Especialistas debatem barreiras entre os idiomas
O campo da linguística só avançará se focar em análises multilinguais. Quem defende a ideia é Felix Ameka, professor da Universidade Leiden. Para ele, a academia ainda entende línguas como entes separados e rejeita os empréstimos, adaptações e misturas entre idiomas diferentes.
Ameka participou do seminário Multilingualism and Linguistic Vitality, realizado no dia 28 de novembro e coordenado por Esmeralda Vailati Negrão, pesquisadora do programa Ano Sabático de 2022. Com moderação de Alexander Yao Cobbinah, da FFLCH da USP, o evento também teve Pierpaolo Di Carlo, da Universidade de Buffalo. Ele e Ameka apresentaram estudos de caso e debateram sobre multilinguismo e a vitalidade linguística.
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Ao fazer referência à Torre de Babel, em que Deus amaldiçoou o homem ao criar a diversidade linguística, Ameka afirma que a única maneira de interromper a maldição é quebrar as barreiras entre os idiomas. Contudo, segundo o professor, a academia apresenta um viés monolingual, que acredita no purismo dos idiomas. Para ele, isso se reflete no sistema educacional de muitos países, que inibe a mistura entre línguas em uma mesma frase. A prática é comum em famílias de imigrantes e muitas vezes reprimida por pais e professores, mesmo sendo sinal de alta proficiência nesses idiomas, contou.
Ameka usa os conceitos de code-switching (troca de códigos, ou seja, a alternância de línguas em frases diferentes) e code-mixing (mistura de códigos, que significa a troca de línguas dentro da mesma frase) para entender os limites que separam idiomas distintos. Com base nisso, realizará pesquisa sobre como pessoas multilinguais se adaptam às demandas do contexto em Belize, na América Central, e Benin, na África, duas nações onde existem muitos idiomas na mistura social e o sistema educacional é pautado nas línguas colonizadoras, inglês e francês, respectivamente. Ao observar que a linguística atual privilegia as "grande línguas europeias", ele questiona: "Como ela seria se fosse baseada nas línguas africanas?".
Multilinguismo em pequena escala
Segundo Pierpaolo, os postulados que afirmam que línguas são puras e conectadas às fronteiras datam do século 19 e resultam do surgimento dos estados nacionais europeus. Ele também explica que as atuais teorias linguísticas vêm do paralelo com a biologia darwinista e a seleção natural. Neste caso, a principal força causadora de alterações idiomáticas são as “derivações”, ou seja, alterações inconscientes, incontroláveis e coletivas. Outros postulados atuais da linguística afirmam que: idiomas são entes herméticos; o contato entre eles faz com que passem a se assemelhar; e comunidades são por padrão monolinguais. As pesquisas conduzidas por Pierpaolo contestam todos esses enunciados ao documentar as interações entre comunidades multilinguais.
O Cinturão de Fragmentação Subsaariana concentra 80% da diversidade linguística da África, com idiomas tão distintos entre si quanto russo e alemão, segundo Pierpaolo. Em um conjunto de povoados em Camarões chamado Lower Fungom, ele observou que todos os habitantes desse local são fluentes em mais de uma língua. A maioria fala um idioma local, além do "inglês pidgin". Quando se trata de dialetos, os levantamentos são ainda mais impressionantes: grande parte dos moradores fala mais de sete dialetos.
Pierpaolo também observou evidências de mudanças nas línguas que teriam ocorrido de maneira proposital, como o caso dos habitantes de um vilarejo que mudaram a própria língua deliberadamente para se diferenciar de outro. O professor deu a esse fenômeno o nome de neighbor-opposition (oposição ao vizinho) que, segundo ele, "é especialmente ativo em sociedades em escalas pequenas, levemente centralizadas". Já que essa configuração social era comum na pré-história, o pesquisador apresenta a hipótese de que neighbor-opposition era frequente nesse período. Essa ideia tem potencial para mudar todas as maneiras de se classificar e entender a origem dos idiomas. A árvore genealógica de línguas é a esquematização mais comum desse assunto, contudo, segundo Pierpaolo, "nessa perspectiva, ela tem limites autoevidentes".
Vitalidade linguística
Enquanto Pierpaolo defende que línguas africanas faladas de maneira nativa por poucas pessoas dificilmente irão desaparecer, Ameka afirma que, por não serem passadas dos mais velhos aos mais novos, algumas estão lentamente sendo substituídas por grandes línguas africanas locais.
Para Pierpaolo, os pertencentes a essas culturas têm uma ligação muito especial com os mortos e com seus ancestrais. Ele argumenta que quando se estudam as comunidades africanas, é importante lidar com o que chama de "sobrenatural". "Essa conexão com o 'mundo dos mortos' é incrivelmente poderosa para a manutenção de línguas africanas" e, inclusive, influencia de maneira determinante o comportamento de pessoas dessa região, comentou.
Em seu argumento, Ameka citou a Dompo, que dez anos atrás tinha aproximadamente 40 falantes nativos; cinco anos depois, oito; e atualmente, três. Ameka não está convencido de que a morte de uma língua é a morte de uma cultura, pois, para ele, esta é transportada para a linguagem para a qual a comunidade migrou.