Cátedra Olavo Setubal lança coleção de livros e anuncia Conceição Evaristo como nova titular
Participantes do lançamento |
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TITULARES E PARANINFOS | ||
USP E IEA | ||
ITAÚ CULTURAL E FAMÍLIA SETUBAL | ||
A produção dos cinco primeiros anos da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria entre o IEA e o Itaú Cultural inaugurada em 2016, teve seu momento de celebração no dia 6 de maio, no evento de lançamento da coleção de livros que a engloba.
Foi uma oportunidade de rever e ouvir os titulares do período sobre as atividades realizadas e de ter contato com os do novo ciclo, iniciado em 2020. O encontro contou ainda com dirigentes da USP, IEA e Itaú Cultural, além de Maria Alice Setubal, que representou a família do patrono da cátedra.
O tema geral do lançamento, "Como a Cátedra Olavo Setubal representa a contemporaneidade da arte, da cultura e da ciência no Brasil", foi discutido em relação a diversos aspectos do país, como o conturbado panorama político, a desigualdade, a falta de diversidade, a necessidade de inclusão e as carências educacionais.
Durante o evento, foi anunciado que a escritora e educadora Conceição Evaristo será a nova titular da cátedra. Participante do evento, ela afirmou que pretende dar ênfase à questão da diversidade nas atividades sob sua coordenação. [Leia mais]
A vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda disse ser significativo o lançamento da coleção de livros da cátedra diante do “momento particular vivido pelo país, com tantas dificuldades para a cultura, a ciência e as artes”.
Em resposta à questão proposta como tema do evento, afirmou que “não há dúvida que a cátedra é uma referência incontestável no que diz respeito aos debates e tendências sobre arte, cultura e ciência”.
Para Maria Alice Setubal, os livros do primeiro quinquenio da cátedra possibilitarão que o conteúdo das atividades chegue a um número maior de pessoas, “levando a universidade para mais perto das pessoas, ressaltando a importância da ciência e do conhecimento, tão atacados no momento”.
A cátedra “reflete muito” como era o perfil de seu pai, disse. “Ele tinha grande capacidade para abrir o diálogo e defendia que era preciso entender melhor o Brasil e suas diferentes linhas políticas”. Para ela, a cátedra acaba refletindo “a diversidade de pessoas, lugares e pensamentos do país”.
Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, enfatizou esse aspecto. Comentou que a cátedra demonstra a força da diversidade cultural brasileira, “um papel adicional nesses tempos tão difíceis”. Além disso, acrescentou que ela deu início a um movimento, a ponto de gerar outras cátedras, como a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica, parceria entre o IEA e o Itaú Social.
Martin Grossmann, coordenador acadêmico da cátedra, lembrou que as publicações produzidas até agora também incluem os dois "Cadernos de Pesquisa", escritos durante a titularidade (2020/2021) do antropólogo cultural argentino Néstor García Canclini, em parceria dele com os pós-doutorandos Sharine Melo e Juan Brizuela.
Outras duas publicações serão lançadas ainda este ano, segundo Grossmann. Uma delas ficará pronta nos próximos meses e trará os resultados e análises do censo realizado nas comunidades vizinhas à USP na cidade de São Paulo (Jardim São Remo e Ocupação Sem Teto, no Butantã, e Vila Clô, Jardim Keralux e Vila Guaraciaba, em Ermelino Matarazzo), um dos projetos coordenados pela educadora e ativista sociocultural Eliana Sousa Silva durante sua titularidade (2018). A outra, a ser concluída até o final do ano, será um livro com as conclusões da pesquisa feita por Canclini.
Catedráticos
A socióloga Barbara Freitag representou no evento seu marido, o diplomata, cientista político e filósofo Sérgio Paulo Rouanet, primeiro titular da cátedra (em 2016). Ela destacou que uma característica especial da cátedra é não haver nela algo que “caracteriza as universidades”: a concorrência.
Esse fato foi tão marcante para Rouanet, disse, que ele, ela e os filhos resolveram criar o Instituto Cultural Rouanet, em Tiradentes, MG. “Será um centro cultural para visitas, debates e divulgação. Com a casa do século 18, também estamos doando nossa biblioteca ao governo mineiro. Vamos aproveitar a experiência da cátedra para trabalhar nesse plano de camaradagem, divulgação da leitura e debate democrático, sem concorrência.”
Conceição Evaristo,
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Uma iniciativa similar foi anunciada pelo segundo titular da cátedra (2017), o arquiteto, design gráfico e gestor cultural Ricardo Ohtake. Ele informou que os familiares da artista visual Tomie Ohtake, sua mãe, pretendem abrir no próximo ano um pequeno centro cultural na casa em que ela viveu nos últimos 45 anos de sua vida.
A ideia é que o espaço lembre o trabalho de Tomie, de seu outro filho, o arquiteto Ruy Ohtake (1938-2021), autor do projeto, e as atividade dos filhos de Ruy em arquitetura, dança e teatro. “Haverá uma biblioteca, um espaço para exposições de pequeno porte e outro para debates e conferências.”
A preocupação de seu trabalho na cátedra, afirmou, foi resgatar a história de instituições marcantes para o panorama artístico das cidades de São Paulo e a carreira de alguns dirigentes culturais representativos. “Tratei também de atividades artísticas que deram novos rumos culturais ao país”, acrescentou.
“Para mim, foi uma coisa extremamente interessante. Quando assumi, o reitor [Marco Antonio Zago, no período] disse que a partir de então eu seria catedrático por toda a vida, eu que não fui nem instrutor de ensino [segundo ele, suas duas solicitações para o cargo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP durante a ditadura militar foram recusadas por motivos políticos].”
A série de seminários organizados por Ohtake também constituiu um curso para gestores culturais, tendo como alunos profissionais e estudantes de várias instituições, entre os quais alunos da PUC-SP e profissionais do Itaú Cultural.
Ohtake afirmou que não foi possível incluir a arte e a cultura das populações periféricas na sua titularidade (“algo em que temos de avançar”), algo essencial no trabalho de sua sucessora, Eliana Souza e Silva.
Atuar na cátedra foi uma experiência desafiadora, de acordo com Eliana. “A USP já tem relações com as comunidades, pesquisas sobre ela e professores muito comprometidos com a questão. Minha tarefa foi pensar isso de modo que fizesse sentido para mim. Muitas vezes as ações ficam distante de acontecer. Vivenciei isso na universidade como moradora da Maré [complexo de favelas onde ela cresceu e onde fundou e dirige a Associação Redes de Desenvolvimento da Maré], o que me levou a pensar no compromisso social da universidade.”
Eliana disse que procurou aproveitar seu tempo na cátedra para apresentar dados sobre as comunidades e estabelecer conexões para que a USP se mantenha aberta a elas. Nesse trabalho, disse ter encontrado alunos de graduação da periferia que não encontram espaço para falar de seu território e de suas vivências. “Também encontrei professores e funcionários para dialogar com moradores, lideranças e instituições comunitárias.”
Além do censo, Eliana frisou a importância do ciclo Centralidades Periféricas, com a participação de artistas e ativistas culturais das periferias de várias cidades brasileiras e a criação da plataforma Conexões USP-Periferias, uma base de dados de trabalhos produzidos nas USP sobre comunidades periféricas (não só geograficamente).
Para ela, o aspecto fundamental é que a cátedra seja “um lugar de vida, que pulse, afirme a diversidade, democracia e valores, e que traga mais negros e indígenas para a universidade”.
O terceiro ano da cátedra foi marcado por arranjo singular. Dois catedráticos trataram das relações entre arte e ciência: o crítico, historiador e curador de arte Paulo Herkenhoff e a biomédica Helena Nader, da Unifesp e atual presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Herkenhoff destacou em sua fala o posicionamento dele e de Helena durante a titularidade: “Desde o primeiro momento não deixamos de fazer uma crítica ao obscurantismo que se instalou no país. Não houve uma sessão em que não se apontasse algum tipo do mal. O mal existe e lamentavelmente o mal dirige o brasil. A questão é o que podemos fazer sobre isso”.
Para Helena, a cátedra deve continuar ad eternum, “pois o mal feito à ciência e à cultura não vai ser solucionado nos próximos quatro ou 20 anos”. Ela comentou que o país está no quinto ministro da educação desde o início do atual governo e indagou: “Isso é uma nação?”
Acrescentou que um país que degrada o ambiente e perde competitividade também não é uma nação. Questionou ainda o veto integral ao projeto de nova Lei Aldir Blanc e as agressões ao povo ianomâmi. Para ela, a cátedra terá um papel muito grande no resgate da civilização brasileira. “Somos fortes e resilientes e vamos ressurgir das trevas.”
Herkenhoff e Helena tiveram o privilégio de comentários dos seus paraninfos na cátedra, respectivamente, o economista e gestor cultural Luz Chrysostomo de Oliveira Filho e a fisiologista Regina Pekelmann Markus, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e ex-conselheira do IEA.
Para Oliveira Filho, a cátedra é "a colocação de uma pedra que não sai mais do lugar, um totem de defesa da liberdade de expressão". Ao examinar os objetivos da cátedra e o material produzido, "a impressão é de um renascimento que vai além do ressurgimento indissociável das questões da arte, da cultura e da ciência", disse. “É também o ressurgimento da possibilidade de tocar em questões como a desigualdade e todas as vicissitudes sociais e políticas do Brasil.”
Luciana Modé, gerente do Observatório Itaú Cultural, afirmou que a cátedra, com sua pluralidade de perspectivas, propõe uma reflexão crítica sobre o contemporâneo, apontando para novos paradigmas políticos, econômicos, éticos e estéticos.
Falando sobre a escolha de Conceição Evaristo como nova titular, Luciana frisou que a escritora, com sua “escrivivência, a escrita que nasce do cotidiano”, traz a proposta de uma nova alfabetização simbólica. “Espero que com sua arte e provocação, sua escrita de memórias, dores, alegrias e gritos de uma multidão de pessoas, sobretudo mulheres que são insistentemente caladas, nos ajude a reforçar a base da convivência, principal contribuição que a cultura pode dar às condições de diversidade, para alterar crenças compartilhadas de viés machista, xenófobo e racista.” Para ela, a cátedra incita a pensar a cultura como a economia política do imaginário.
Diversidade
Em sua primeira participação na cátedra, ainda como titular a tomar posse, Conceição disse esperar fundir o que possui como escritora e pessoa com o próprio objetivo da cátedra. “Ao me convidar, a cátedra reafirma seu desejo de trabalhar com a diversidade, na medida em que sou representante de agentes dessa diversidade, que precisam ter mais representantes nos lugares de produção de conhecimento, pois sabemos que esses lugares são locais de poder.”
Ela destacou que, na prática, a cátedra já tem se dedicado a esse objetivo, diante do que soube sobre a participação de Eliana Sousa Silva, a perspectiva que já se deslumbrava na titularidade de Ricardo Ohtake e a presença de indígenas e negros e suas culturas nos seminários organizados por Paulo Herkenhoff e Helana Nader. Ao trazer outras centralidades, "Eliana deu um passo para a construção dessa diversidade dentro da cátedra, e eu chego para acrescentar mais dados a essa tradição.”
“Mais do que nunca as comunidades periféricas sofrem a pressão do silenciamento. A cátedra tem o compromisso muito grande de não ser cumplice dos espaços de silenciamento”, afirmou. Para ela, os espaços acadêmicos são espaços de silenciamento e exclusão, "apesar de a presença de excluídos entre docentes e discente estar se concretizando com mais ênfase nos últimos anos".
“Como mulher negra oriunda das classes populares, tenho uma responsabilidade muito grande. Minha proposta de trabalho não será um caminho apartado das preocupações de Eliana, que investiga as periferias. Minha intenção é buscar a linguagem da periferia, dos autores de outras gamas de conhecimento, que envolvem outras articulações.”
Para ela, hoje reivindica-se muito o lugar de falar, mas sabe-se que essas falas podem ser escutadas ou não. “Há uma diferença muito grande quando uma cátedra emite uma narrativa e quando ela é emitida na periferia, inclusive quanto à valorização do conteúdo, diferença muitas vezes perpassada pela imagem de quem emite a narrativa.”
Ela afirmou que os usos da linguagem, a construção acadêmica da narrativa, o uso da linguagem culta, o lugar social e de gênero têm influência muito grande para a narrativa seja validade ou não. Por tudo isso, considera essencial que a cátedra estude a multiplicidade de linguagens.
Sua proposta é formular um programa de trabalho na cátedra que possa influenciar a produção de novas formas de pensamento, inclusive sobre o que é o discurso literário e uma nova agência para ele. Outra preocupação de sua titularidade está relacionada com a formação de professores e alunos de graduação e pós-graduação dedicados a estudos da língua portuguesa e da literatura brasileira.
Coleção
O Livro 1, "De Kant a Machado de Assis: Reflexões sobre a Modernidade no Brasil", traz o conteúdo dos cinco encontros coordenados pelo sociólogo e filósofo Sérgio Paulo Rouanet entre maio de 2016 e março de 2017, dos quais participaram 31 conferencistas e expositores, além do catedrático. Os encontros discutiram questões os temas: a modernidade e sua influência nas esferas econômica, política e cultural; estética; arte e universidade; o fazer artístico na contemporaneidade; a ciência e suas fronteiras; as relações entre cinema e psicanálise; Machado de Assis e sua contribuição para a literatura universal.
Os 17 encontros coordenados em 2017 pelo gestor cultural e design gráfico Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake, são retomados no Livro 2, "Arte, Cultura e Institucionalidade". As atividades englobaram 23 dirigentes culturais, intelectuais, artistas e curadores para falar sobre os processos de constituição, manutenção e perenização de iniciativas culturais no Brasil. Elas trazem um panorama crítico, atual e histórico da formação da estrutura cultural na cidade de São Paulo, sob o ponto de vista da gestão cultural. O tripé temático dos encontros foi: dirigentes culturais, instituições e exposições.O Livro 3, "Centralidades Periféricas: Diálogos sobre Arte e Cultura no Brasil", traz os resultados da série de diálogos realizados entre junho de 2018 e março de 2019, sob a coordenação da titular da cátedra à época, a educadora e ativista sociocultural Eliana Sousa Silva, fundadora e diretora das Redes das Marés. Os debatedores dos encontros foram 21 artistas que se relacionam de forma profunda com as periferias e seis pesquisadores e acadêmicos que têm a periferia ou os sujeitos periféricos como objeto de estudo. Os encontros tiveram por base seis diferentes linguagens artísticas: literatura, artes visuais, teatro, audiovisual, dança e música.
"Relações do Conhecimento entre Arte e Ciência: Gênero, Neocolonialismo e Espaço Sideral" é o título do Livro 4, constituído de dois volumes (v. 1 - v. 2) com as apresentações dos 19 encontros realizados de agosto de 2019 a dezembro de 2020. A série foi coordenada pelos dois titulares da cátedra no período: o curador e crítico de arte Paulo Herkenhoff e a biomédica Helena Nader, da Unifesp. Os eventos reuniram mais de 80 convidados, entre pesquisadores e cientistas das mais variadas áreas de conhecimento, artistas, ativistas, pensadores, lideranças religiosas e indígenas de diferentes etnias.
Fotos: aa tabela, Leonor Calasans/IEA-USP; no perfil de Conceição Evaristo, Aline Macedo/Divulgação