Seminário sobre futuro do jornalismo inaugura Cátedra Oscar Sala
"A tecnologia publicitária construiu uma enorme infraestrutura técnica. A tecnologia e as motivações da publicidade sustentam a economia da Internet. Os sites de notícias não são exceção. A informação que procuramos sobre o nosso mundo é sustentada e moldada pela publicidade e pelas suas necessidades. Os jornalistas precisam saber mais sobre estas tecnologias, como funcionam e como influenciam a prática, a distribuição e a percepção do jornalismo."
Essa advertência consta do sumário executivo do "Guide to Advertising Technology" (Guia de Tecnologia Publicitária), relatório produzido por Elizabeth Anne Watkins no Tow Center de Jornalismo Digital da Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia, EUA, e publicado pela Columbia Journalism Review em dezembro de 2018.
O jornalista Rodrigo Lara Mesquita endossa os argumentos do guia do Tow Center. Ele visualiza a infraestrutura técnica da internet como uma miríade de redes que de uma forma ou de outra se interconectam privilegiando a emoção para realizar vendas. "O objetivo é identificar comunidades de interesse material e não comunidades de interesse cívico e institucional", afirma. Para atingir esse fim, "as big techs procuram ser mais precisas no direcionamento de informações para fazer vendas, o que possibilita mapear grupos de interesses a serem vendidos para o mercado; ou seja, o produto das big techs somos nós", acrescenta.
Mesquita analisará as consequências dessa estrutura técnico-mercadológica no seminário online Imprensa, Tecnologia e o Futuro do Jornalismo, no dia 9 de outubro, às 9h30, atividade inaugural da Cátedra Oscar Sala, iniciativa conjunta do IEA e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br.), no âmbito de convênio firmado entre a USP e o Comitê Gestor da Internet (CGI.br). O evento tem apoio do jornal "O Estado de S.Paulo" e terá transmissão ao vivo aberta ao público (mediante inscrição prévia).
Mesquita foi editor-chefe do “Jornal da Tarde” e dirigiu a Agência Estado, ambos do Grupo Estado, do qual é acionista. É considerado um dos principais inovadores da imprensa brasileira contemporânea no uso das tecnologias digitais para a prática do jornalismo.
Em sua exposição “Uma Bandeira contra a Barbárie: O Nosso Desafio” apresentará um balanço das transformações que vivenciou ativamente no jornalismo e nas empresas jornalísticas com o advento das mídias digitais e falará sobre sua visão de futuro para as redações. [Leia o texto de referência da exposição.]
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O especialista em publicação digital e tecnologia de aprendizagem Walter Bender, ex-diretor executivo do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), EUA, será convidado especial do seminário, que terá como debatedores: Demi Getschko, engenheiro, integrante do CGI.br desde sua criação em 1995 e diretor-presidente do NIC.br; a professora e escritora Bianca Santana, membro da Uneafro e do Instituto Peregum; o jornalista Caio Túlio Costa, primeiro diretor do portal Universo Online (UOL) e atualmente trabalhando no Torabit; e a jornalista Ana Estela de Sousa Pinto, integrante da equipe de repórteres especiais da Secretaria de Redação da "Folha de S.Paulo". A moderação será do jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva, da Fapesp e do Insper.
Paralisia
Para Mesquita, “a imprensa cruzou os braços em 1995, quando a web nascia". Com o tempo, "os gigantes da tecnologia conquistaram o mercado e o domínio do centro de uma infraestrutura construída pelos cientistas da década de Woodstock", que tinham como objetivo fazer com que "ninguém tivesse o controle da infraestrutura que nascia, crescer pelas pontas e empoderar a célula: o indivíduo".
O que determina a formação da opinião pública no novo ecossistema midiático são os fluxos de informações e as narrativas que carregam, responsáveis pelos fluxos de atenção, diz o expositor. São as redes sociais, autônomas ou estimuladas, "que precisam ser cobertas jornalisticamente com os algoritmos, todos os recursos técnicos que a rede permite e o melhor dos jornalistas e dos processos jornalísticos".
"Só assim, cobrindo os fluxos digitais de informação e conversação, o jornalismo e os jornalistas terão condições de cumprir sua missão ampla e profundamente e - por isso e com os serviços gerados - chegar a novos modelos de negócios autossustentáveis."
Revoluções
A cultura se forma todos os dias em tempo real nos fluxos de informações digitais e as novas gerações já vivem em outro ambiente cognitivo, afirma Mesquita. "É a revolução da era digital. Sem essa consciência e uma utopia a perseguir, não será construído o lugar da imprensa no futuro."
Para ele, há duas revoluções simultâneas: a primeira atinge as comunicações interpessoais; a segunda é de epistemologia e aprendizado, que "vem convulsionando todas as antigas arquiteturas cognitivas". A ignorância dessas duas revoluções pelos empresários da indústria jornalística, num primeiro plano, e pelos jornalistas, quase por consequência, teve "enorme responsabilidade na dimensão da crise que se abateu sobre o setor desde 1995, quando a web emergiu".
Novos atores
"Enquanto a maioria da indústria, sentada nos já fragilizados oligopólios locais, se recusava a estudar as possibilidades das redes digitais nascentes, empresas como o Google – hoje Alphabet – começavam a refletir sobre como fariam dinheiro com a rede. Claro: realizar vendas era o primeiro objetivo."
Ao passo que o "'New York Times' jogava dinheiro fora comprando por 1,2 bilhão de dólares o 'Boston Globe'", as corporações entrantes desenvolviam novas redes com algoritmos construídos com base na emoção, "pois vendas em qualquer ecossistema midiático dependem dela, não há espaço para a razão".
Dessa forma, o alcance do verbo "vender" foi alçado a patamares inéditos e essas corporações conquistaram o domínio da lógica dos ambientes onde também ocorrem os debates cívicos e todo tipo de elucubração, afirma o jornalista.
"Nenhuma empresa jornalística se dispôs a refletir um minuto sobre a possibilidade de provocar, fomentar e mediar processos de formação de redes em torno das questões básicas da sociedade: educação, saúde, infraestrutura, segurança, saneamento, ciência e tecnologia, com suas subdivisões, interações e articulações com os problemas sociais, políticos e econômicos que nos afligem."
O caminho teria sido fazer a cobertura dessas questões em "páginas temáticas tecnologicamente dinâmicas, editadas - especificadas - e analisadas por jornalistas, preparadas para buscar patrocínio e outras formas de remuneração e não disputar cliques por cada mil acessos com os impérios tecnológicos", avalia.
Mesquita ressalta que o guia do Tow Center “demonstrou que quem manda na internet são as tecnologias publicitárias”. Com isso, "o debate cívico em todos os ambientes das plataformas sociais e nas redes sociais que nelas se formam é regido pela lógica das vendas.”
Segundo ele, essa é a principal explicação, mas não a única, para o processo contínuo da desinformação, “muito bem descrito no documento Information disorder: toward an interdisciplinary framework for research and policy making, da Comissão Europeia, que está servindo de base para o início da regulamentação da ação dos gigantes da tecnologia”.
Despertar parcial
Para ele, a imprensa somente acordou em 2008, no início da crise econômica, mas já havia perdido o mercado de pequenos anúncios e começara a ficar sem os grandes anunciantes. Mas esse despertar foi "só para as possibilidades de distribuição de informação na forma de broadcast, num ecossistema midiático em rede".
Ele considera, no entanto, que a imprensa continuou ignorando o fato de que no novo ecossistema em rede ninguém tem o domínio do público e todos são publishers, isso porque “não adquiriu nesses anos todos cultura para tanto”.
O desafio da imprensa e dos jornalistas na conformação atual do mundo “é trabalhar de forma organizada e coletiva em torno de uma certa ideia do que é a sociedade - privilegiando o local - e suas possibilidades futuras. É preciso se abrir ao público, é preciso ouvi-lo antes de formular mensagens destinadas ao monólogo”.
Segundo ele, “é preciso refletir sobre o futuro com a perspectiva de contribuir para ampliação, aceleramento e foco do caminhar da imprensa”.
A formação da opinião pública será cada vez mais autônoma, fragmentada e complexa, afirma Mesquita. “O desafio é ocupar os espaços dos fluxos de informação civilizatórios para enfrentar os da barbárie, hoje mais organizados do que a imprensa nas plataformas e nas redes sociais, e disputar espaço de forma contundente, tendo a razão como premissa para conquistar os fluxos de atenção da opinião púbica.”
Para ele, a alternativa ao papel civilizatório da imprensa “é jogar a toalha e brincar de influenciador, de lobo solitário, explorando a ignorância do público e contribuindo para que a balbúrdia do novo ecossistema de comunicação da sociedade seja um fenômeno permanente e dominante, com as forças da barbárie comandando o processo”.
9 de outubro, 9h30
Evento online ao vivo - Requer inscrição prévia
Mais informações com Cláudia Regina Pereira, clauregi@usp.br
Página do evento