Colóquio defende universidade colaborativa, pandisciplinar e aberta à sociedade e outros saberes
Diálogo entre cátedrasFoi um colóquio bastante esperado, dada a possibilidade de reunir integrantes das cátedras do IEA para continuar a discussão sobre o papel da universidade e a importância das cátedras como componentes das transformações acadêmicas, afirmou a vice-diretora do IEA, Roseli de Deus Lopes, na abertura do evento. O tema do colóquio, Sobre a Universidade: Crítica com Alma, fez referência à exposição online em cartaz no IEA About Academia, do artista espanhol Antoni Muntadas, e ao ensaio de Pedro Meira Monteiro sobre a obra e a vida de Alfredo Bosi, "Crítica com alma", publicado pela revista "Piauí" em junho de 2021. Também participaram da abertura Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, Patrícia Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social, e Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. Ana Inoue comentou que as reuniões da Cátedra de Educação Básica têm sido muito ricas e estão avançando no que se refere às licenciaturas e outros temas. Mais de 80% das matrículas na educação básicas estão na escola pública, “que precisa muito do olhar que a cátedra tem sobre ela”, afirmou. Patricia Guedes apresentou um histórico da atuação do Itaú Social desde 1995 para a melhoria da educação pública em termos de qualidade e quantidade. Segundo ela, o trabalho era feito em parceria com governos e centrado no ensino fundamental, sempre dedicado à formação profissional de gestores, técnicos e professores. “Ao longo desse trabalho e acompanhando uma série de diagnósticos, vimos que muitos estudos apontavam que parte dos desafios vinham da formação inicial dos profissionais, mas nosso trabalho continuava voltado para a educação continuada.” Ela relatou que em 2017 e 2018, uma série encontros no IEA com vários pesquisadores começou a discutir tanto o quê quanto o como se ensina. “Começamos a conversar sobre uma proposta de trabalho por cinco anos, por meio de uma cátedra no IEA, para a formulação de propostas para a melhoria da formação inicial dos professores.” Os debates e reuniões organizados pela cátedra e os encontros aos sábados com professores de todo o estado, nos quais foram colhidas muitas de suas expectativas, reforçou a preocupação com a formação inicial dos professores, sobretudo em relação às licenciaturas, comentou Patrícia. Eduardo Saron afirmou que para o Itaú Cultural a parceria com o IEA na Cátedra Olavo Setubal é fundamental. “O IEA cumpre um papel de janela para nós que estamos no mundo da cultural e expande os horizontes da Universidade.” No encerramento do colóquio, o diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski lembrou outras cátedras que já existiram no IEA antes do conjunto atual, que inclui, além das duas organizadoras do colóquio (Olavo Setubal e de Educação Básica), a Cátedra Unesco de Sustentabilidade do Oceano, a Cátedra Sergio Henrique Rodrigues (sediada no Polo Ribeirão Preto do IEA, numa parceria com o Santander Universidades), a Cátedra Oscar Sala, colaboração entre o IEA e o NIC.br no âmbito de convênio entre a USP e o CGI.br, e a Cátedra Otavio Frias Filho, parceria com o jornal “Folha de São Paulo. Ele adiantou que estão andamento tratativas para uma sétima cátedra, desta vez dedicada as doenças cardiovasculares. Para Luís Carlos de Menezes, integrante da Cátedra de Educação Básica, a universidade está diante de um desafio que ela não pode aceitar: “A gravidade política e a pobreza da discussão parlamentar desafiam a universidade a pensar a si mesma e o mundo de forma mais analítica e crítica”. O pró-reitor de Pós-Graduação, Carlos Gilberto Carlotti Jr. afirmou que a pós-graduação é relativamente jovem no nosso modelo, com pouco mais de 50 anos. “Precisamos chegar a uma versão 3.0 nesse sistema, para não ficarmos presos às avaliações da Capes, de agências externas e da regulamentação existente.” Essa foi a razão de a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) ter criado no final de 2019 a Cátedra Paschoal Senise, destinada a trazer personalidades acadêmica de fora da USP pensar o sistema de pós-graduação da Universidade, afirmou. O primeiro escolhido para ocupar a cátedra foi Abílio Baeta Neves, ex-presidente da Capes, que iniciou suas atividades em maio de 2020. Último a falar no colóquio, o pró-reitor de Pesquisa, Sylvio Canuto, destacou a importância de encontros como aquele para discutir a universidade. Comentou que viu a universidade brasileira passar por várias dificuldades: “Ingressei na Universidade de Brasil em 1968, quando ela foi invadida [por tropas policiais e do Exército]”. No entanto, ressaltou que mesmo num momento singular como o atual, as instituições acadêmicas têm mostrado sua pujança. “A resposta da pesquisa perante a pandemia é extraordinária. Na USP, são quase 300 projetos sobre a Covid-19 e o Sars-CoV-2, em áreas diversas, da medicina à sociologia." Ele considera, porém, que a universidade precisa repensar um aspecto: “Apesar de ter encarado o desafio de forma competente, se tivesse havido maior planejamento, poderia ter feito mais.” Afirmou também que as avaliações feitas pela PRP indicam que os pesquisadores com contribuições importantes não são necessariamente aqueles com melhores índices nas agências de fomento. “Não critico as avaliações da Capes, mas acho importante rever certos critérios, pois alguns vícios foram incorporados”, finalizou. |
Dedicado à crítica institucional sobre as universidades brasileiras, o colóquio Sobre a Universidade: Crítica com Alma, realizado no dia 22 de junho, serviu-se das experiências de várias cátedras da USP - seis delas sediadas no IEA - para refletir sobre as transformações que se impõem às instituições acadêmicas. De acordo com os expositores, essas transformações são uma necessidade imperiosa diante das novas forma de circulação do conhecimento e das mudanças econômicas, sociais e culturais que caracterizam a atualidade.
Organizado pela Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultural e Ciência, parceria entre o IEA e o Itaú Cultural, e pela Cátedra de Educação Básica, colaboração entre o Instituto e o Itaú Social. o colóquio constituiu a parte acadêmica do 1º Encontro Intercátedras do IEA.
Os expositores foram o antropólogo cultural argentino Néstor García Canclini, titular da Cátedra Olavo Setubal, o coordenador acadêmico da mesma cátedra, Martin Grossmann, e o titular da Cátedra de Educação Básica, o ex-reitor da UFBA Naomar de Almeida Filho. A coordenação e a introdução às falas foi da semioticista Lúcia Santaella, professora da PUC-SP e titular da Cátedra Oscar Sala, parceria entre o IEA e o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
Santaella centrou sua fala na importância das novas cátedras, sem deixar de mencionar as transformações esperadas para as instituições acadêmicas de forma geral.Para ela, os tempos atuais são “hipercomplexos e desafiam a capacidade de compreensão e as estratégias de ação, e a eficácia da ação depende de clareza de pensamento, sendo preciso recuar no tempo para poder dar um salto no presente”.
Mudança topológica
O modo como as cátedras estão atuando e crescendo em número na USP é a expressão mais legítima de uma reviravolta topológica, segundo ela. Sem perder o que as antigas tinham de mais digno – “uma imantação do conhecimento” -, as novas cátedras processam uma transformação estrutural no modo como o conhecimento é gerado e disseminado, afirmou.
“Enquanto as cátedras históricas estruturavam-se de forma hierárquica e acabavam por abrigar condutas de submissão e obediência, as novas cátedras, guiada pelo ideal da liberdade colaborativa da inteligência coletiva, estruturam-se por coordenação, cuja chave-mestra encontra-se na capacidade de escuta do outro movida pela curiosidade e pela capacidade de autotransformação, que necessita da heterocrítica para se realizar.”
Em conformidade com essas diretrizes, Santaella julga que é preciso repensar não só as cátedras, mas também o papel da própria instituição universitária “nesse limiar ontológico, biológico e antropológico em que a espécie humana se encontra”.
Pandisciplinaridade
É preciso dizer não às estruturas hierárquicas, centralizadoras, que “aprisionam o conhecimento com o intuito de formar mentes dóceis, afirmou. Ela defendeu a convergência das cátedras, para que atuem juntas – no que ela chama de pandisciplinaridade – na quebra do isolamento e assim “possam dar vasão à potência do pensamento com vistas à necessária transformação estrutural, topológica da instituição universitária, antes que ela perca sua razão de ser nesta era de aprendizagem ubíqua entre seres ubíquos.”
Néstor García Canclini também se referiu ao papel inovador das cátedras atuais como uma referência para uma necessária reestruturação das instituições universitárias. Seu tema foi “A Universidade Ganha Autonomia Colocando-se Fora de Si”.Para ele, é preciso pensar o significado que a pandisciplinaridade mencionada por Santaella pode ter para a universidade “ir para fora”. O fato de a Cátedra Olavo Setubal ter escolhido um latino-americano estrangeiro [ele próprio] para ocupá-la parece indicar que a USP está se abrindo para fora, afirmou.”
Canclini disse que seu projeto na cátedra, intitulado “A Institucionalidade da Cultura no Contexto Atual de Mudanças Socioculturais”, também questiona as universidades.
Autonomia
Segundo o antropólogo, as universidades latino-americanas começaram a se tornar autônomas, públicas e laicas a partir da reforma ocorrida em 1918 na Universidade de Córdoba, Argentina, como resultado de movimentos estudantis, numa reformulação de depois atingiu o Peru e outros países. Ele fez um paralelo daquele momento com os questionamentos atuais da universidade, feitos por estudantes excluídos por raça, gênero, origem econômica ou educativa.
No entanto, aquela autonomia conquistada a partir de Córdoba e a presença social das universidades têm diminuído desde meados do século 20, disse Canclini: “Várias transformações foram deslocando-as da esfera pública, transferindo o papel da universidade a outros lugares. Pode-se citar nesse caso os meios de comunicação de massa, a partir dos anos 50/60, sobretudo com o surgimento da televisão. Como cresceram as universidades privadas e as públicas estancaram, aumentou a dependência de corporações para o financiamento e planejamento das agendas de pesquisa e docência.”
Perda de espaço
Para ele, no século atual, as universidades também estão perdendo centralidade devido à ocupação de grande partes dos canais de distribuição do saber pelas redes sociodigitais. “Elas vêm perdendo lugar nas sociedades, sobretudo entre os jovens.” Essa perda de espaço leva a uma “questão que escandaliza professores e autoridades universitárias: as universidades são necessárias?”.
Ele lembrou que autoridades governamentais de vários países questionam os recursos investidos em cursos e pesquisas das ciências sociais, humanidades, estudos medievais e artes. Além disso, muitas empresas preferem profissionais formados em universidades privadas ou simplesmente institutos tecnológicos, onde se aprende a aplicar conhecimento e há pouca pesquisa, comentou.
“Os jovens e suas famílias vem constatando há duas gerações que o conhecimento obtido nas universidades não ajuda a conseguir trabalho e, além disso, parte do que estudaram logo se tornará obsoleto em razões das mudanças científicas, tecnológicas e sociais. E na pandemia, muitos estudantes tiveram de decidir entre continuar estudando ou trabalhar sustentar sua família.”
A falta de recursos, o questionamento de temas de pesquisa e a ênfase na formação técnica são resultados das políticas neoliberais, disse Canclini, para quem as universidades são obrigadas a defender sua autonomia num panorama com poucos recursos e baixo apoio social.
“Houve um tempo em que era mais fácil crer que as ciências são necessárias, ainda que às vezes essa crença fosse apenas dos que faziam ciência. Hoje corremos o risco de que nos castiguem com a indiferença e nos deixem sem trabalho, sem salário e sem bolsas.”
Ensino privado
Segundo Canclini, em 1970, a América Latina tinha 1,9 milhão de estudantes universitários em 75 universidades, com esses números saltando em 2016 para 22 milhões de estudantes e 4.220 universidades, das quais dois terços são privadas.
“A massificação do ensino superior vem ocorrendo em grande parte por iniciativas privadas. De acordo com um informe da Rede IndecES [Rede Ibero-Americana de Indicadores do Ensino Superior], em 2016, os países latino-americanos com maior porcentagem de estudantes em universitárias privadas eram Chile (82%), El Salvador (77%) e Brasil (72%).”
A situação leva a duas perguntas centrais, de acordo com Canclini: como se combina o fato de que nas décadas em que as universidades se deselitizaram, massificando-se, com o crescimento do desemprego dos jovens e a redução de sua participação na distribuição da riqueza, com o agravamento de sua situação de precariedade? qual é o vínculo entre a desregulação dos mercados, a precarização do trabalho dos jovens e o tipo de formação que eles recebem nas universidades?
Nem-nens
Ele disse que o Banco Mundial indicou em janeiro de 2016 a existência de mais de 20 milhões de jovens que nem estudavam e nem trabalham, os chamados nem-nens. “Dois terços deles são mulheres, o que acentua a disparidade de gênero. Predominam os que abandonam as escolas antes de concluir o ensino médio e não conseguem ingressar no setor formal.”
O estudo indica uma correlação entre a quantidade de nem-nens e a deliquência em alguns países. “Entre 2008 e 2013, quando os homicídios triplicaram no México, se percebiam vínculos significativos entre a proporção de nem-nens e a taxa de homicídios, principalmente nos estados fronteiriços com os Estados Unidos.”
Canclini citou outro estudo do Banco Mundial no qual é sugerido que o aumento do desemprego e a falta de acesso a uma educação mais qualificada impulsiona muitos jovens há duas alternativas: emigrar ou ingressar em redes criminosas.
Juvenicídio
Segundo ele, vários autores latino-americanos veem vínculos entre o fracasso do neoliberalismo a uma “aniquilação maciça de jovens, a políticas de juvenicídio.”
O estudo do mesmo Banco Mundial recomenda aumentar o número de anos de ensino obrigatório, as bolsas, escolas de templo integral e construção de condições socioeconômicas e qualidade educacional, a fim de reter os jovens nas escolas e capacitá-los para uma melhor inserção no mercado de trabalho, afirmou Canclini. “Mas são conselhos que se chocam com a tendência de desregulamentar e desestabilizar o trabalho bem como reforçar os lugares subordinados dos países dependentes como exportadores de matérias-primas e manufaturas com baixo valor agregado.”
O colocar-se fora de si defendido por Canclini como postura ideal para as universidades inclui ela relacionar-se com outros saberes. Como exemplo, citou a necessidade de a medicina alopática ocidental dialogar com práticas orientais e de povos indígenas e tradicionais. “É preciso cuidar da relação entre mente e corpo e deixar de tratá-los como coisas separadas. Deve-se verificar como o diálogo entre conhecimentos técnicos e outros saberes tradicionais pode gerar aprendizados cognitivos que ajudem a pensar sobre o sentido de cada especialidade.”
É preciso considerar também os novos hábitos dos leitores, que leem de acordo com necessidades estruturais, afirmou. Segundo ele, em entrevistas com produtores culturais, artistas visuais e outros profissionais que estão sendo feitas em seu projeto na cátedra, verificou-se que computadores e celulares contribuem para esse novo estilo de atuação como centros de operações para tarefas múltiplas.
Outra urgência, segundo Canclini, é transformar a universidade num lugar em que se editam saberes, não o sentido. “A pretensão de ter só um sentido implica imperialismo, colonialismo.”
História das cátedras
Naomar de Almeida Filho fez a exposição “Da Cátedra: Reinvenção de uma Tradição”. Segundo ele, a universidade se especializou em cultivar tradições. “O projeto original tinha muito desse elemento. A universidade medieval tinha lugares bem demarcados pela matriz eurocêntrica e religiosa, sendo instalada em mosteiros e catedrais. A cátedra demarcava o trono do líder religioso de um certo território.”Na universidade clássica e no Iluminismo, passou-se da relevância do trono para a relevância de quem o ocupava, disse Almeida Filho. “Pessoas diferentes podiam ocupar a cátedra, com a transferência do poder simbólico a elas.”
Após o Renascimento, as cátedras se tornando lugares de estudos clássicos, como na Universidade de Coimbra, Portugal, considerada a alma mater das universidades brasileiras, afirmou. “Houve um deslocamento da cátedra para o catedrático. A universidade brasileira copiou o modelo, mas não o copiou direito.”
A universidade mudou seu projeto no Iluminismo, adotando uma bifurcação: universidades para formar quadros e outras para produzir conhecimento científico, disse. “Os modelos lusitano e francês foram a referência da universidade brasileira para o primeiro caso. A referência para o segundo caso é o projeto de Humboldt, Hegel e outros sábios para a Universidade de Berlim.”
Para Almeida Filho, a universidade contemporânea assumiu a missão de ser um lugar de “crítica cultural, transformação social e, agora, de pandisciplinaridade”. As transformações começaram com a reforma universitária promovida a partir da Revolta de Córdoba em 1918, mencionada antes por Canclini, disse. "Uma das mandeiras dos estudantes era a extinção das cátedras vitalícias."
A principal diferença entre as cátedras atuais na América Latina é o tempo de permanência do titular. “Ocupei a Cátedra Juan Cesar Garcia da Universidade de Guadalajara, no México, por duas semanas, período necessário para organizar um evento.” Há também cátedras que constituem um programa de pesquisa, independente do tempo de duração e de seus ocupantes.
Formação de intelectuais
De acordo com Almeida Filho, tratar das cátedras permite distinguir entre ensino terciário e outras missões das instituições universitárias. "O ensino superior destina-se à formação de quadros e replicação de tecnologias. Isso habilita profissionalmente, mas não cria capital simbólico". Para ele, a educação universitária deve destinar-se à formação de intelectuais e produtores de conhecimento.
“No Brasil atual, as instituições universitárias tem cumprido mais a função de ensino profissionalizante do que as missões históricas da universidade. Temos a oportunidade ímpar de recriar o conceito de cátedras, supostamente anacrônico, recuperando o que se perdeu com a negação da tradição. Retomar sua missão histórica é o que nossa nação precisa neste momento.”
Para Martin Grossmann, as cátedras servem como uma plataforma de crítica institucional, um caminho para a universidade se renovar também intramuros. “Elas podem ser um lugar de crítica institucional, junto com a governança e o Conselho Universitário, para que a Universidade se transforme e seja responsiva às demandas da crise que vivenciamos.”Grossmann falou sobre “A Cátedra nos Estudos Avançados” e lembrou que o IEA integra a rede internacional Ubias (University-Based Institutes for Advanced Study) desde 2010, criada para agregar o crescente número de IEAs que vêm sendo criados em universidades de todos os continentes há várias décadas.
Segundo ele, uma das diretrizes de atuação do IEA é a equivalência entre as ciências (naturais e sociais), as artes e as humanidades. No caso das artes, o objetivo é ir além dos aspectos históricos e englobar sua a institucionalidade.
Vanguarda crítica
Grossmann considera a criação, em 1930, do Institute for Advanced Study (IAS) de Princeton um marco da vanguarda crítica da universidade. “Abraham Flexner, que tinha reformulado o ensino de medicina nos Estados Unidos e no Canadá, se lançou na criação de um instituto independente, sem vínculo com uma universidade, para se pensar de outra forma. Foi um gesto político num momento de tensão, e permitiu acolher pesquisadores como Einstein e outros cientistas judeus que saíram da Europa devido às perseguições nazistas.
Outro marco da vanguarda no período, desta vez na institucionalização da arte, foi a inauguração em 1939, em Nova York, da sede do Museu de Arte Moderna (MoMA), “um prédio com uma nova arquitetura, uma nova ambience para se pensar arte”. Para ele, o prédio do MoMA e o IAS marcam algo como uma vanguarda 1.0.
O marco seguinte, uma espécie de vanguarda 2.0, é para ele a criação, em 1968, do Centro de Pesquisa Interdisciplinar (ZiF, na sigla em alemão) da Universidade de Bielefeld, Alemanha, e a inauguração, no mesmo ano, da sede do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Em sua opinião, as universidades brasileiras se desenvolvem, do ponto de vista da arquitetura, como universidades modernistas. “Havia uma ciência modernista também, num país que se formava e procurava ser representado como uma nação moderna.”
No caso do Masp, Grossmann afirma que o museu já anunciava o pós-modernismo. “Não existe nada igual no mundo, um edifício aberto, com janelas imensas, onde as obras parecem flutuar no espaço e o visitante caminha entre elas como um flâneur crítico.”
Para Grossmann, a criação do IEA em 1986 inicia um novo processo de vanguarda no interior do sistema acadêmico, e “essa vanguarda 3.0 está em andamento”.
Ele considerou o colóquio uma iniciativa da Cátedra Olavo Setubal e da Cátedra de Educação Básica para o início de um diálogo entre as cátedras do IEA, de forma a promover "o pensamento irrequieto, no contrafluxo do pensamento tradicional, cooperando para que a USP se reposicione diante da sociedade".
Colaboração interna
Durante o debate, o ex-diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) Pedro Dallari falou sobre a experiência da Cátedra José Bonifácio, criada em 2013 para receber anualmente um personalidade ibero-americana. A cátedra é uma iniciativa do Centro Ibero-Americano (Ciba), núcleo ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa e ao Instituto de Relações Internacionais (IRI), e tem apoio financeiro do Banco Santander
Dallari afirmou que a cátedra tem uma característica adicional ao trabalho de promover o relacionamento da Universidade com sociedade, conforme enfatizado nas exposições: “Na José Bonifácio há uma coisa anterior, que é a relação da cátedra com o interior da USP.”
Segundo ele, a cátedra cria uma dinâmica com os jovens da universidade. “O tema de trabalho escolhido pelo catedrático se torna um tema de pesquisa. É lançado um edital e os pós-graduandos com temas próximos ao que foi escolhido pelo catedrático passam a se relacionar com ele. No final, é produzido um livro.”
Dallari questionou o fato de a estrutura docente da USP não incluir os catedráticos. “É uma honraria, não viram professores da Universidade. Agora começamos a usar a figura do professor colaborador, para que o titular possa ser integrado ao quadro docente da USP.”
Ele comentou que as normas quase impossibilitaram que Garcia, catedrático de 2020 e “uma das lendas do sistema financeiro latino-americano”, participasse de uma banca de tese por não possuir titulação acadêmica.
Inteligência artificial
Ainda no debate, Lúcia Santaella comentou que um desafio adicional se impõe para a agenda de mudanças da universidade: o desenvolvimento da inteligência artificial. “O que temos ainda é uma inteligência artificial fraca, mas não vai parar por aí. Enquanto as corporações correm no seu desenvolvimento, as universidades estão paradas.” As consequências serão várias, como a perda de empregos, e esse cenário “acrescenta um dilema magno ao quadro colocado por Canclini".
Em resposta a ela, Canclini disse que a questão é decisiva para a transformação das universidades. Ele vê, porém, algo de muito errático no mundo da inteligência artificial. “A função da universidade seria editar esses saberes”.
“Historicamente, a universidade tem o papel de criticar o conhecimento, problematizá-lo em outras direções. Me parece que grande parte da inteligência artificial tem trabalhado no sentido de cancelar essa associação problemática.”