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Luz síncrotron ilumina cooperação científica no Oriente Médio

por Flávia Dourado - publicado 03/09/2013 12:05 - última modificação 12/02/2016 11:22

Em conferência realizado no dia 22 de setembro, o físico israelense Eliezer Rabonivici falou sobre a parceria entre países do Oriente Médio para a construção do primeiro acelerador de partículas síncrotron da região.

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No Oriente Médio, a ciência vem despontando como uma alternativa para promover o diálogo entre povos e países marcados por desavenças históricas, graças à construção do primeiro grande centro internacional de pesquisa da região: um acelerador de partículas síncrotron, fruto de iniciativa inédita de cooperação científica entre islâmicos e israelenses.

Eliezer Rabinovici  - conferência sobre Sesame
Rabinovici: "Temos o dever de tentar usar a
linguagem científica como um canal de diálogo"

Conhecido como Sesame (acrônimo de Synchrotron-Light for Experimental Science and Applications in the Middle East), o projeto foi desenvolvido sob os auspícios da Unesco e conta com o apoio de nações abaladas por conflitos internos, como o Egito, e envolvidas em disputas tensas, como Israel, Autoridade Palestina, Irã, Turquia e Chipre, além do Paquistão e da Jordânia, país que sedia o projeto.

Segundo o físico israelense Eliezer Rabinovici, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-diretor do Instituto de Estudos Avançados Israel, da mesma universidade, trata-se de um projeto colaborativo internacional, que une esforços de cientistas e governos em torno de dois grandes objetivos: impulsionar a ciência e a tecnologia de ponta no Oriente Médio; e construir pontes culturais e científicas entre povos vizinhos imersos em conflitos.

Rabinovici esteve no IEA no dia 22 de setembro para a conferência Sesame: Uma Visita a um Universo Paralelo, quando falou sobre sua experiência como um dos articuladores do projeto e sobre o potencial da ciência para a difusão da cultura da paz.

Os debatedores do encontro foram Mahir Hussein, do Instituto de Física (IF) da USP, coordenador do Grupo de Pesquisa Astrofísica Nuclear Não Convencional do IEA e curador da Metacuradoria Abstração; Arlene Clemesha, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e curadora da Metacuradoria Glocal; Guilherme Ary Plonski, da Escola Politécnica (Poli) e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), ambas da USP, e conselheiro do IEA; Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e professor visitante do IEA; e Nathan Berkovits, do Instituto de Física Teórica da Unesp.

MODELO

O Sesame foi inspirado no Cern (European Organization for Nuclear Research), laboratório de física nuclear criado no pós-Segunda Guerra com o propósito de integrar, em torno de um projeto científico comum, países da Europa que lutaram de lado opostos. A ideia era viabilizar o custeio e o desenvolvimento de pesquisas na área por meio do financiamento coletivo e da reunião de cientistas de diversas nacionalidades europeias.

Rabinocivi observou que, assim como o Cern ajudou a curar feridas deixadas pela guerra, o Sesame busca usar a ciência para promover o entendimento entre nações rivais. Mas enfatizou que o desafio do Sesame é maior, pois diferentemente da situação da Europa na década de 50, os conflitos no Oriente Médio não cessaram. "Há muitos agentes de ódio na região e o ciclo de violência parece interminável", disse.

Para o físico, a constante instabilidade no Oriente Médio, onde "as regras não são claras e mudam o tempo todo", colocam o Sesame num clima de ameaça permanente. Exemplo disso é o caso do Egito, que foi um dos fundadores do projeto e agora não tem participado nem contribuído financeiramente em função das turbulências internas pelas quais vem passando desde 2011.

No entanto, apesar das adversidades, os envolvidos parecem dispostos a dar continuidade ao Sesame. "É difícil construir pontes em um mar tão tempestuoso, mas mesmo depois de tantas tempestades, ainda estamos firmes", observou Rabinovici, destacando que esse comprometimento é parte do trabalho do cientista: "Temos o dever de tentar usar a linguagem científica como um canal de diálogo".

Segundo o físico, mesmo que o projeto não vá adiante, sua contribuição permanecerá. "Trata-se da prova de existência matemática: estamos há 20 anos trabalhando juntos e ninguém pode apagar isso, mesmo que eventualmente o Sesame acabe".

PONTO DE PARTIDA

As negociações que alavancaram o projeto começaram em 1995, quando Rabinovici e o ministro de Educação Superior do Egito se reuniram para promover a parceria árabe-israelense no âmbito do Middle East Scientific Cooperation (Mesc), uma rede de cientistas para a promoção da cooperação científica entre Europa, Estados Unidos e Oriente Médio.

A proposta de criar uma fonte de luz síncrotron surgiu quando a Alemanha anunciou o desmembramento de um antigo acelerador de partículas — o Bessy-1 (Berlin Electron Storage Ring Society for Synchrotron Radiation) — e concordou em doar os componentes para serem usados em uma nova instalação no Oriente Médio.

De acordo com Rabinovici, como o projeto do Mesc envolvia uma parceria entre países oficialmente em disputa, foi preciso provar para o mundo que a cooperação científica era possível. E o primeiro passo para isso, afirmou, foi reaproveitar o Bessy para construir um acelerador mais potente, de terceira geração, e viabilizar, então, a construção de um centro de pesquisa interdisciplinar.

"Não era a máquina que queríamos, mas decidimos aceitar porque a luz síncrotron possibilita o desenvolvimento de pesquisas em diversas áreas e porque precisávamos mostrar que podíamos construir algo juntos", ressaltou o físico.

CONSTRUÇÃO

Após estruturar o projeto de pesquisa em torno da luz síncrotron, o Sesame foi acumulando conquistas: em 2001, a Jordânia foi escolhida como sede do acelerador; em 2002, a Unesco passou a apoiar o projeto apostando na ideia da "ciência pela paz"; em 2004, firmou-se um acordo entre seis potenciais integrantes: Egito, Israel, Jordânia, Paquistão, Turquia, Autoridade Palestina e Bahrain (este não participa há dois anos); e, em 2002, a construção do centro de pesquisa teve início.

Segundo Rabinovici, atualmente a conclusão do Sesame depende de US$ 55 milhões. Para arrecadar essa quantia, a solução encontrada foi a mesma do Cern: o financiamento conjunto. Em maio deste ano, Turquia, Israel, Irã e Jordânia firmaram um acordo para entrar com US$ 5 milhões cada. Na mesma época, a Comissão Europeia se comprometeu a conceder € 5 milhões via Cern.

Com esse reforço financeiro, a expectativa de Rabinovici é que o Sesame entre em operação em 2015 e se torne o maior centro de pesquisa internacional do Oriente Médio. Mas, embora se mantenha otimista, o físico advertiu que ainda faltam US$ 30 milhões para a máquina se tornar realidade: "Temos dinheiro para decolar, mas não para aterrissar, pois dependemos de uma troca de combustível no ar", ressalvou, frisando que sua esperança é receber colaboração financeira da comunidade internacional.

PESQUISA

A maior parte dos cientistas a utilizar o acelerador será proveniente de universidades e centros de pesquisa do Oriente Médio e de regiões vizinhas. A ideia é que os pesquisadores passem pelo Sesame de duas a três vezes por ano, façam seus experimentos durante uma ou duas semanas e então retornem aos seus países de origem para analisar os resultados.

Rabinovici enfatizou que, como a luz síncrotron é o ponto de partida de pesquisas sobre temas diversos, o programa científico do centro é amplo e multidisciplinar. Entre as áreas que serão contempladas estão química, arqueologia, física molecular e atômica, energia e ciências ambientais, médicas e de materiais.

"Essa máquina produz uma luz que brilha em muitos aspectos da ciência, e esperamos que ela brilhe em muitos aspectos das relações humanas também", finalizou o físico.

Foto: Mauro Bellesa/IEA-USP