Fenômeno da migração também tem relação com idosos
Quando se fala em migração, a primeira tendência é associá-la aos profissionais jovens, que geralmente partem de sua terra natal em busca de melhores condições de trabalho e de vida. Porém, esse fenômeno também produz impactos pouco analisados sobre um público específico: os idosos.
O tema foi debatido no seminário “Migração e envelhecimento populacional: desafios contemporâneos”, realizado em parceria com o Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP na última sexta-feira (24). Os debatedores destacaram três aspectos importantes da migração no contexto mundial atual: os efeitos do deslocamento de gerações jovens sobre os idosos, que acabam assumindo a criação dos netos em virtude disso e também se sentem solitários com a ausência dos filhos; a migração dos próprios idosos após a aposentadoria, em busca de qualidade de vida e de saúde; e a atração de migrantes, muitas vezes ilegais, para cuidar de idosos em casas de repouso ou nos próprios lares.
“No final do século XX, houve uma saída de 1,5 milhão de pessoas do Brasil. Isso teve impacto não somente na pirâmide etária, como também levou a um esvaziamento dos lares que cuidam de idosos. Já no início dos anos 2000, a estabilização da economia proporcionou o retorno de muitos brasileiros e a vinda de cidadãos de outros países, principalmente bolivianos. Com a crise econômica atual, está havendo uma reviravolta nos números, o que indica uma retomada da imigração de brasileiros”, explica o docente da UFSCar Igor José de Renó Machado.
Para ele, a migração internacional deve ser vista por dois lados. De uma perspectiva positiva, ela retira do território pessoas desempregadas ou subempregadas, que demandariam gastos com saúde, por exemplo, e gera uma remessa de dinheiro para o País. Segundo estimativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 2004, os emigrantes brasileiros enviaram 5,6 bilhões de dólares ao País, o que representava 1% do PIB. Em 2012, as remessas caíram para 2 bilhões e subiram novamente em 2015 para 2,5 bilhões, o que indica uma retomada do fluxo de trabalhadores para o exterior.
Mas a migração também tem impactos negativos, de acordo com Machado, já que retira do País uma população em idade produtiva, que é consumidora de produtos e serviços, e também envelhece a população. Ao mesmo tempo, perde-se mão de obra qualificada, pois quem sai muitas vezes tem formação acima da média.
Rearranjos familiares
Uma pesquisa realizada pelo docente da UFSCar com um grupo de Governador Valadares (MG), cidade conhecida por enviar muitos trabalhadores ao exterior, avaliou o impacto da migração nas famílias. “Há relatos de sensação de abandono por parte dos pais idosos que viram seus filhos emigrar, casos em que todos os filhos emigraram e acabaram cortando contato com os pais, filhos que voltaram de outro país para cuidar dos pais idosos porque eles não se adaptariam em outro país e casos de filhos que emigraram e deixaram os netos para serem criados pelos avós”, conta ele.
Neste último aspecto, Machado destaca que quando os avós são mais jovens, o rearranjo familiar funciona bem. Porém, quando já não têm tanta energia, eles são vistos como incapazes de educar os adolescentes, criando uma mitologia local de que esses netos seriam “indomáveis” e gerando discriminação na escola.
O sentimento de solidão relatado por muitos idosos acontece também quando os filhos que emigraram e conseguiram se estabilizar financeiramente em outro país decidem levar os netos para viver com eles. Machado relata, ainda, que há casos em que os netos se recusam a deixar os avós porque os reconhecem como seus verdadeiros pais.
Importância da família
A partir de 2010, a Europa passou a repensar suas políticas relacionadas à família e à integração em virtude do aumento da população idosa e da redução da população economicamente ativa. O pesquisador Carlos Barros, doutorando na Universidade de Lisboa, fez uma análise, durante o evento, desse contexto e da importância da família no contexto da migração.
“Quando se fala em migrações e família, é importante analisar uma espécie de conjunto de três roldanas: os determinantes para a migração, a família como sistema social efetivo de suporte para seus elementos e a solidariedade intergeracional como peça fundamental na relação entre famílias e migrações”, explica Barros.
A solidariedade intergeracional, de acordo com ele, existe quando diferentes gerações se estabelecem como uma rede de suporte. “Na prática, existe o conflito, que é um aspecto normal das relações intergeracionais entre familiares. Ele pode tanto afetar a vontade de ajudar quanto proporcionar a resolução de assuntos difíceis e aumentar a qualidade das relações. A solidariedade e o conflito não estão em lados opostos, são linhas que se cruzam e o conflito pode ser um ponto de encontro”.
Ele analisou as características dos migrantes de primeira e segunda geração, e ainda dos idosos que ficaram no país de origem. “Usualmente, os idosos são os elementos mais desprotegidos em virtude de políticas sociais inadequadas ou por precisarem de cuidados próximos. Mas nem sempre representam a figura receptora de suporte financeiro, muitas vezes são eles o alicerce fundamental no suporte financeiro. Os idosos também são uma espécie de âncora da família e um ponto de encontro familiar entre os migrantes de primeira e de segunda geração”, diz Barros.
Cuidado ao idoso incentiva migração
Machado destaca que as mulheres em idade produtiva são as que mais deixam o Brasil. Esse cenário pode estar sendo alimentado por um crescimento do mercado de cuidado ao idoso em outros países, o que tem atraído o público feminino. Porém, essa entrada de cuidadoras é feita de forma ilegal.
“O envelhecimento da população em países europeus produz uma migração voltada ao cuidado com os idosos. Há um sistema subterrâneo de cuidadores de idosos em geral muito maior que o sistema formal. Imigrantes mulheres são contratadas para exercer a função de cuidadoras, morando nas casas que as contratam, com salários muito mais baixos que os do mercado, exatamente por estarem em situação de não-documentação, potencializando as chances de exploração excessiva”, diz o professor.
Docente da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Cyntia Soares Carneiro também destaca a feminização da migração ligada ao contexto dos cuidados ao idoso. “Na Itália, por exemplo, 60% das casas de repouso, principalmente na região da Lombardia, têm trabalhadores de outros países, principalmente do leste europeu e América do Sul. Não se vê como perspectiva a substituição do trabalho do imigrante pelo trabalho do nacional. Sem ele, essas casas de repouso fechariam”.
Ela destaca que a precarização do trabalho está relacionada à própria lógica do sistema capitalista. “Um dos papéis do estado inserido no sistema capitalista é produzir ilegalidade. Ao mesmo tempo em que ele incentiva a circulação de mercadorias, dificulta a circulação de migrantes, pois isso precariza o trabalho e garante a acumulação do capital. Mas, na verdade, isso só beneficia os maus empresários, que não querem pagar tributos sobre o trabalhador. O imigrante ajuda a movimentar a economia tanto quanto o nacional e também contribui com impostos ao estado. Esses impostos são indiretos, estão embutidos nos produtos”.