Livro analisa a trajetória dos processos decisórios na criação da Lei Maria da Penha
A atuação do Poder Judiciário brasileiro no enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres (VDFM) é tema do livro "Jornadas do Judiciário na implementação da Lei Maria da Penha", lançado no dia 19 em evento online. Editada pelo IEA, a obra está publicada no Portal de Livros Abertos da USP e foi escrita por Fabiana Severi, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP e participante do Programa Ano Sabático do IEA em 2021.
O livro analisa o papel desempenhado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos últimos 15 anos na criação e coordenação de políticas judiciárias voltadas à implementação da Lei Maria da Penha (LMP), sancionada em 2006.
Para isso, a autora buscou entender a trajetória dos processos decisórios do CNJ voltados à promoção de mudanças no modelo de resposta judicial aos casos de violência entre 2007 e 2021, orientadas pela norma da LMP. A lei é considerada uma das melhores do mundo sobre violência doméstica e possibilitou importantes mudanças no Judiciário.
Segundo Fabiana, que também faz parte do Grupo de Pesquisa nPeriferias, aprovar uma lei como essa é, por si só, "uma grande inovação institucional em direitos humanos" em um país onde, historicamente, "sexismo e colonialismo têm produzido e reforçado a cultura judicial punitivista e lugares de subalternidade para mulheres e meninas".
Dividido em três capítulos – "A Lei Maria da Penha e a agenda de transformações institucionais ao Poder Judiciário"; "Políticas judiciárias e mudanças institucionais de gênero: apresentando conceitos e abordagens analíticas"; e "A Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência doméstica a partir das Jornadas do CNJ" –, o livro tem como base uma pesquisa que buscou identificar as mudanças institucionais de gênero no Judiciário derivadas da LMP.
Dedicado às edições das Jornadas LMP, que ocorreram entre 2006 e 2020, após a aprovação da lei, o terceiro capítulo do livro explora as resoluções dos eventos e as mudanças de estratégias das organizações envolvidas ao longo dos anos.
As maneiras pelas quais o tema da violência doméstica foi incorporado ao planejamento do Judiciário não necessariamente resultaram na consolidação de um modelo minimamente homogêneo de resposta judicial à VDFM para as mulheres brasileiras, afirma Fabiana. "Nem mesmo dentre o conjunto das poucas varas especializadas criadas até hoje no país, é possível identificar fluxos processuais e entendimentos conceituais relativamente uniformes na condução dos processos judiciais sobre LMP."
O entendimento de que a VDFM é um tipo de violação de direitos humanos baseada no gênero é um dos elementos-chave da LMP. A eliminação desse tipo de violência é uma obrigação pública e deve articular responsabilização da pessoa agressora com a garantia de direitos às mulheres que, em geral, é viabilizada por meio de políticas públicas, afirma a pesquisadora no livro.
Ela acrescenta que a lei faz com que agentes envolvidos na rede de atendimento revisitem os valores e entendimentos sobre família, vínculos afetivos, papéis sociais de gênero e racismo institucional, de forma que os serviços possam lidar com a violência doméstica de modo guiado pela proteção e garantia de direitos humanos.