Especialistas se dividem ao avaliar as metas de redução das emissões do Brasil
Os compromissos voluntários de redução das emissões dos gases estufa assumidos pelo Brasil e que serão apresentados na 21ª Conferência das Partes, a COP 21, foram avaliados por especialistas que participaram do segundo encontro do ciclo A Caminho da COP 21: Preparando o Terreno até Paris – Mudanças Climáticas, Adaptações, Soluções e Oportunidades. A COP 21 acontecerá em Paris, de 30 de novembro a 11 de dezembro deste ano.
O debate realizado no IEA no dia 8 de outubro discutiu energia, adaptações às mudanças do clima e inovações tecnológicas. Contou com a presença do gerente de sustentabilidade Carlo Linkevieius Pereira, da CPFL, do diretor de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Zilmar José de Souza, além de Weber Neves Amaral, professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) da USP.
A partir da esq.: Pereira, Amaral e Souza |
O encontro foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA e pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas (INCLINE), da Arq. Futuro, CPFL Energia, Pacto Global. Rede Brasileira (UNGC) e World Water Council. Os resultados das discussões dos cinco encontros serão consolidados em documento a ser entregue ao governo brasileiro e apresentado em eventos paralelos à COP 21.
O plano anunciado em Nova York pela presidente Dilma Roussef no final de setembro é um conjunto de compromissos para reduzir as emissões e que todos os países deverão apresentar ao Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Trata-se da “Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada” (intended Nationally Determined Contribution – iNDC, na sigla em inglês) que, no caso do Brasil, estabelece uma redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) de 37% até 2025, e de 43% até 2030, com base nos níveis de emissão de 2005.
Em termos de emissões por unidade do PIB (intensidade de emissões), a meta corresponde a uma redução estimada em 66% em 2025 e de 75% em 2030, em relação a 2005. A conta do governo inclui as emissões líquidas, ou seja, desconta do valor real emitido aquilo que é absorvido pelas florestas. Até o momento, o Brasil é o único país em desenvolvimento a apresentar uma redução absoluta de emissões. Os demais apresentaram uma projeção das emissões evitadas se nada fosse feito – o chamado business as usual.
Na área energética, entre as metas estabelecidas pelo Brasil, até 2030, estão: a participação estimada de 45% das energias renováveis na composição total da matriz energética; participação de 66% da fonte hídrica na geração de eletricidade; alcançar 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico.
“As metas são ambiciosas, mas possíveis. Hoje as térmicas ocupam 16% da oferta de eletricidade, mas as projeções indicam que haverá uma substituição desse parque energético, até porque muitas concessões terminam em 2024. Numa comparação entre os compromissos do iNDC e o Plano Decenal de Energia (PDE), vimos que as metas de ambos estão conversando”, disse Pereira, da CPFL.
Atualmente, a matriz energética brasileira corresponde a 60,6% de energias renováveis e 39,4% de fontes não renováveis. A situação ainda é confortável em comparação ao mundo. A matriz energética global é composta por 13,8% de fontes renováveis. Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa parcela é de apenas 9,8%.
Novo perfil de consumo
Clima impõe novo perfil de consumo e oportunidades para empresas, segundo especialista da CPFL |
“Haverá ainda um incremento no uso de fontes fósseis no Brasil. Possivelmente, as térmicas a carvão serão substituídas por térmicas a gás, que é limpo em termos de emissão. Por outro lado, a demanda por energia em geral está reduzindo não só pela retração da atividade econômica, mas também por uma mudança no perfil do consumidor”, disse o gerente da CPFL.
Segundo Pereira, pela primeira vez na história da CPFL, houve uma queda de 5% na demanda de eletricidade. “Temos pesquisas mostrando que, cada vez mais, o consumidor está mais consciente sobre as mudanças climáticas e está buscando mais eficiência no seu consumo energético”, afirmou.
Segundo dados de 2013, as maiores fontes emissoras de GEE no Brasil dizem respeito à mudança de uso da terra (35%) e energia (29%), seguidas por agropecuária (27%), processos industriais (6%) e resíduos (3%).
“O setor energético no Brasil não é o vilão, ao contrário do que ocorre em outros países do globo. A maior parte das emissões do setor de energia no Brasil vem da combustão de motores”, disse.
Infelizmente, o carro elétrico ainda não é uma solução no Brasil para abater as emissões dos transportes, mostrou. Pereira falou de sua experiência pessoal utilizando carros elétricos e demonstrou que a falta de estruturas para carregamento de baterias ainda impõe dissabores ao motorista do elétrico.
Oportunidades
Os acordos que deverão sair da COP 21 sinalizam um cenário completamente distinto da COP 15, de Kopenhagen. “Mais do que nunca, o Brasil precisa parar de perceber as mudanças climáticas como risco e passar a ver oportunidades”, afirmou Pereira.
Segundo o gerente da CPFL, haverá uma corrida por maior eficiência energética e avanços tecnológicos. Existem perspectivas de criação de instrumentos financeiros para incentivar a redução das emissões. Além disso, o lançamento dos chamados green bonds podem ser uma grande oportunidade para empresas brasileiras, enfatizou.
O fator de emissão de GEE no Sistema Interligado Nacional (SIN) refletiu o uso de fontes mais sujas dos últimos anos. De acordo com o consultor, o fator de emissão de GEE no SIN cresceu 364% entre 2011 e 2014, passando de um fator de 0,02 para 0,13. Isso pode ter representado ganhos expressivos para projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) baseados nesse fator, exemplificou.
As janelas de oportunidades são esperadas especialmente porque as metas estabelecidas no iNDC, embora voluntárias, uma vez assumidas, tornam-se vinculadas às legislações internas, lembrou Amaral, da ESALQ. “O compromisso assumido no iNDC terá de ser incorporado ao PDE”, disse Amaral, que moderou o debate.
Uso da terra e bioenergia
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Pereira fez ressalvas às metas do iNDC no que se refere ao uso da terra e agropecuária. O documento prevê acabar com o desmatamento ilegal; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares; recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; e aumentar 5 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas.
“Não sabemos como será possível por em prática as metas sobre uso da terra. Os 12 milhões de hectares de restauração e reflorestamento equivalem a 24 anos do atual desmatamento na Amazônia. Além disso, a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas equivale a 30 anos do atual desmatamento na Amazônia”, mostrou Pereira.
O documento faz uma referência especial à bioenergia. Estipula a meta de aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030. Isso será possível, segundo o texto, expandindo o consumo de biocombustíveis, aumentando a oferta de etanol, inclusive por meio do aumento da parcela de biocombustíveis avançados (segunda geração), e aumentando a parcela de biodiesel na mistura do diesel.
O iNDC brasileiro também menciona aumentar o uso das energias renováveis (solar, eólica e biomassa) para ao menos 23% na matriz de geração elétrica.
“Ficamos felizes ao ver referência ao setor bioenergético no iNDC, e em especial ao etanol. Mas ainda falta uma definição do papel da biomassa, ou do papel da energia do etanol e da bioeletricidade. O setor ainda se ressente de uma maior previsibilidade na política estratégica de energia”, disse Souza, da Unica.
Souza lembrou que o setor sucroalcooleiro entrega para a rede interligada mais de 4% da eletricidade consumida no País. Além disso, a cana é a terceira fonte energética mais importante, com 8% de participação na matriz elétrica em termos de capacidade instalada, o que demonstra a importância estratégica dessa fonte para o País, disse.
Apesar disso, bioeletricidade ainda participa nos leilões de energia no mesmo patamar de igualdade com as fontes “sujas”, compara Souza. “As regras dos leilões atuais consideram apenas o menor preço. Não incluem a precificação das externalidades positivas ou negativas de cada fonte. Isso quebra as expectativas do setor”, defendeu o representante sucroalcooleiro.
O professor Amaral lembrou que a integral mecanização dos canaviais no Estado de São Paulo permitiu um incremento energético vindo da palha da cana.
Para o consultor da Unica, o setor deverá olhar com cautela os detalhes das metas anunciadas na iNDC, pois os números ainda não foram integralmente divulgados pelo governo. “É preciso um desdobramento dessas metas para que possamos entendê-las adequadamente. Por exemplo: se os cálculos foram feitos sobre capacidade instalada ou sobre capacidade de produção efetiva, o perfil de análise muda consideravelmente", considera.
Fotos: Leonor Calasans