Livro reflete sobre os problemas de nutrição e pobreza no Brasil
Para celebrar duas décadas de percurso ininterrupto, o Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza (GPNP) publicou, pelo IEA, o livro Diálogos sobre Nutrição e Pobreza: 20 anos de integração entre pesquisa, serviço e política pública. A sessão de lançamento ocorreu no último dia 21 de março, na Sala do Conselho Universitário, em evento comemorativo que reuniu os parceiros do GPNP neste período, entre outros participantes. A publicação já está disponível no site do IEA e também no Portal de Livros Abertos da USP.
O grupo se consolida como um espaço de diálogo, em que membros e lideranças da sociedade civil, pesquisadores, servidores e gestores públicos compartilharam experiências, conhecimento e ações na construção de políticas públicas para o enfrentamento das complexas origens e consequências da má alimentação, em todas as suas formas.
Coletânea
Durante o lançamento da coletânea, a assistente social Mariângela Belfiore Wanderley (PUC-SP), uma das organizadoras, definiu o livro como um “relicário” que resguarda a história de vinte anos de existência do GPNP. “Hoje, a realidade brasileira e mundial nos conclama a continuarmos, afinal são tantas as desigualdades, as necessidades de políticas públicas que possam contribuir para a queda das desigualdades na perspectiva de um mundo melhor para todos os brasileiros”.
Além de Mariângela Wanderley, a obra foi organizada pelos pesquisadores, membros do GPNP Ana Lydia Sawaya, Cláudia Maria Bógus, Maria do Carmo Franco, Maria Paula de Albuquerque, Nassib Bezerra Bueno e Semíramis Martins Álvares Domene.
“A fome, a desnutrição, a obesidade e suas consequência adversas são temas que convivem diuturnamente com as crianças de nosso país”, afirma, no prefácio do livro, o médico patologista Paulo Saldiva, ex-diretor do IEA e professor titular da Faculdade de Medicina da USP. “Não possuo o dom de prever o futuro, mas tenho certeza de que grande parte das soluções efetivas para os problemas da nutrição de nossas crianças terá a impressão digital do grupo Nutrição e Pobreza”.
O Epílogo é assinado por Elisabetta Recine, docente e coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB).
“Dois Brasis”
No texto de apresentação intitulado A perpetuação dos dois Brasis e sua superação, a bióloga Ana Lydia Sawaya informa que a primeira publicação do grupo foi Os dois Brasis: quem são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros. “Ali o GPNP partia da constatação de que havia ‘um Brasil’ escondido, não estudado suficientemente e grandemente negligenciado pelas políticas públicas que visassem uma atuação real e uma transformação efetiva da realidade da pobreza brasileira”.
Coordenadora do grupo de 2003 a 2019, Sawaya relata que após 20 anos, apesar de todas as mudanças ocorridas no período e esforços em muitas frentes, devemos continuar a olhar com atenção e falar sobre as distinções entre os Dois Brasis. “Quanto mais olhamos para essa realidade, a estudamos ou desenvolvemos políticas públicas para uni-las em uma só nação, mais compreendemos que as diferenças são profundas e a possibilidade de superação, complexa”.
E sentencia: “O Brasil continua a ser um dos países mais desiguais do mundo e com muitos milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza, e dezenas de milhões estão na condição de extrema pobreza, e milhões são desnutridos”.
Produções
Com 314 páginas, o livro traça uma retrospectiva do período de atuação do grupo com textos, registros em vídeo, fotos, ilustrações, tabelas, gráficos e outras figuras. Retrata simpósios, oficinas, lançamentos, debates, análises etc. Além da apresentação, a obra está dividida em quatro partes mais os agradecimentos.
Sob o título Produções, a primeira parte reproduz fac-símiles de artigos publicados por membros do grupo ao longo dos últimos 20 anos e outras realizações. É formada por cinco seções. A seção de abertura, “Fome e Desnutrição”, por exemplo, reúne artigos publicados na revista Estudos Avançados (volume 17, número 48, 2003) que inauguraram os trabalhos do grupo de pesquisa, o qual iniciou suas atividades em 18 de março daquele ano, data de sua aprovação pelo Conselho Deliberativo do IEA.
Na seção conclusiva dessa primeira parte, “Estratégias para a Defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável: Pandemia e Democracia em Risco”, os organizadores destacam, logo no início, a participação do grupo, em 2014, na segunda edição do “Guia alimentar para a população brasileira” (GAPB), coordenado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP.
Textos inéditos
A segunda parte, Textos Inéditos, é composta por dois trabalhos frutos da 12ª e 13ª edições do Seminário Serviço, Pesquisa e Política Pública realizado pelo GPNP. Segurança Alimentar na Pandemia de Covid-19: Lições Aprendidas e Desafios para a Assistência Nutricional, de 25 de novembro de 2020, sintetiza dados e experiências apresentadas sobre (in)Segurança Alimentar e Nutricional durante a pandemia de Covid-19.
Com base em pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revelando piora no acesso e na qualidade da alimentação de crianças e adolescentes em todo país, o artigo destaca a abordagem inédita de duas iniciativas: a da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) de Belo Horizonte na ampliação e reordenação do banco de alimentos e dos restaurantes populares; e a do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren) no cuidado de crianças desnutridas com o fortalecimento da agricultura familiar urbana nas periferias de São Paulo.
O outro trabalho, A Produção de Conhecimento em Prol do Fortalecimento da Participação Social para o Enfrentamento da Insegurança Alimentar e Nutricional, deriva de encontro promovido em 16 de setembro de 2021 conjuntamente com o Grupo de Estudos Saúde Planetária, também do IEA.
Os autores explicam que a proposta do seminário, denominado “O aumento da fome frente à fragilidade da democracia: perspectivas para o fortalecimento da participação social”, foi abordar e discutir como a desigualdade pode afetar a democracia e quais os mecanismos e ações possíveis para a preservação e recuperação das instituições e instâncias democráticas na perspectiva de fortalecer especialmente o papel dos conselhos municipais e estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional.
O formato do evento contemplou três temas: o cenário da insegurança alimentar no Brasil, o agravamento da fome no contexto do esgarçamento social e dos rumos da gestão pública e a importância da representatividade da sociedade civil para o controle social das políticas de segurança alimentar e nutricional. Em cada um dos temas houve a apresentação de um pesquisador convidado seguido de comentários por um estudioso da temática.
Cenário atual
Durante o evento de lançamento do livro, uma mesa de debates acerca do atual cenário da fome no Brasil apresentou dados preliminares da pesquisa “Perspectivas para alcançar a Segurança Alimentar Nutricional (SAN) tendo 2122 como visão de futuro”. Crhistinne Gonçalves, secretária adjunta de Estado da Saúde de Mato Grosso do Sul e pós-doutoranda no IEA, disse que o objetivo geral do estudo é descrever o atual cenário em relação à alimentação contemporânea e identificar ações a serem realizadas para o alcance da SAN no país, tendo como visão de futuro o ano de 2122.
“São 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave, entre 2021 e 2022, quando cerca de 2,3 bilhões não tiveram acesso à alimentação adequada”, informa. Gonçalves apresentou a ferramenta REDCap [Research Electronic Data Capture], considerada uma “sofisticada” plataforma para coleta, gerenciamento e disseminação de dados de pesquisa. “A percentagem de municípios com questionários preenchidos via REDCap foi de mais de 90%”.
Desafios em 2023
Em Os desafios para a gestão pública em 2023, Patrícia Gentil, diretora do Departamento de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), participou remotamente, representando a secretária Lilian Rahal, da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan). O órgão é responsável pelo conjunto de políticas colocadas atualmente como ações prioritárias.
Ela trouxe dados que mostram o quanto a fome está presente nas grandes cidades em termos absolutos. “Temos um percentual maior [da fome] na área rural, mas em termos absolutos, 27,4 milhões de pessoas moram nas cidades. Temos o desafio de olhar para essa complexidade nas periferias urbanas”, informa. “Sabemos que 80% de tudo que é produzido, é consumido nas áreas urbanas”.
Coloca como outro importante desafio, a questão dos processos produtivos centrados na monocultura e no uso indiscriminado de agrotóxicos. Entre os problemas, está o fato de o Brasil ter “perdido” a produção de alimentos básicos como arroz e feijão. “Em contraponto, há o aumento [da produção] de soja, milho, carne bovina, cana-de-açúcar, insumos para os alimentos ultraprocessados, que vêm mudando o padrão de consumo e são condutores para o aumento de doenças crônicas”.
A nutricionista alertou que, de cada 10 pessoas que entram em uma Unidade Básica de Saúde, sete estão com problemas de má alimentação.
Para ela, a reforma tributária deve estar pautada na justiça fiscal. “Precisamos de alimentos básicos in natura mais baratos para chegar à mesa do consumidor com preços mais acessíveis e, por outro lado, taxar produtos com efeitos negativos para a saúde, como tabaco, álcool, alimentos processados e bebidas adoçadas”.
A advogada Valéria Burity, da Secretaria Extraordinária de Combate à Fome do MDS, salientou que a fome é uma das grandes expressões da desigualdade. “É importante compreender que estamos em um novo paradigma, uma nova situação. Fala-se em crise ambiental, em crise climática, mas o que estamos vivendo é um colapso mesmo. Qualquer política pública vai ter de considerar a dimensão ambiental se quisermos sair do momento que estamos vivendo agora”.
O evento teve ainda o painel A construção do diálogo com a Universidade: estratégias e políticas públicas para a realização do direito humano à alimentação adequada com participação de Maria Tereza Ramalho, terapeuta ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Dirce Marchioni, professora livre-docente da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) e Alexandre Delbem, professor titular do Departamento de Sistemas de Computação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação na Universidade de São Paulo (ICMC-USP).
Diálogos sobre Nutrição e Pobreza: 20 anos de integração entre pesquisa, serviço e política pública
ISBN: 978-65-87773-46-9
IEA
Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza – IEA-USP
314 páginas
PDF gratuito