Falta de sono está gerando uma sociedade estressada
Cada vez mais o sono tem ocupado um lugar secundário na vida das pessoas. A produtividade exigida pelas empresas, que leva os empregados a trabalharem mais, o tempo gasto no trânsito em grandes cidades, que leva as pessoas a acordarem mais cedo e dormirem mais tarde, a jornada dupla feminina e até mesmo alguns tipos de comércio abertos 24 horas por dia, que mudam a rotina de sono de quem trabalha e de quem frequenta esses locais, são algumas das razões pelas quais a população está dormindo menos. Foi o que mostrou a professora da Unifesp Monica Levy Andersen, em palestra realizada no dia 3 de julho no Instituto de Estudos Avançados (IEA) Polo São Carlos da USP.
Ela explicou que o sono está intimamente relacionado ao estresse. “Uma única noite mal dormida eleva siginificativamente os níveis de cortizol, hormônio ligado a esse problema. Isso leva a concluir que somos uma sociedade estressada”, diz.
Segundo Monica, ao nascer, todo ser humano dorme cerca de 16 horas por dia. Ao longo do crescimento, o tempo necessário para se sentir descansado muda. “Em média, a população dorme oito horas por dia, mas há pessoas que precisam de mais ou menos tempo”, diz ela. Também há os matutinos, que gostam de dormir e acordar cedo, e os vespertinos, que são mais ativos à noite.
O problema é quando começa a privação de sono, ou seja, por um período determinado a pessoa começa a dormir menos, como o caso de estudantes se preparando para o vestibular ou pós-graduandos finalizando a tese. “Quando essa privação passa a ser uma rotina, ela se transforma em restrição de sono. Quem se sente bem com oito horas de sono e passa a dormir apenas seis durante a semana, fica devendo 10 horas de sono para o cérebro. Ao final de um ano, isso pode representar 520 horas [cerca de 21 dias] a menos de sono. É como se tivéssemos uma dívida de 520 mil reais com o ‘Banco Cérebro’”, explica Monica.
Os efeitos vão desde os quilinhos a mais – quem não dorme bem, segundo a professora, come mais, tem predileção por comidas calóricas, sente menos saciedade e não tem o mesmo gasto calórico de uma pessoa com o sono em dia – até o déficit cognitivo, ou seja, o indivíduo se esquece mais facilmente do que aconteceu durante seu dia. “Os jovens são mais afetados pela restrição de sono. Por isso vemos alunos dormindo em sala de aula ou mesmo sem interesse pelo conteúdo. Já no caso de pessoas com 45, 50 anos, isso pode levar a problemas como diabetes e obesidade”, diz Monica.
Outro grave problema na sociedade causado pela falta de sono são erros de decisão e erros de omissão. “Acidentes de carro, erros médicos e até tragédias que marcaram a história têm relação com a restrição de sono. A explosão do ônibus espacial Challenger, em 1986, foi causada pela pressão imposta pela NASA à equipe responsável pelo lançamento, o que fez com que trabalhassem por 16 horas seguidas. O desastre ambiental causado pelo Exxon Valdez e o acidente da usina nuclear de Chernobyl aconteceram de madrugada, quando o organismo está menos alerta”, conta a professora.
Mas não é somente a rotina agitada que pode prejudicar a qualidade do sono. Problemas como insônia, ronco e apneia merecem uma atenção muito especial. Monica contou que pesquisas mostram que 32% da população da capital paulista sofrem de insônia e outros 32% de apneia do sono.
“Na apneia, o indivíduo para de respirar por alguns segundos. Com isso, o coração bate mais rápido, na tentativa de suprir a falta de oxigênio. Há uma espécie de microdespertar, que a pessoa não percebe, mas o cérebro dela sim, o que prejudica a qualidade do sono e o desempenho dela no dia seguinte. Quando essas paradas na respiração ultrapassam 30 por hora, o caso é grave. Já recebemos no Instituto do Sono [ligado à Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa, da qual Monica é pesquisadora] uma senhora com 1200 paradas”, explica.
A professora conta que geralmente uma boa higiene do sono muitas vezes pode resolver os casos de insônia. “Algumas mudanças de hábito, como dormir sempre no mesmo horário, tomar café à noite somente se não interferir no sono e evitar bebidas alcoólicas ajudam a regular o sono. Mas se isso não resolver, é preciso procurar um profissional”, recomenda ela.