Encontro reúne cátedras da USP para estabelecer rede colaborativa
Originária da apropriação da cadeira do bispo na universidade medieval autônoma, a cátedra passou por várias transformações ao longo dos séculos e perdura em várias universidades estrangeiras como posto de pesquisa, caso da Cátedra Lucasiana, criada em 1663 na Universidade de Cambridge, Reino Unido, e ocupada durante 33 anos por Isaac Newton e 30 anos por Stephen Hawking.
Em novembro de 1968, uma lei federal determinou o fim das cátedras no ensino superior brasileiro. No antigo sistema, o titular da cátedra era a autoridade suprema e vitalícia de uma disciplina na universidade. Em seu lugar surgiu a organização dos docentes em departamentos, onde vários professores podem estar no mesmo patamar da carreira simultaneamente.
A partir dos anos 90, começaram a surgir, no IEA, novos tipos de cátedras na USP, dedicadas a diferentes temáticas e com estrutura e funcionamento específicos. O Instituto sedia sete cátedras em parcerias com diferentes organizações públicas e privadas, além de participar de uma rede franco-brasileira de cátedras com as universidades estaduais paulistas.
Cátedras participantes
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O IEA estimula a realização de atividades conjuntas entre suas cátedras e aspira à interação com as outras cátedras da Universidade. A Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) também possui cátedras a ela vinculadas e deseja que as várias cátedras da USP se articulem em projetos conjuntos, quando da confluência de interesses.
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Foi para promover essa dinâmica que o IEA e a PRPI realizaram, no dia 3 de outubro, o 1º Encontro Intercátedras da USP. Nele, na parte aberta ao público (manhã), foram apresentados os resultados preliminares de um levantamento já respondido por boa parte das cátedras existentes e uma exposição sobre seu papel na academia na atualidade.
Também durante a manhã, os representantes das cátedras e o público (presencial e online) foram brindados com uma aula detalhada sobre a origem das antigas cátedras nas universidades medievais e como elas se transformaram ao longo dos séculos [a partir de 1h27min do vídeo do encontro]. Os expositores foram Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da UFBA e da UFSB e titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica e Ana Paula Tavares Magalhães, assessora da PRPI e coordenadora do Grupo de Pesquisa Investigações sobre a Pluralidade e Ambiguidades Relativas à Condição Humana do IEA.
No período da tarde, o encontro foi restrito aos representantes das cátedras, para a discussão de temas como formas de governança, interação com o ensino, a pesquisa e a extensão da Universidade, possíveis modelos de financiamento e a conexão com a realidade latino-americana. Além disso, foram discutidas as etapas para uma interação continua do grupo, inclusive propostas de publicações e estratégias para atuação em rede.
O encontro integrou a programação do projeto USP Pensa Brasil 2023, idealizado pela vice-reitora, Maria Arminda do Nascimento Arruda, para reiterar o compromisso público da Universidade com a reflexão sobre os grandes temas contemporâneos, reforçando seu papel na "produção de conhecimento científico, na formação cidadã e na defesa de um projeto democrático e justo de país."
De acordo com o diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, há algum tempo havia o desejo de o Instituto organizar um encontro de todas as cátedras da Universidade, ideia estimulada pelos encontros já realizados entre as cátedras do Instituto.
Levantamento
No entanto, ao iniciar o trabalho de organização de um encontro, verificou-se que havia nisso um tema de pesquisa: "Ninguém sabia quantas e quais eram as cátedras existentes na universidade", afirmou Plonski. Dessa forma, surgiu um primeiro estudo sobre as principais características das cátedras da USP.
Paulo Almeida, pesquisador e analista administrativo do IEA, apresentou os resultados do trabalho. Foram identificadas 23 cátedras em atuação na Universidade. A pesquisa já foi respondida por 15 delas. O levantamento deve resultar em dois produtos: um catálogo e um artigo com uma análise mais detalhada do histórico das cátedras.
Quanto à periodização do surgimento das cátedras que já responderam à pesquisa, verificou-se que uma foi criada nos anos 90, três na década de 2000, sete na década de 2010 e nos três anos da década atual já foram instaladas quatro. A previsão de duração das cátedras concentra-se em torno de cinco anos.
Temas
Almeida disse que foram identificados seis grandes blocos temáticos:
- arte, cultura e ciência
- políticas públicas de educação
- relações culturais e históricas
- sustentabilidade
- pesquisa e inovação
- segurança e defesa
As motivações para as unidades e departamentos optarem pela cátedra como modelo de estruturação de posto de pesquisa são variadas. As principais são interdisciplinaridade; globalização e intercâmbio; respostas a desafios sociais; promoção da inovação, engajamento com a sociedade; flexibilidade e adaptação.
A governança das cátedras se dá por meio de comitês ou conselhos de governança, coordenação acadêmica e coordenação executiva. A preocupação com a multidisciplinaridade na escolha de seus participantes acompanha a busca por interação com a sociedade civil.
Outras características do funcionamento das cátedras são a flexibilidade e adaptação acadêmicas e administrativas, além da atenção à transparência e prestação de contas (questão relevante no caso do financiamento externo) e à integração tecnológica (uso regular de ferramentas digitais nas atividades).
A origem dos recursos também é diversificada, incluindo o orçamento da Universidade, governos externos e locais, agências de fomento nacionais e organizações do setor privado. Algumas cátedras não se beneficiam de financiamento externo ou de recursos de agências de fomento.
RoteiroMarcovitch propõe esta série de perguntas como guia para a criação de uma cátedra - ou reestruturação de uma já existente:
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Financiamento
As cátedras com titulares os remuneram, em geral, com bolsa fixa, adicionais de diárias, verbas de pesquisa e potenciais gratificações. Essa remuneração provém de fundações ligadas ao setor bancário, outras entidades privadas, governos estrangeiros, agências acadêmicas e fundos de apoio sem fontes definidas. A pesquisa constatou uma tendência de diversificação dos financiadores e de crescimentos recursos, com aportes adicionais e prorrogações de cátedras.
Atualmente, o financiamento anual extraorçamentário varia de R$ 100 mil a R$ 300 mil. Em alguns casos, passa de R$ 500 mil e há uma exceção, no valor de mais de R$ 1 milhão.
As atividades das 15 cátedras já resultaram em 158 artigos de periódicos científicos, 72 livros, 58 capítulos de livros e 47 trabalhos de pós-graduação (teses e dissertações). A produção acadêmica também incluiu cursos, conferências, documentários, relatórios, resenhas, softwares e uma patente.
Indagados sobre as principais contribuições das cátedras, seus responsáveis citaram: visão multidisciplinar, diálogo entre saberes, participação em políticas públicas, internacionalização, sustentabilidade, formação e educação, promoção do conhecimento, direitos e legislação, meio ambiente, engajamento social e temas atuais.
As redes de colaboração das cátedras envolvem instituições diversas, não apenas universitárias. Há vínculos com projetos temáticos, formuladores de políticas públicas e redes de monitoramento e mapeamento. Em termos internacionais, dá-se mais ou menos o mesmo, envolvendo universidades, redes temáticas globais e centros de pesquisa.
A comunicação pública utiliza mídias diversificadas, sobretudo digitais. São realizadas conferências e seminários online, podcasts e produção de conteúdo para redes sociais.
Jacques Marcovitch, ex-diretor do IEA e ex-reitor da USP, conferencista do encontro, destacou a internacionalização como aspecto fundamental, com a prestação de informações sobre as cátedras brasileiras às universidades globais e obtenção de informações sobre cátedras existentes no exterior.
Vetores
Para ele, vistas sob um prisma que considera a universidade um sistema complexo, as cátedras devem ser analisadas a partir de seis vetores: entorno, insumos, processos, resultados, impactos e valores.
O entorno atual, afirmou, é marcado por transições simultâneas e um avanço da CT&I que aumenta a imprevisibilidade desta era. Ao mesmo tempo, "a universidade tem de produzir respostas a vários problemas estruturais, como é o caso da desigualdade na América Latina".
Marcovitch considera que há cinco transições em curso em busca de respostas:
- A transição demográfica - que faz com que a saúde tenha de responder às elevadas taxas de mortalidade e ao mesmo prolongar a esperança de vida e proporcionar bem-estar coletivo;
- A transição digital - como reduzir o fosso digital entre aqueles que têm acesso a redes confiáveis e a grande maioria que não tem acesso ou tem acesso precário e dispendioso;
- A transição socioeconômica - como enfrentar a dualidade socioeconômica, que se agravou ainda mais após a crise sanitária da Covid19;
- A transição ecológica - como conciliar a conservação da natureza e o equilíbrio climático com o bem-estar humano;
- transição geopolítica - como enfrentar polarização que mobiliza recursos crescentes para conflitos armados entre Estados e no interior de Estados.
Resultados
Os resultados (outra das vertentes) - incluem curadoria do conhecimento, o avanço da ciência, a formação de pessoas, publicações sobre as pesquisas, e atividades de extensão e iniciativas culturais, disse. Ele fez uma distinção entre resultados e impactos (outra das vertentes): "Impacto é a capacidade da comunidade acadêmica de construir conhecimento e formar pessoas que respondam aos anseios da sociedade por um aumento do bem-estar e sustentabilidade ambiental".
Se os resultados são avaliados pelos pares acadêmicos, nos casos dos impactos, a avaliação é feita pelos usuários dos serviços prestados à sociedade, afirmou. Daí a importância de a ação universitária estar alicerçada em valores acadêmicos voltados à promoção de princípios de liberdade, justiça, dignidade humana, pluralismo, solidariedade e probidade, acrescentou.
Na opinião de Marcovitch, para a concepção de uma cátedra ou adequação de uma existente é preciso ter uma definição clara sobre contexto, missão, objetivos, insumos, processos, resultados esperados, impactos almejados e valores praticados no momento da formulação do projeto.
Fotos: Fernanda Rezende/IEA-USP