O centenário de Edgar Morin, o humanista que articula saberes
Edgar Morin no IEA durante sua conferência "A Crise da Europa Hoje", em novembro de 1993. No ano seguinte, a edição 21 da revista "Estudos Avançados" publicou seu artigo "A Deseuropa", versão desenvolvida da conferência. |
Hoje, 8 de julho, quando Edgar Morin completa 100 anos, o IEA junta-se a inúmeras instituições e personalidades que estão celebrando o aniversário do filósofo e sociólogo francês, entre elas a Unesco e o papa Francisco.
Em mensagem apresentada à Unesco, Francisco afirmou que Morin destaca-se não apenas como uma “testemunha privilegiada de profundas e rápidas mudanças sociais”, mas também como um “analista atento que, com discernimento, suscitou esperanças e alertou para os possíveis riscos para a humanidade”, informou o Vatican News, portal oficial do Vaticano.
O pontífice ressaltou a dedicação de Morin em prol de uma “política de civilização”, da cooperação entre os povos, da construção de uma sociedade mais justa e humana e da renovação da democracia. Francisco também destacou o oferecimento de Morin - durante encontro dos dois em junho de 2019 – para participar do “Pacto Educativo Global”, iniciativa lançada pelo papa no ano passado e interpretada por muitos como um incentivo para o desenvolvimento de uma grande pedagogia para o novo cidadão planetário, segundo o portal.
Nascido em Paris numa família judaica de origem sefardita (seu sobrenome real é Nahoum), Morin estudou história, economia e direito na Sorbonne. Participou da Resistência (quando adotou o pseudônimo Morin) durante a ocupação nazista da França e do Partido Comunista Francês (do qual foi expulso em 1951 por sua oposição ao stalinismo) e acompanhou de perto os acontecimentos de maio de 1968.
Morin é autor de cerca de 70 livros, entre os quais os seis volumes de “O Método”, publicados de 1977 a 2004, considerado o seu principal trabalho. Contribuiu em diversas áreas, como educação, estudos de mídia, ecologia, ciência política, antropologia visual e estudo de sistemas biológicos complexos.
No entanto, ele não se considera sociólogo, antropólogo, filósofo, professor ou escritor: “A melhor definição seria não ter definição. De se bastar. A palavra 'filósofo' talvez me conviesse bem, mas hoje a filosofia, no geral, se fechou em si mesma e a minha é uma filosofia que observa o mundo, os acontecimentos etc. Sou muito marginal, quer dizer, sou marginal em todas essas áreas. Então, sou aquele que querem que eu seja”, declarou em entrevista ao Fronteiras do Pensamento em 2015.
Criador do conceito de transdisciplinaridade, Morin tem contribuições significativas para a teoria da complexidade e estabeleceu as características do que chamou de “pensamento complexo”, definido por ele em termos simples na mesma entrevista como um método para articular saberes.
O conselheiro do IEA José Roberto Castilho Piqueira, professor da Escola Politécnica (EP) da USP, utilizou os pressupostos do pensamento complexo para discutir um proposta de engenharia da complexidade, por ele apresentada em conferência no IEA em setembro de 2017 [assista ao vídeo]. A íntegra da exposição foi publicada na edição 94 da revista "Estudos Avançados" com o mesmo título da conferência: "A Engenharia da Complexidade em Edgar Morin".
Em sua opinião, as ideias e os trabalhos de Morin trouxeram para as áreas tecnológicas da Universidade uma "forte atualização nos conceitos de multidisciplinaridade e transversalidade que, a cada dia que passa, ocupam a prática da boa engenharia em todo o mundo".
"A conceituação de uma 'engenharia da complexidade' passou a fazer parte de nossos currículos, refletindo a forte influência de Morin nos diversos aspectos do mundo tecnológico e na busca de novos caminhos para o desenvolvimento voltado aos seres humanos, à preservação do meio ambiente e das espécies vegetais e animais, viabilizando a continuidade da vida em nosso planeta”, afirmou Piqueira.
Ao saudar o centenário de Morin em nome do IEA, o diretor do Instituto, Guilherme Ary Plonski, anunciou a realização de um colóquio sobre transdisciplinaridade este semestre para homenageá-lo e declarou:
“Institutos de estudos avançados devem criar ambientes acolhedores à germinação de conhecimentos voltados às questões complexas da condição humana contemporânea. Para isso, é imprescindível aprender a superar a fragmentação de saberes, em especial nos espaços educativos. Uma inspiração poderosa a esse esforço é a obra do notável intelectual francês Edgar (Nahoum) Morin, cujo centenário de nascimento comemoramos hoje. Aproveitando a saudação da tradição na qual ele foi criado, desejamos-lhe: ‘Até os 120!’.”
Foto: Mauro Bellesa/IEA