Complexidade simbólica e territorial das periferias é tema de pesquisa de novo grupo
O olhar de parte da população brasileira sobre as favelas e periferias urbanas costuma ser carregado de representações e estigmas que dificultam uma compreensão ampla da realidade social das populações que ali vivem. Visões distorcidas podem direcionar, de maneira imprecisa, as políticas públicas e os investimentos privados nestes espaços.
O nPeriferias, novo grupo de pesquisa do IEA, propõe pesquisar temas relacionados a estas regiões com o objetivo de produzir trabalhos que tenham impacto social e desenvolvam novas teorias e conhecimentos.
Idealizado pela ativista Eliana Sousa Silva após seu período como titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, o grupo terá coordenação tripla: além de Silva, serão também responsáveis a pesquisadora Gislene Aparecida dos Santos e o coordenador acadêmico da Cátedra, Martin Grossmann. O período de atuação previsto para o grupo é de 10 anos, contados a partir de 2020.
Segundo os coordenadores, o grupo terá uma dinâmica de atuação e produção de conhecimento singular, e por isso, necessária. “Hoje, por mais que haja projetos e estudos voltados a compreender essas questões e a dinâmica das cidades buscando eliminar os efeitos da exclusão e da vulnerabilidade, raras são as investigações que tomam como agentes propositores as pessoas oriundas das periferias”, explicam no projeto de pesquisa do nPeriferias, apresentado e aprovado pelo Conselho Deliberativo do IEA no dia 3 de dezembro.
Na visão do grupo, as pesquisas que tomam a periferia como objeto de estudos “não costumam ter o cuidado fundamental de envolver, em suas elaborações e desenvolvimento, os sujeitos periféricos”. Por isso, seu diferencial será investigar as periferias por meio das vozes destas pessoas, “constituindo-se como um espaço de formação de intelectuais, lideranças e pesquisadores oriundos da periferia”.
Periferia ampliada
O conceito de “periferia” adotado pelo grupo transcende a dimensão meramente geográfica de localização urbana. “Verdadeiras complexidades formadas por diversidades, pluralidades, singularidades, desigualdades e paradoxos”, segundo os coordenadores, as periferias também têm um entendimento simbólico, que inclui determinados grupos sociais, como mulheres, indígenas, negros, LGBTs+, imigrantes e refugiados. Mesmo que eventualmente localizados em espaços centrais da cidade, “são dimensionados como periféricos por processos múltiplos de exclusão e opressão”.
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Além de atentar-se às violências e estigmatizações sofridas por estes grupos, os integrantes do nPeriferias também pretendem analisar outros tipos de violência que ocorrem nas periferias, “em particular as que envolvem a atuação de grupos civis armados e a presença do Estado, através de polícias que atuam a partir de um paradigma que viola direitos básicos das populações das periferias”.
Entre os outros aspectos que o grupo pretende se debruçar, estão as relações desiguais entre homens e mulheres e alta incidência de violência contra as mulheres, assim como as dificuldades enfrentadas por idosos e pessoas com deficiências nestas regiões, considerando “sua condição de vulnerabilidade e exclusão do acesso aos bens, serviços e direitos”.
Objetivos
Os projetos de pesquisa serão organizados em torno de dois eixos temáticos. O primeiro, “Estruturas e Dinâmicas Sociais”, tem como meta identificar e investigar padrões ou regularidades em indicadores sociais, econômicos e de saúde. O segundo eixo, “Construção de conhecimentos periféricos, epistemologias e diversidades”, pretende discutir epistemologias ou a produção do conhecimento oriundos de sujeitos periféricos em sentido mais amplo.
As pesquisas abarcarão temáticas diversas, com 11 principais guiando os trabalhos: artes e culturas; direito, justiça social e acesso à justiça; direitos humanos e diversidades; educação e trabalho; gênero e sexualidade; pobreza e desigualdade; políticas públicas; raça e etnias; saúde e meio ambiente; segurança pública e violências; e tecnologia e inovações tecnológicas e sociais.Além desses temas, o próprio conceito de periferia será debatido, sendo avaliadas tanto as questões empíricas associadas à territorialidade, quanto os seus aspectos simbólicos.
A base ampla de possibilidades de pesquisa renderá, segundo os coordenadores, uma produção de conhecimento sobre os movimentos sociais e coletivos destes espaços e também das legislações e políticas públicas, com o intuito de criar instrumentos de monitoramento e avaliação. Outro objetivo é desenvolver cartografias que permitam a compreensão adequada do espaço físico das periferias.
No âmbito da USP, o grupo espera introduzir o tema nas atividades de pesquisa, ensino e extensão, com o propósito de que, no futuro, a produção de conhecimentos seja capaz de alicerçar ações de governança da Universidade em relação às comunidades em seu entorno e, também, para que a Universidade se torne uma fonte de dados e indicadores sobre o tema.
Integrantes
- Alessandro de Oliveira dos Santos
- Camilo Rodrigues Neto
- Dora Mariela Salcedo Barrientos
- Dennis de Oliveira
- Eliana Sousa Silva
- Emerson da Cruz Inácio
- Érica Peçanha do Nascimento
- Fernando Fagundes Ferreira
- Gislene A. dos Santos
- Margareth Capurro
- Marta Arretche
- Martin Grossmann
- Oswaldo Santos Baquero
- Ricardo Alexino Ferreira
- Rosangela Malachias
- Rosenilton Silva de Oliveira
Pesquisadoras convidadas
- Luisa Schwartzman
- Patricia Perkins
- Silvia Maeso
- Teresa Caldeira
Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP