Intercontinental Academia lança curso online sobre o tempo
O IEA e o Instituto de Pesquisa Avançada (IAR) da Universidade de Nagoya lançam no dia 14 de abril o curso Off the Clock: The Many Faces of Time, um massive open online course (Mooc) que ficará disponível na plataforma Coursera.
O lançamento ocorrerá durante a 6ª Conferência de Diretores da Ubias (University-Based Institutes for Advanced Study), rede internacional de institutos de estudos avançados vinculados a universidades de todos os continentes. A disponibilização online do curso será possível graças à parceria entre a Pró-Reitoria de Pesquisa da USP e a Coursera.
O Mooc é resultante dos debates empreendidos por 13 jovens pesquisadores de várias áreas e diversos países participantes da primeira edição da Intercontinental Academia (ICA), em 2015 e 2016. Organizada pelo IEA e pelo IAR de Nagoya, a edição teve por tema o “Tempo”.
A ICA é um projeto da Ubias no qual dois institutos de estudos avançados de diferentes continentes organizam períodos de imersão em conferências e debates sobre um tema interdisciplinar. A quarta edição será realizada este ano, com o tema “Inteligência e Inteligência Artificial”.
Faces do tempo
O objetivo do curso é apresentar um panorama abrangente das principais formulações sobre o tempo nas ciências, na filosofia e nas artes. As questões discutidas vão do tempo dinâmico ou estático dos pré-socráticos à fenomenologia de Heidegger, da discussão sobre a flecha do tempo em direção ao futuro à inexistência do conceito de tempo na gravidade quântica, do tempo geológico aos ciclos circadianos que controlam o organismo humano.
Durantes os períodos de imersão no IEA (abril de 2015) e no IAR (março de 2016), os participantes da ICA tiveram a oportunidade de participar de dezenas de conferências de pesquisadores seniores sobre a concepção e importância do tempo em antropologia, filosofia, física, neurobiologia, cronobiologia, psicanálise, ciências ambientais e outras áreas.
Para que uma síntese dos debates suscitados por essas conferências e por reuniões de trabalho pudesse atingir um público amplo, os pesquisadores foram encarregados de produzir o Mooc agora disponível na Coursera.
O diretor do IEA à época da ICA, Martin Grossmann, também integrante do Comitê Sênior do projeto, lembra que a ideia de produção do Mooc partiu do cronobiologista Till Roenneberg, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, Alemanha, em reunião do Comitê Sênior da primeira ICA no Instituto de Estudos Avançados de Freiburg, Alemanha, em setembro de 2014.
Constituído de 17 aulas em vídeo divididas em quatro módulos, com duração total de 5 horas e meia, o curso foi produzido por seis dos 13 jovens pesquisadores participantes da ICA.
A coordenação de conteúdo foi de Nikki Moore, da Wake Forest University, EUA, Marius Müller, da Universidade Federal de Pernambuco, e Valtteri Arstila, da Universidade de Turku, Finlândia. Também participaram como criadores e expositores Eduardo Almeida, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências de Ribeirão Preto (FFLCRP) da USP, David Gange, da Universidade de Birmingham, Reino Unido, e Helder Nakaya, do Instituto de Biociências (IB) da USP.
As filmagens do Mooc, sob a direção audiovisual de Priscila Lima, aconteceram em Ubatuba (SP), em março de 2017, na Base de Pesquisa Clarimundo de Jesus do Instituto Oceanográfico (IO) da USP.
Segundo Grossmann, o Mooc atendeu aos objetivos da ICA, uma vez que “as expectativas em relação aos resultados eram bastante amplas e não muito bem definidas”.
Ele considera que o Mooc se tornou ainda mais relevante em função das exigências da atualidade: “A posição dos professores, que ainda atribuem aos Moocs um papel secundário na educação, tende a mudar diante da realidade do ensino online durante a pandemia”.
Grossmann afirmou que considerava o formato dos Moocs bastante limitado, por procurarem reproduzir a fórmula da sala de aula, "mas o resultado atingido pelo trabalho dos pesquisadores me surpreendeu.”Para ele, o Mooc é um curso introdutório interdisciplinar sobre o tempo e, logicamente, influenciado pelo universo cultural e científico dos jovens pesquisadores da ICA. “Não há a ambição de dar conta dos temas de forma mais assertiva.”
Ele considera difícil definir o público do Mooc. Acredita que o curso vai atrair pós-graduandos de diferentes áreas, além de graduandos “inquietos, com necessidade de se aventurar em diferentes campos”.
De acordo com Grossmann, o Mooc também deixa como legado a confirmação de que a Ubias pode trabalhar com iniciativas desse tipo e propor outras similares futuramente.
Experiência dos participantes
Dois dos seis pesquisadores envolvidos na produção do Mooc, Eduardo Almeida e Marius Müller, atuarão como coordenadores pedagógicos do curso na Coursera.
Almeida classifica como “incrível” a experiência de produzir o curso, por ter exigido “a conciliação de visões, conhecimentos e interpretações de áreas tão distintas como literatura, matemática, história, psicologia, biologia, física, bioinformática, artes e filosofia, em uma discussão que fizesse um mínimo de sentido para todos os envolvidos”.
Para Müller, foi um processo difícil, “não apenas em relação ao tema, mas também quanto à interação intercultural”. Apesar das dificuldades, ele considera que o trabalho “foi uma grande aprendizagem e bem gratificante”.
A escolha do tema “Tempo” foi uma vantagem, segundo Almeida, “por ser uma dimensão da existência que perpassa qualquer área do conhecimento e é desafiadora em todas as disciplinas”.
Duas dificuldades se destacaram na execução do trabalho, em sua opinião. Uma delas é o fato de quanto maior a especialização em uma área acadêmica mais difícil a compreensão das perspectivas (base conceitual, aspectos problemáticos, questões teóricas, história) das demais áreas, apesar de “a filosofia às vezes atuar como uma ponte entre algumas dessas ilhas de conhecimento”.
Outra dificuldade são as diferenças entre linguagens de áreas distintas (“mesmo com o inglês como idioma de comunicação”), que “tornam a compreensão dos próprios conceitos muito difícil”. Para ele, isso se dá pela adoção de jargões típicos das disciplinas “e, creio, até mesmo por modos de pensar e argumentar que diferem entre pessoas que representam essas áreas”.
Todos os temas abordados pelo Mooc foram desafiadores, disse. Em seu caso, foram especialmente desafiadores os temas que não integram sua atuação como cientista da área biológica. “A discussão sobre a natureza física do tempo é difícil porque a base matemática ou a própria abstração das teorias são contraintuitivas à primeira vista; a perspectiva do tempo em uma obra de arte segue princípios ainda mais distintos daqueles que tenho como razoáveis para minha perspectiva como cientista.”
Ele relatou que sua participação na ICA e na produção do Mooc causou um misto de curiosidade e ceticismo (“creio que algo enigmático até”) entre seus colegas de departamento, por ser algo diferente da atuação usual dos pesquisadores.
“Fiz um seminário sobre o tema no departamento e vários colegas tiveram curiosidade em saber um pouco mais. Na época, o Mooc ainda não havia sido concluído. Será interessante descobrir se o curso poderá gerar reflexões interessantes nos colegas que o assistirem.”
Almeida afirmou que o Mooc foi sua primeira experiência em divulgação científica numa escala de maior porte, pois sua atividade comum na área se dá por meio de palestras, cursos de extensão e pequenas feiras. Müller também disse já ter feito divulgação científica, “mas a produção de um Mooc foi bem específica e, no total, uma experiência valiosa”.
Segundo Almeida, as discussões entre os participantes da produção do Mooc evidenciaram a sensação de que todos tiveram suas atividades acadêmicas influenciadas pelo trabalho.
Em seu caso, disse que ficou mais cético quanto a algumas certezas e mais atento às perspectivas que disciplinas variadas trazem sobre alguns assuntos. Também acredita ter se tornado mais cuidadoso quanto à comunicação de ideias e à capacidade de falar para um público maior do que seu círculo mais próximo.
Para Müller, a participação na ICA e na produção do Mooc influenciou sua mente acadêmica e “abriu o interesse em trabalhar e atuar em diferentes áreas acadêmicas no futuro”.
A ICA sobre o “Tempo” e a produção do Mooc foram patrocinados pelo Itaú Cultural (no âmbito da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência), com apoio de Fapesp, CNPq, Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, Frias (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Freiburg, Alemanha), Wias (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Waseda, Japão) e CAS-LMU (Centro de Estudos Avançados da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, Alemanha).