Grupo de estudos analisará perspectivas para a filantropia no apoio à ciência no Brasil
A partir de agosto, o IEA conta com um projeto destinado a contribuir com a transformação na maneira como a ciência é financiada no país. A intenção é promover a colaboração entre os setores científico-acadêmico e filantrópico, além de incentivar uma maior participação da sociedade no apoio à ciência.
O trabalho está sendo desenvolvido pelo Grupo de Estudos de Modelos de Apoio à Ciência (Gema Filantropia, na forma abreviada), cuja criação foi aprovada pelo Conselho Deliberativo do Instituto em reunião no dia 28 de junho.
Durante três anos, o grupo investigará, de maneira interdisciplinar, os pontos de conexão entre ciência e filantropia no Brasil, desenvolvendo projetos interligados sobre o tema.
Segundo o coordenador do Gema Filantropia, Guilherme Ary Plonski, diretor do IEA e professor da Escola Politécnica (EP) e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, o grupo "já está em entendimentos com a Science Philanthropy Alliance, entidade de referência no setor, para aproveitar a experiência internacional no aporte da filantropia visionária para o avanço da ciência".
O gestor da iniciativa é Paulo Almeida, assessor da Diretoria do IEA, doutorando na FEA-USP e diretor executivo do Observatório de Políticas Científicas do Instituto Questão de Ciência. O grupo de trabalho inicial, em formação, será constituído por Plonski, Almeida e docentes de várias unidades da USP.
Visão
O projeto do Gema Filantropia foi formulado por iniciativa do professor Marcos Kisil, da Faculdade de Saúde Pública, que aporta a sua vasta experiência de gestor de instituições nacionais e internacionais no campo do investimento social privado e filantropia. A ideia-força é que "há uma crescente consciência global sobre a importância da filantropia na ciência e de que ela é capaz de apoiar a pesquisa em áreas negligenciadas por outras fontes de financiamento".
Filantropia na práticaCoerente com sua finalidade, o Gema Filantropia terá dois terços dos custos de suas atividades (pesquisa, produção de publicações, organização de eventos presenciais e online etc.) financiados, via doação à Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (Fusp), pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES), uma organização que atua em iniciativas sociais dedicadas à melhoria da qualidade de vida na infância. A entidade também se dedica a produzir e divulgar conhecimento científico sobre saúde infantil e à assistência médica infanto-juvenil. Além de executar projetos e iniciativas próprios, a fundação é a mantenedora do Hospital Infantil Sabará, do Instituto Pensi e da organização Autismo e Realidade. Ao comentar a importância da criação do projeto no IEA, o médico e filantropo José Luiz Egydio Setúbal, presidente da FJLES, destacou que "a pandemia nos mostrou o quanto a ciência brasileira é dependente de recursos públicos que podem estar à mercê de governantes descrentes da ciência para o desenvolvimento sustentável". Setúbal frisou que "a cultura filantrópica ainda não chegou a investir em ciência". Daí a importância do Gema Filantropia, que "tem entre suas prioridades investigar caminhos que poderiam aproximar cientistas a filantropos, universidades e centros de pesquisa aos que podem apoiá-los financeiramente". A implantação de uma verdadeira cultura filantrópica para a área pode "viabilizar fundos patrimoniais, infraestrutura, treinamento, patrocínio a projetos de pesquisa básicas - transnacionais ou de inovação - e obtenção de novos produtos para o bem-estar da humanidade", afirmou. |
A participação filantrópica pode "acelerar o desenvolvimento de inovações e permitir a realização de projetos de alto risco e alta recompensa, os quais não podem ser financiados pelos meios tradicionais", de acordo com a proposta de criação do grupo.
Outro benefício vislumbrado pelos pesquisadores é a capacidade da filantropia para promover a colaboração entre diferentes atores, incluindo pesquisadores, instituições acadêmicas, setor privado e governo.
A filantropia pode ter um papel crucial na promoção e sustentação da ciência, especialmente em países como o Brasil, que enfrenta restrições significativas de financiamento no setor de pesquisa e desenvolvimento, argumentam os integrantes do Gema Filantropia.
Natureza e dinâmica
No entanto, as interações entre a filantropia e a ciência no Brasil ainda são pouco estudadas e compreendidas, afirmam os autores da proposta. Para que esse quadro mude, enfatizam que primeiro é preciso compreender a natureza e a dinâmica da filantropia no contexto brasileiro para, depois, avaliar a possibilidade de ela desempenhar plenamente seu papel no apoio ao desenvolvimento da ciência.
Eles defendem a realização de uma análise aprofundada das motivações dos filantropos, das estruturas e processos de doação e do impacto da filantropia na ciência. Também é preciso discutir os desafios que ela encontra para promover a ciência no brasil e as oportunidades que propicia, argumentam.
O grupo pretende abordar essas questões a partir de várias perspectivas científicas e sem se restringir à filosofia praticada por ultrarricos, analisando também aquela de iniciativa da classe média e da parcela de baixa renda no Brasil.
O projeto trabalha com quatro enfoques analíticos:
- Filantropia na Ciência: investigar como a filantropia é estudada pela ciência no Brasil, de forma a constituir um corpo de conhecimentos que permita - com base na economia, sociologia, psicologia, antropologia, religião e outras áreas do saber - definir os preceitos de uma ciência da filantropia;
- Filantropia para a Ciência - investigar o que é a filantropia, como se desenvolveu, qual o seu contexto atual e como impacta a ciência;
- Arte da Filantropia - estudar e sistematizar modelos de motivação, captação, doação, formas de organização, gestão por programas e projetos, monitoramento e avaliação (insumos, processos, resultados e impactos);
- Modelo de Filantropia no Brasil - desenvolver uma taxonomia da filantropia dos ultrarricos, ricos, da classe média e das classes de baixa renda Brasil.
Etapas
Ao longo do desenvolvimento do projeto, as atividades serão divididas em três etapas: Planejamento, Implementação de Projetos e Avaliação de Impactos.
A etapa Planejamento compreenderá a primeira parte do primeiro ano (basicamente no segundo semestre de 2023). Algumas atividades dessa fase serão a definição do marco estratégico do projeto, o levantamento inicial de organizações, ações e mecanismos filantrópicas, a comparação dos marcos legais nacionais e internacionais e a análise das atuais plataformas de filantropia.
Em seguida terá início a etapa Implementação de Projetos, que deve se prolongar até o final de 2024. Essa fase englobará: a formação de grupos de trabalhos: a realização de eventos presenciais e virtuais: a produção de publicações, entre as quais, um white paper, artigos e relatórios setoriais; e ações de advocacy, como a produção de normas, audiências públicas e criação do Fórum de Beneficiários.
A Avaliação de Impacto ocorrerá ao longo de 2025 e no primeiro semestre de 2026. Nela serão analisados os efeitos e benefícios do programa e tendências da filantropia no Brasil. O Gema Filantropia será avaliado por uma combinação de métodos qualitativos e quantitativos. Os qualitativos permitirão entender os processos, percepções e experiências das partes envolvidas no projeto. Os quantitativos medirão a extensão e a escala de seus resultados e impactos.
Foto: pt.vecteezy.com