Escola enfrenta o desafio da má alimentação
Profissionais e acadêmicos discutem soluções multidisciplinares para obesidade infantil |
Os índices de obesidade e sobrepeso entre crianças e adolescentes cresceram tanto no mundo que o fenômeno chegou a ser chamado de epidemia. O excesso de peso nesse grupo populacional e sua relação com a educação foi o tema discutido no dia 29 de outubro, durante o seminário Políticas de Alimentação Saudável: Propostas e suas Implicações no Cotidiano da Escola.
Realizado no auditório da Faculdade de Educação (FE) da USP, esse foi o quinto encontro da série sobre integração serviço-pesquisa por meio do estudo do caso CREN-Unifesp-IEA.
A discussão acontece num momento em que os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que no Brasil 51% da população pesa mais que o recomendado. Além disso, os indicadores mostram que mais de 30% das crianças brasileiras estão com sobrepeso.
Para tratar do assunto, o seminário reuniu gestores públicos, pesquisadores, profissionais do terceiro setor, professores e estudantes. Além do relato de uma pesquisa em andamento em escola do ensino fundamental, o encontrou mostrou a experiência do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) e também o programa de alimentação escolar da prefeitura da cidade de São Paulo.
O objetivo foi “propor intervenções e soluções multidisciplinares a partir do debate entre os profissionais e a interface da pesquisa”, segundo Ana Lydia Sawaya, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA) e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Guilherme Aparecido Costa Alexmovitz e Vivian Fortuna Féres de Carvalho, ambos do CREN, apresentaram a pesquisa Intervenção Multidisciplinar para Tratamento de Obesidade na Escola, iniciada há cerca de dois meses com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
"Merenda escolar tem conotação negativa entre as crianças", diz pesquisador. |
Os dados preliminares levantados pelos pesquisadores numa Escola Municipal de Educação Fundamental (EMEF) em salas do 4º e 5º ano mostraram que 22% desses adolescentes são subnutridos, 45% apresentam quadro de eutrofia (boa alimentação) e 33% têm sobrepeso. Nesse grupo, 45% declararam comer toda a merenda oferecida na escola; 25% apenas comiam o lanche e 21% disseram não comer nada.
“Ao contrário do passado, hoje a ideia da merenda tem uma conotação negativa entre as crianças. Elas dizem que quem se alimenta do alimento oferecido na escola é ‘criança merendeira’. Para elas, é um termo pejorativo”, disse Alexmovitz.
Uma pesquisa feita entre os alunos da escola em questão apontou que muitos querem a permissão para trazer o próprio lanche de casa.
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Além disso, os pesquisadores verificaram que a infraestrutura daquela escola dificulta a prática esportiva. Para piorar, o alto índice de absenteísmo dos professores de educação física faz com que o horário da disciplina seja ocupado por aulas livres, ou não dirigidas.
Uma criança daquela escola descobriu que estava com diabetes porque desmaiou e o relato chamou a atenção dos colegas. Com isso, os pesquisadores viram que o teatro poderá ser uma abordagem para problematizar a própria realidade das crianças, disse Alexmovitz.
“Nossa tentativa de intervenção será no sentido de estabelecer um protocolo nas escolas públicas, visando ao atendimento das crianças obesas. O formato será a intervenção em grupo para problematizar o conceito de obesidade de forma multidisciplinar”, disse Alexmovitz.
Escolas e alimento
Promovendo a alimentação saudável nas escolas foi a palestra apresentada por Erika Fischer, diretora do Departamento de Alimentação Escolar (DAE) da Secretaria de Educação do Município de São Paulo.
Erika Fischer: no município de São Paulo, 25% das compras para alimentação nas escolas vem da agricultura familiar |
A gestora apresentou os pilares do prêmio Educação além do prato, um concurso de receitas entre merendeiras criado como estratégia para promover a boa alimentação em aproximadamente 3 mil escolas das 13 Diretorias Regionais de Educação do município.
“Precisávamos tirar o prêmio da cozinha e promover hábitos duradouros e saudáveis nas escolas, famílias e comunidade. Conseguimos envolver diversos parceiros e entender as escolhas alimentares. A nossa próxima prioridade será o combate ao desperdício”, disse a diretora.
Frutas, verduras e legumes são oferecidos a cerca de 1 milhão de alunos da rede municipal em quatro dos cinco dias da semana. A logística envolve mais de 2 milhões de refeições ao dia, aproximadamente 8 mil merendeiras e cerca de 200 funcionários, mostrou Fischer.
O município introduziu, através da lei 16.140/2015, a oferta de alimentos orgânicos nas escolas. Além disso, a lei 11.947/09 preconiza que 30% dos recursos para alimentação nas escolas municipais deverá ser destinado à compra de alimentos de agricultura familiar.
“Hoje, 25% das compras da prefeitura vem de agricultura familiar, o que representou aproximadamente R$ 27 milhões em 2015. Essa é uma política ganha-ganha, em que alunos e economia local são beneficiados”, disse Fischer.
Marilene Proença: há dificuldades para implantar políticas públicas no cotidiano das escolas |
A professora Marilene Proença Rebello de Souza, do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (PROLAM) da USP, apresentou a palestra Políticas Públicas na Escola: Tensões, Impasses e Desafios.
As escolas apresentam dificuldades em comum para implementar as políticas públicas na prática pedagógica, mostrou Souza. No geral, as pesquisas mostram que as escolas não se beneficiam das políticas públicas porque elas são criadas a partir do centro para as bases; porque falta infraestrutura; porque existe alienação do processo pedagógico; e porque as crianças das camadas populares ainda sofrem preconceitos das próprias políticas públicas.
O evento contou com grupos de trabalho na parte da tarde, que discutiram o tema sob o enfoque da realidade escolar e das políticas nutricionais.
Também participaram dos debates as professoras Sandra Sawaya e Diana Gonçalves Vidal, da FE-USP, e Miriam Izabel Simões Ollertz, gerente de atividades comunitárias do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN).