Fake news: origem, usos atuais e regulamentação
"Fake news" foi eleita a expressão do ano em 2017 pelo dicionário Collins, que a definiu como informações falsas que são disseminadas em forma de notícias, muitas vezes de maneira sensacionalista.
Cinco anos depois, o tema continua atual. Foi sobre isso que tratou David Nemer, do departamento de Media Studies da Universidade de Virgínia, no seminário "Desinformação, Desigualdades de Comunicação e Regulação", realizado no dia 8 de abril. Ele expôs a trajetória das fake news e caminhos para regulação da informação na internet. O evento foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade.
Durante a corrida presidencial nos Estados Unidos em 2016, entre Hillary Clinton e Donald Trump, a maioria das pesquisas de intenção de voto divulgadas pelos jornais indicavam vantagem para a candidata. Contudo, Trump venceu a eleição. O ex-presidente passou então a utilizar o termo fake news para definir o trabalho de jornalistas e analistas da mídia no geral, normalizando a expressão entre seus apoiadores e ao redor do mundo. Mas notícias falsas surgiram muito antes desse período, algumas datadas do ano 44 a.C.
Enquanto fenômenos sociotécnicos – pois "reproduzem a inter-relação de aspectos sociais e tecnológicos" – as fake news têm sua disseminação favorecida por apelos emocionais. O termo está relacionado aos conceitos de desinformação e misinformation, apresentados pelo pesquisador.
A desinformação tem a intenção clara de enganar através de narrativas manipuladas, já a misinformation ocorre quando informações inverídicas são disseminadas e causam desinformação, mesmo que não haja essa intenção. Até mesmo informações verdadeiras podem enganar se usadas fora de contexto.
Assim, as fake news são geralmente "materializadas em forma de propaganda intencionalmente projetada para enganar o leitor". O Sensacionalista, uma versão brasileira do site americano The Onion, pode ser considerado misinformation, pois não tem a intenção de desinformar, mas não publica informações verdadeiras.
Circulação de notícias falsas e a democracia
Casos como Cambridge Analytica, movimento QAnon e Pizzagate nos EUA demonstram o impacto das tecnologias e das redes sociais na circulação de informação para efeitos políticos, como exemplificado por Nemer. Pesquisando o tema da viralização de conteúdos na internet, ele percebeu que conteúdos emotivos têm mais condição de viralizar do que conteúdos meramente informativos, principalmente se estimularem sentimentos como a raiva. "Fake news e discurso de ódio têm uma relação interdependente ou retroalimentadora. Ou seja, dependem um do outro para triunfar."
Essa característica é muito presente no âmbito das disputas políticas. Em relação à última eleição presidencial, Nemer afirmou que não é possível dizer que Jair Bolsonaro foi eleito devido ao compartilhamento de fake news, muito presente no período, mas é certo que elas promoveram um campo fértil para a disseminação do ódio e para uma polarização "materializada em mentiras".
Em sua pesquisa, ele estudou o "exército voluntário" do presidente em grupos de disseminação de fake news em redes sociais como WhatsApp e Facebook, criados em ano eleitoral. Segundo o pesquisador, após a eleição, os apoiadores se dividiram em grupos conforme as vertentes políticas que esperavam do presidente.
Nemer categorizou os apoiadores em: propagandistas, que reproduziam os grupos originais de propaganda e reforçavam o trabalho de assessoria e as mensagens da Secom; supremacistas sociais, que tinham o objetivo de alinhar as visões do presidente com a extrema direita, e não estavam interessados nos atos diários do governo; e insurgentes, que eram a favor do fechamento do Congresso e do retorno da ditadura militar.
Assim, o campo das redes sociais impõe uma lógica de distribuição que favorece a disseminação de fake news entre usuários, sendo plataformas de gestão de conteúdos, como afirmou Dennis de Oliveira, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e pesquisador do Programa Ano Sabático do IEA em 2019. Os controles de autorregulação das redes sociais são, para ele, o "ápice da destruição da esfera pública", pois refletem a privatização de uma norma que deveria surgir em âmbito público.
No Brasil, o Marco Civil da Internet declara que as plataformas não são responsáveis pelo conteúdo compartilhado, mas o cidadão que se sentir ofendido por uma publicação pode pedir para retirar conteúdos da internet e, assim, a empresa de conteúdo se torna responsável caso se negue a retirar.
Oliveira lembrou que 58% da população brasileira acessa a internet exclusivamente por meio do celular, e que as empresas de telefonia móvel oferecem pacotes com acesso ilimitado às plataformas de rede social. Para o professor, esse modelo de negócios induz o público a enxergar a internet meramente como acesso a redes sociais, onde circulam as fake news.
Em 2015, o Facebook lançou os "artigos instantâneos", que diminuem o tempo de carregamento de notícias, permitem ao usuário uma leitura rápida sem sair da rede social e aumentam o engajamento e monetização das publicações. Essa ferramenta facilitou a divulgação de notícias, tanto falsas quanto verdadeiras, e elevou o número de usuários da internet que lê apenas títulos e manchetes, e não reportagens, como apontou Nemer. Ele reforçou que o funcionamento das redes sociais ainda é desconhecido, porque não temos acesso à "caixa preta" dos algoritmos.
Para o pesquisador, o letramento digital nas escolas é uma prática importante no sentido de reconhecer e interpretar conteúdos na internet. No entanto, ela não abarca preconceitos e discursos de ódio, fatores que impulsionam o compartilhamento de fake news e que não são acobertados pela "liberdade de expressão", uma vez que esta não é irrestrita.
O evento foi mediado por Vitor Blotta, professor da ECA e coordenador do Grupo de Pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, do IEA.