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Diversificação produtiva e conhecimento social favorecem agroecossistemas

por Sylvia Miguel - publicado 24/11/2015 12:15 - última modificação 24/11/2015 14:15

Metodologia de diagnóstico de agroecossistemas foi apresentada em debate sobre a sustentabilidade de sistemas familiares em transição agroecológica.

Em 10 anos, o número das propriedades rurais mais capitalizadas diminuiu 8,4% no Brasil, ao mesmo tempo em que o valor bruto e a produção total dessas propriedades aumentou de 50,66% para 67,84%. No mesmo período, cresceu 39,4% o número das propriedades rurais menos capitalizadas, sendo que o valor bruto ou a produção total delas aumentou ligeiramente, passando de 10,82% para 11,17%.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos aos anos de 1996 e 2006 revelam um claro movimento de concentração da produção em um menor número de propriedades, mostrou o engenheiro agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, em seminário realizado no dia 18 de novembro no IEA.

O debate Monitoramento da Sustentabilidade de Sistemas Familiares em Transição Agroecológica teve a moderação de Hugh Lacey, ex-professor visitante do IEA, e do professor Pablo Mariconda, coordenador do Grupo de Pesquisa Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia, que organizou o encontro.

Gabriel Bianconi Fernandes

Gabriel Bianconi Fernandes apresenta metodologia da AS-PTA para avaliar sustentabilidade da agricultura familiar.

Segundo Fernandes, a agricultura familiar no País tende a seguir três rotas distintas, coincidentes com as tendências reveladas pela pesquisa do IBGE.

Assim, haverá um segmento que seguirá o rumo da especialização, do produtivismo, do aumento de escala e da consequente industrialização. Geralmente, essas são as propriedades mais capitalizadas.

Outro segmento deverá se dedicar à diversificação da produção, com propriedades multifuncionais e a consequente refundamentação da agricultura da natureza, com novas formas de cooperação local. Um terceiro grupo tenderá à desativação de suas funções produtivas.

“Poderá haver uma tendência de fomento às políticas agrícolas para as propriedades mais capitalizadas, e também o aumento das políticas sociais para as menos capitalizadas”, acredita o engenheiro.

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A agricultura empresarial tende a maximizar o lucro por unidade de capital investido. Já a agricultura familiar busca maximizar a renda total gerada no conjunto da propriedade, evidenciando circuitos e fluxos que não podem ser mercantilizados.

“Isso pode gerar uma invisibilidade de muitos valores gerados e da força de trabalho empregada. Por isso, o cálculo de valor e de riqueza para propriedades em transição agroecológica deve ser diferenciado”, disse.

Segundo o engenheiro, o cálculo econômico convencional não dá conta de explicar toda a riqueza e potenciais da agricultura familiar, pelo enfoque da agroecologia. Nessas propriedades, o cálculo deve ser baseado nos fluxos de biomassa e energia e no uso dos recursos naturais e não apenas na entrada de insumos e saídas de mercadorias.

Fernandes abordou a metodologia de diagnósticos de agroecossitemas desenvolvida na AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, desde 1990. A entidade é uma associação de direito civil sem fins lucrativos que, desde 1983, atua para o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do desenvolvimento rural sustentável no Brasil.

O assessor mostrou que a metodologia incorpora a linha do tempo do agroecossistema e do território ao qual ele pertence; a valoração do produto completo e não apenas a sua parte comercializada; a relação com os mercados; a participação social; a equidade de gênero; a geração de renda; e o acesso a políticas públicas, entre outros quesitos.

Os técnicos geralmente vão à propriedade e verificam as interações exteriores empreendidas, os insumos produzidos internamente, as reciclagens internas e a força de trabalho. “Tudo isso contabiliza valor, embora sejam circuitos não mercantilizados”, afirma.

Nas etapas de avaliação da propriedade, é realizada uma dinâmica com os agricultores para a identificação de espaços, sua funcionalidade e o que representam para a produção. Verificam a inter-relação entre os subsistemas do sistema produtivo. A família faz um croqui da propriedade, momento em que discutem espaços e papéis de cada membro da família, questões de gênero e o papel dos jovens. Ao identificar as parcelas da propriedade e suas funções, estabelecem o sistema de fluxos, as inter-relações e as dinâmicas de trabalho.

“O resultado da análise é um sistema de fluxo de biomassa. Os fluxos monetários mostram que muitos valores ficam na propriedade. E o sistema todo gera muitos serviços sem valor monetário”, disse o palestrante.

No cálculo, o produto bruto (PB) ou renda bruta (RB) representa a soma dos estoques (esterco, sementes, água, alimentos e outros recursos); das vendas, trocas e doações de produtos e serviços; e do autoconsumo (ou subsistência). O consumo intermediário (CI), representado por gastos com sementes, adubos, cercas, veterinário e outros, deve ser descontado da renda bruta e a diferença (RB-CI) representa o valor agregado (VA).

“A redução do consumo intermediário representa um aumento da autonomia técnica do produtor e incentivamos isso para que ele obtenha um aumento da renda”, disse.

Assim, a renda agrícola (RA) é determinada pela diferença entre o valor agregado e o pagamento de terceiros (RA = VA – PT). Por isso, no esquema de agroecossistema, a especialização produtiva gera desperdício, reduz a autonomia dos produtores ao torná-los dependentes de insumos e técnicas que não dominam, e resulta num processo que não gera conhecimento social e nem inovação, disse Fernandes.

Olhar integrado e inovação

O engenheiro citou o caso do programa Um Milhão de Cisternas Rurais no semiárido brasileiro. Essa política pública usou o conhecimento local e, apesar do quadro adverso de estiagem, vem conseguindo resultados positivos, como a realização de uma feira orgânica há 4 anos no interior da Paraíba (PB), afirmou.

“Os sulcos nas pedras foram usados como tanques de água e foi a experiência dos habitantes locais que sinalizou as medidas a serem tomadas”, disse Fernandes.

Ao analisar a sustentabilidade de sistemas familiares em transição agroecológica, a metodologia desenvolvida na AS-PTA também avalia as interações sociais da propriedade rural em questão.

“Quanto maior os laços de relações sociais e participação comunitária, maiores as probabilidades de inovação na propriedade, porque o conhecimento é compartilhado socialmente”, disse.

O maior grau de diversificação produtiva, de autonomia técnica, de participação comunitária e de equidade da força de trabalho também resulta em maior responsividade, resiliência e estabilidade da propriedade rural, disse Fernandes.

Assim, num quadro de análise amplo, é possível vislumbrar a própria perspectiva de desenvolvimento rural regional ou mesmo setorial, concluiu o palestrante. “A análise sistêmica deve ter um olhar integrado, não linear, baseada em fluxos”, concluiu.