Falta de dados sobre raça prejudica desenho de políticas para equidade na educação
[Texto de Marília Rocha - Assessoria de Comunicação da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira]
As dificuldades para localizar e utilizar informações com recorte de raça são apontadas pelas secretarias de Educação como um dos principais empecilhos para o desenho e implementação de projetos de educação antirracista, mesmo em municípios que já avançaram as discussões sobre a legislação voltada ao tema. Essa percepção foi compartilhada durante o ciclo de formação "Educação antirracista no chão da escola: o papel das Secretarias Municipais de Educação", oferecido a 27 municípios dos estados de São Paulo e Alagoas pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP, e o Instituto Dacor.
Durante mais de dois meses, a formação buscou sensibilizar os profissionais sobre a importância de políticas públicas para tratar da educação antirracista e de equidade racial e oferecer recomendações para a implementação de medidas concretas nas redes de ensino participantes. Foram realizados cinco encontros online, estudo assíncrono de material complementar e participação em duas atividades: uma buscou traçar uma espécie de diagnóstico da maturidade de cada rede quanto à Educação das Relações Étnico-Raciais, (ERER) e a última demandou das equipes a elaboração de um plano de ação para aplicar a educação antirracista no município.
A rubrica de monitoramento de políticas de ERER, desenvolvida pelo Instituto Dacor e pela Fundação Lemann, foi explicada aos cursistas durante um dos encontros online e preenchida por eles de maneira assíncrona. Como instrumento avaliativo-formativo de acompanhamento de processo das ações e políticas voltadas para a temática, a rubrica é uma ferramenta de entendimento sobre os desafios e as conquistas de cada rede, e possibilita mediar um diálogo para entender de que forma a secretaria tem se estruturado para cumprir a Lei 10.639. A finalidade da rubrica é de orientar e possibilitar ajustes nas práticas.
Das 27 redes participantes, 22 responderam à rubrica. Na análise geral dos resultados, foi possível identificar que, apesar das redes conhecerem a lei e terem intenção de institucionalizar diretrizes com foco em ERER, existe uma fragilidade generalizada na coleta das informações sobre composição racial dos estudantes e profissionais da educação, bem como na obtenção de dados de aprendizagem e de frequência com recorte racial - essenciais ao diálogo para a elaboração de políticas públicas.
Em Alagoas, 86% das redes que responderam à rubrica não possuem estrutura voltada para coleta e tratamento de dados com recorte racial, nem uma área especialmente dedicada à ERER. Em São Paulo, 66,5% das redes não possuem uma estrutura voltada para coleta e tratamento de dados com recorte racial, e 80% não indicou ter uma área especialmente voltada para a ERER. Segundo o relatório final, esse cenário prejudica a tomada de decisões e os planejamentos para o objetivo de equidade racial.
Além disso, em ambos os Estados, a maior parte das redes não possui orçamento ou investimentos e recursos específicos para ações relacionadas à ERER, nem orientam ou acompanham mudanças na prática pedagógica com esse foco, embora demonstrem compreender a relevância do tema da equidade racial.
“É importante que as redes promovam a Educação para as Relações Étnico-Raciais de maneira sistêmica, mediante ações conectadas, pois o racismo também age em todas as dimensões da política educacional. A educação é um espaço que tem, de forma consciente ou inconsciente, suas estruturas e práticas sustentadas por diretrizes racistas, que precisam ser apontadas, contestadas e suprimidas”, aponta Vidal Dias da Mota Júnior, diretor do Instituto Dacor.
“O racismo, constituinte da sociedade brasileira há séculos, fomentado pelo ódio e executado mediante violências variadas, exige um enfrentamento constante e amplo. Mas estudos recentes têm mostrado que, mesmo depois de 20 anos da promulgação da Lei 10.639, ela ainda não é devidamente implementada por mais de 70% das secretarias municipais de Educação em todo o Brasil. É urgente promover ações de formação das equipes gestoras das secretarias municipais de educação que deem maior embasamento e engajamento em políticas educacionais com essa dimensão de enfrentar a desigualdade no aprendizado, na qual, no caso brasileiro, a questão racial ainda é a que mais se destaca”, alerta ele.
Plano de ação para educação antirracista
Após receberem os resultados do instrumento, as redes foram estimuladas a apresentar uma proposta para um Plano Municipal de Educação Antirracista. Nele, deveriam discorrer sobre a importância dessa educação para promover a equidade e a justiça social no território, identificar práticas existentes que perpetuam a exclusão racial nas escolas e identificar dados sobre as desigualdades raciais no sistema municipal, incluindo desempenho, evasão, punições disciplinares, entre outros. Além disso, o plano precisaria estabelecer metas específicas relacionadas à redução das disparidades e à promoção da diversidade nas escolas, incluindo objetivos claros e mensuráveis para promover uma educação antirracista e uma descrição detalhada das estratégias e ações a serem implementadas para isso – desde a revisão dos currículos e a inclusão de medidas para capacitar professores, até a promoção da diversidade na própria equipe educacional.
O documento também deveria conter um cronograma com prazos para implementação de cada ação, identificação de recursos necessários, integração da educação antirracista nos processos de planejamento estratégico e orçamentário da secretaria municipal de Educação, com medidas para garantir a continuidade das práticas a longo prazo. Outros pontos necessários ao plano seriam o estabelecimento de estratégias para envolver famílias, líderes comunitários e organizações da sociedade civil no processo, com a criação de canais de comunicação e espaços de participação para garantir a voz das diferentes comunidades envolvidas, e a definição de indicadores de desempenho e mecanismos de monitoramento para acompanhar o progresso das ações, contando com avaliações periódicas para analisar o impacto das políticas implementadas.
Dos 27 municípios participantes do curso, 13 enviaram uma proposta de plano de ação e 55 cursistas receberam certificado de participação. “Nós percebemos que houve bastante empenho dos participantes, eles se debruçaram para entender suas realidades e concretizar algo que já precisam fazer. Mas tivemos muitos relatos de que não conseguiam encontrar dados com recorte racial, nem nos dados abertos nem na própria secretaria”, afirma Larissa Maciel, analista da Cátedra e responsável pela organização da formação. “Nós mesmos temos sentido desafios, pois a mudança na divulgação de dados nos últimos anos realmente dificulta a obtenção de informações. No entanto, observamos que os municípios começaram a entender a importância de considerar o desempenho nas avaliações com recorte racial. É fundamental que a educação antirracista não seja tratada como uma pauta adjacente, mas sim como uma prioridade central nas políticas educacionais. Essa mudança é possível e essencial.”
Segundo ela, agora a ideia é elaborar mecanismos para seguir apoiando os municípios a partir do plano de ação, para dar continuidade ao trabalho. Além do curso, a temática da equidade racial também passou a integrar a formação de liderança escolar realizada pela Cátedra para 49 municípios, e outras análises de dados. As ações possuem apoio da B3 Social.