2004.
"A proposta se expandiu em 2009 e 2010 para várias experiências municipais na Colômbia, Venezuela e na Argentina", Depois, em 2012, chegou ao Peru, Colômbia e Costa Rica. "Agora já são 14 países com experiências semelhantes", afirmou. deda evolução
Falando dos casos específicos de Argentina e México, Brizuela destacou que apesar de outros projetos culturais com grandes estruturas implantados ou implantação pelos governos, os programas de centros de cultura comunitária continuam a prosperar.
Como exemplo dessa situação, citou criação do Centro Cultural Kirchner (CCK) em Buenos Aires, inaugurado em 2015, depois de cinco anos de obras. "Na época, foi anunciado como o maior investimento público no campo da cultura na América Latina", disse Brizuela.
"No entanto, ao mesmo tempo em que o governo construiu o CCK, em 2011 iniciou-se a política de pontos de cultura, continuada no governo Mauricio Macri. E no ano passado, já na presidência de Alberto Fernández, ouve mais uma convocatória de pontos de cultura. É uma política que continua se espalhando."
No caso do México, está sendo implantado o Complexo Cultural do Bosque de Chapultepec, na Cidade do México, "também anunciado como o maior investimento cultural na América Latina, ou até do mundo". Em paralelo, a sociedade civil vai construindo redes descentralizadas. Infelizmente, disse Brizuela, "as últimas notícias são de que o orçamento do programa de cultura comunitária foi reduzido, com parte dos recursos indo para Chapultepec".
Fotos: arquivos pessoais de Néstor García Canclini, Juan Ignacio Brizuela e Sharine Machado Cabral Melo