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Aledo Tur: 'Impactos socioambientais da modernidade exigem novo paradigma'

por Mauro Bellesa - publicado 19/10/2015 11:10 - última modificação 19/10/2015 11:08

Na conferência "O Paradigma da Modernidade e seus Impactos Socioambientais", o sociólogo espanhol defendeu a busca de um novo paradigma para a sociedade, em substituição ao da modernidade, que acarreta muitas vulnerabilidades ambientais, no seu entender.

"Se existe essa crise ambiental ameaçando nosso estilo de vida, uma crise estrutural que questiona a própria base da modernidade, por que continuamos com esse modelo e não iniciamos uma mudança em direção a uma forma distinta de relacionamento com a natureza e com os seres humanos?" Essa é a pergunta fundamental, segundo o sociólogo Antonio Aledo Tur, da Universidade de Alicante, Espanha, que fez a conferência O Paradigma da Modernidade e seus Impactos Socioambientais, no dia 23 de setembro.

Organizado pelo Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA, o evento teve como moderador Pedro Jacobi, coordenador do grupo e integrante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (Procam) da USP.

Antonio Aledo Tur
O sociólogo Antonio Aledo Tur

Tur disse uma das narrativas para tentar compreender a contradição presente nessa questão e "é a análise do paradigma moderno e de suas contradições".

Para exemplificar o vínculo entre o modelo de vida atual e a degradação ambiental, Tur apresentou mapas onde coincidem as áreas da Espanha com maior uso de cartões de crédito e aquelas em processo de desertificação.

"Isso é terrível, porque estamos gerando um modelo insustentável, pois a desertificação significa uma perda da produtividade do solo e o solo é tão básico como a água para o sustento da vida que alimenta o sistema social."

Para Tur, a forma de ver o mundo da modernidade é a de uma relação insustentável com a natureza e com os seres humanos e esse paradigma tem características que condicionam o modelo insustentável. Para explicá-lo ele utiliza as três dimensões do poder estabelecidas pelo sociólogo americano Steve Lukes:

  • a dimensão coercitiva, na qual "o poder é fazer o que se quer e onde há uma resistência do outro" .
  • a dimensão discursiva, "no qual o poder estabelece do que podemos falar e do que não podemos falar; no Brasil, podemos falar de crescimento, mas é mais difícil falar de desigualdade; na Espanha acontece o mesmo, não se pode falar de reforma fiscal, de desigualdade, de vulnerabilidade".
  • a dimensão radical, "à qual acrescentei o termo paradigmático, pois o poder não só condiciona como nos comportamos e nosso discurso, mas também nossa forma de ver a realidade, condicionada pelas lentes da modernidade (totalizante e hegemônica)".

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No entanto, ele ressalta que essa visão pode se dar também por lentes alternativas e críticas: "Estamos nessa luta cultural entre o hegemônico e a proposta de outro paradigma, o simbolizado pelo lema 'um outro mundo é possível', que nasceu no Brasil, no Fórum Social".

Tur disse que o risco é a combinação da ameaça com a vulnerabilidade e pode ser reduzido pela capacidade das populações locais em enfrentar a ameaça. Segundo ele, a vulnerabilidade não é inata aos grupos, mas resultado de um processo social.

O sociólogo elencou oito características da modernidade que geram vulnerabilidade, segundo trabalho de um grupo de especialistas espanhóis em sociologia ambiental do Centro de Investigación para la Paz:

  • desencanto – a racionalização e intelectualização da análise da vida social leva o indivíduo e o grupo a excluir uma parte do ser humano e do social que são as emoções, os sentimentos, os afetos e as paixões (“a crise espanhola deve-se à especulação e não se pode falar disso sem falar de ambição desmedida pelo acúmulo de riquezas”)
  • fragmentação – perda da unidade; no caso da vulnerabilidade a desastres, "essa fragmentação nos leva a separar causas naturais de causas sociais, como se bastassem soluções tecnológicas aos desastres naturais";
  • quantificação - a fragmentação é feita para quantificar e "medir é colocar um valor nas coisas no mercado, uma característica do pensamento moderno relacionada com o desenvolvimento do capitalismo".
  • instrumentalização - uma posição ética, supostamente neutra, que prioriza o "como"' e o "para quê" em detrimento do "porquê": "Um caso em destaque na Europa é a ideia de se acabar com os polinizadores da laranja, porque o mercado determina um tipo de laranja que se consegue por fertilização artificial; e acabar com esses polinizadores da laranja é acabar com um ecossistema";
  • controle – a ciência e a tecnologia são entendidas como um exercício de controle da natureza, para gerar segurança, "mas essa é uma epopeia que sempre será falida, como no caso da represa de Assuan, construída no Egito nos anos 60 e que representava a modernidade para os países árabes, mas cujo resultado foi um total desastre econômico, energético e ambiental".
  • universalidade – homogeneização, expansão de um modelo de desenvolvimento, de um determinado estilo de vida, reduzindo as diferenças das culturas locais; "isso leva a impor soluções universais a problemas que são locais, aumentando a vulnerabilidade";
  • intervenção – "o intervencionismo dos países ocidentais desde a época dos descobrimentos, com o afã de modificar o resto do mundo  e assim satisfazer as necessidades das metrópoles e de suas elites, converteu-se, a partir de meados do século 20, em propostas de desenvolvimento com uma forma determinada de democracia, de ciência e de mercado";
  • individualismo – "uma perversão do projeto humanista emancipatório, que desapareceu; o individualismo converte-se em algo claramente egoísta, o cidadão torna-se consumidor e a liberdade passa a ser liberdade de mercado; outra forma de .entender o individualismo é a responsabilização individual do risco: o culpado pelo lixo somos nós, porque não reciclamos, e se um filho é obeso, a culpa é dos pais, porque não cuidam da alimentação familiar".

Diante desse quadro, Tur enfatiza a necessidade imperiosa da busca de um novo paradigma. "A ciência ocidental tem uma característica que outras formas de conhecimento não possuem: a capacidade crítica, elemento que nos permite elaborar um novo paradigma."

Ele ressalta que "devemos criticar a ciência ocidental porque ela e os cientistas também estão por trás da mercantilização do conhecimento, inclusive por trás dos problemas das universidades latino-americanas e europeias, uma vez que aceitamos não gerar cidadãos livres, mas profissionais altamente preparados para o mercado".

Foto: Leonor Calazanas/IEA-USP