Livro apresenta um panorama dos estudos arqueológicos sobre o Oriente Médio antigo
A arqueologia do Oriente Médio ainda carece de muitos esforços e divulgação no Brasil, onde ainda se conhece pouco sobre a região e todas as conexões, heranças e materialidades com as quais o país se relaciona, segundo os organizadores do livro "Arqueologia do Oriente Antigo: A Materialidade através do Tempo", lançado este mês pelo IEA no Portal de Livros Abertos da USP.
Os organizadores são: Vagner Carvalheiro Porto, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e participante do Programa Ano Sabático do IEA em 2022, quando realizou estudos e trabalhos ligados à organização da obra, e Marcio Teixeira-Bastos, pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
O livro relaciona-se tanto com o espaço, tempo, ambientes e regiões quanto com as materialidades encontradas no Oriente Médio, afirmam. Nesse sentido, o conjunto de ensaios tem a intenção de "iluminar o breu que ainda paira sobre a arqueologia do Oriente Médio praticada em nosso contexto", apresentando "uma pequena amostra da materialidade humana, das culturas e das sociedades dessa fascinante e única região global".
São 21 artigos divididos em seções dedicadas a oito países: Turquia, Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Chipre, Israel e Egito [veja o sumário abaixo]. Os 26 autores são pesquisadores da USP, Unicamp, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Cultural Árabe Sírio de São Paulo e de universidades da França, Alemanha, Reino Unido, Turquia, Polônia, Itália e Israel.
O arqueólogo Pedro Paulo Funari, da Unicamp, destaca no prefácio que o a obra é resultado, em grande parte, da produção acadêmica brasileira das últimas décadas em contato estreito com a ciência mundial e tem ainda o interesse em introduzir o tema aos alunos do ensino superior e ao público em geral. "Sua publicação representa um passo decisivo rumo a um conhecimento crítico, fértil e criativo sobre o passado mais recente, conectado com o presente e aberto a futuros mais inclusivos; abertos ao outro, à convivência. Grande contribuição acadêmica, abre também perspectivas sociais muito mais amplas", avalia.
A religião em ÇatalhöyuxUma nova abordagem do papel da religião em Çatalhöyux [pronuncia-se chatal-huque], sítio arqueológico na área centro-sul da Turquia datado de 9 mil ACE (antes da Era Comum) é o tema do artigo de Ian Hodder, da Universidade Stanford, EUA, que abre a primeira seção do livro. Esse sítio é considerado um dos mais antigos da Anatólia e do Oriente Médio, contemporâneo ao período tardio Pré-Cerâmico e ao período Cerâmico Neolítico no Levante, "Os seres humanos em Çatalhöyük viveram a religião como parte inerente de suas vidas, sem uma divisão entre mundos – um mundo sem costuras. Em tudo o que fizeram, havia um entendimento de que o mundo tinha vitalidade e poder. O mundo estava repleto de substâncias que fluíam e se transformavam, assim como superfícies que podiam ser traspassadas", escreve o autor. De acordo com ele, os estudos sobre se a religião pode ser explicada em termos evolutivos de adaptação ou se deve ser entendida como um subproduto de outras capacidades cognitivas procura contribuir para os debates arqueológicos atuais. As pesquisas desenvolvidas por ele e sua equipe analisam processos evolutivos sociais mais específicos no que diz respeito às mudanças nos modos de religiosidade. "Os resultados substantivos do projeto confirmam seus objetivos e impactam o entendimento do desenvolvimento da vida estabelecida no Oriente Médio. O experimento interdisciplinar teve por premissa um engajamento com os dados arqueológicos refinados que foram coletados no sítio." Na avaliação de Hodder, os resultados da pesquisa em Çatalhöyük, "da mesma forma que este inovador compêndio direcionado ao público lusófono e brasileiro", contribuem para os debates sobre "arqueologia; ciências naturais, sociais e da computação; materialidade (maneiras pelas quais, para os seres humanos, a matéria passa a ter poder de agente); e os emaranhados biossociomateriais, ou seja, as formas como corpos, coisas, materiais, desejos e sociedades dependem um do outro", Foto: Jason Quinlan, integrante do Projeto de |
A "ampla e movimentada trama de construção das civilizações orientais na Antiguidade (...) passa por permanentes transformações à medida que surgem novos dados analisados, por meio da utilização de novas tecnologias", comenta o autor da introdução, o historiador Ivan Esperança Rocha, da Unesp.
Ele afirma que houve uma modificação no cenário dos estudos da antiguidade oriental a partir dos inúmeros conflitos que têm ocorrido no Oriente Médio, desde meados do século passado, "que despertaram, naturalmente, a necessidade de conhecer melhor a história oriental contemporânea e suas bases antigas, buscando evitar visões estereotipadas sobre ela".
Esse interesse é ampliado também pelas crescentes relações econômicas com a região, acrescenta. Apesar desse quadro, "há ainda uma carência de um conhecimento mais denso sobre o Oriente Próximo antigo", algo que "vem se modificando permanentemente nas últimas décadas", num movimento ao qual o livro "Arqueologia do Oriente Antigo" se soma, destaca o historiador.
Organizadores
No MAE-USP, Vagner Carvalheiro Porto coordena o Laboratório de Arqueologia Romana Provincial (Larp), no qual desenvolve pesquisas sobre as províncias romanas da Síria-Palestina e da Península Ibérica. Coordena também o Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da USP e o Grupo de Pesquisas Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (Arise), no MAE-USP. É ainda coeditor chefe da Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia.
Ele participou do Programa Ano Sabático do IEA em 2022 com o projeto "Contatos Culturais na Judaea-Palaestina da Época Romana: Estudos da Malha Urbana e da Circulação Monetária em Tel Dor, Israel".
Marcio Teixeira-Bastos é pesquisador colaborador do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH-USP, onde atua também como arqueólogo do Centro de Estudos Judaicos no Departamento de Línguas Orientais.
Ele é pesquisador associado da Universidade de Tel Aviv, Israel, e da Universidade de Münster, Alemanha, e professor visitante da Universidade Stanford, EUA. Participa ainda do Larp-MAE-USP. É membro do Comitê Científico da organização internacional Aplicações Computacionais e Métodos Quantitativos em Arqueologia (CAA, na sigla em inglês) e do Conselho Editorial da American Anthropologist, revista científica da Associação Americana de Antropologia (AAA).
Sumário
- Oriente Médio e alguns aforismos - Os organizadores
- Prefácio - Pedro Paulo Funari
- Introdução - Ivan Esperança Rocha
TURQUIA
- As vitalidades de Çatalhöyuk - Ian Hodder
- Dois mil anos de cerâmica na Cilícia: as cerâmicas nos museus locais do sul da Turquia (da orientalização até a Idade Média) - Ergün Lafli e Maurizio Buora
- Considerações sobre o estudo das ruas na Antiguidade: Antioquia e a Avenida das Colunatas - Gilvan Ventura da Silva
IRAQUE
- A materialidade e o divino na Antiga Mesopotâmia: questões teóricas e possibilidades analíticas - Marcelo Rede
- História e arqueologia do Antigo Iraque: as marcas do tempo na argila - Kátia Pozzer
- Vivendo nas montanhas Zagros na Idade do Ferro (1200-600 AEC): novas investigações no complexo de assentamentos de Dinka (Rio Zab), região autônoma curda do Iraque - Florian Janoscha Kreppner
- Arqueologia forense e ação forense humanitária em área de conflito armado ativo - Rafael de Abreu e Souza
SÍRIA
- A cultura e a civilização urbana na Síria Jezira durante o início da Idade do Bronze - Ahamad Serieh
- Afinal, o que são casas-igrejas? Notas sobre ambientes culturais à luz de três comunidades religiosas da “Wall Street” (Dura-Europos, Síria, século III AEC) - André Leonardo Chevitarese e Juliana Cavalcante
- O Médio Eufrates e sua transformação do século III ao VII EC: o caso de Dibsi Faraj - Anna Leone e Alexander Sarantis
LÍBANO
- Uma visão holística da arqueologia do Líbano - Hanan Charaf
- Fenícios e seu processo de expansão no Mediterrâneo Oriental - Maria Cristina Kormikiari Passos
JORDÂNIA
- Compreendendo os recursos hídricos de uma cidade da Transjordânia na Longue Durée: o projeto germano-dinamarquês no Bairro Noroeste de Jerash-Gerasa, Jordânia - Achim Lichtenberger e Rubina Raja
- Considerações sobre o uso da ordem dórica na Era Helenística no Mediterrâneo Oriental - Leonardo Fuduli
CHIPRE
- A história e arqueologia do Chipre Antigo - Sabine Rogge
- Observações sobre a investigação multidisciplinar de lucernas do Período Helenístico e Romano em Nea Paphos, Chipre - Malgorzata Kajzer
ISRAEL
- Cultura material como amuletos: elementos mágicos e o apotropaico na Palestina Romana - Vagner Carvalheiro Porto e Juliana Figueira da Hora
- Os samaritanos na Planície do Sharon: materialidade, etnicidade e a religião na Antiguidade - Marcio Teixeira-Bastos e Oren Tal
- Uma sinagoga samaritana do Período Bizantino em Apollonia-Arsuf/Sozousa? - Oren Tal e Marcio Teixeira-Bastos
EGITO
- A cultura material e o post mortem faraônico do Novo Império: os shabtis reais e os domínios osiríacos - Cíntia Alfieri Gama-Rolland
- Por que não os qurnawis? Por que não os sul-americanos? Egiptologia, colonialismo e violência epistêmica - José Roberto Pellini