Muniz Sodré é o primeiro titular da Cátedra Otavio Frias Filho
Perfil Professor emérito e um dos fundadores da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRG), Muniz Sodré nasceu São Gonçalo dos Campos, Bahia, em 1942. Graduou-se em direito na Universidade Federal da Bahia UFBA), tornou-se mestre em sociologia da informação e comunicação pela Universidade Sorbonne, França, e doutor em letras pela UFRJ, onde também obteve o título de livre-docente em comunicação. Fez sua pesquisa de pós-doutorado na Universidade Sorbonne e atuou como pesquisador colaborador na Universidade de Tampere, Finlândia. Sodré trabalhou como tradutor no governo da Bahia e depois como jornalista no Jornal do Brasil e na revista Manchete. Deixou o jornalismo em 1974 para se dedicar à carreira acadêmica. Dirigiu a TV Educativa e foi presidente da Biblioteca Nacional. É o pesquisador brasileiro em comunicação com maior número de citações. Escreveu 45 livros, três deles de ficção. Em maio lançou “A Sociedade Incívil: Mídia, Iliberalismo e Finanças” (2021). Outros de seus livros mais recentes são “Pensar Nagô” (2017), “A ciência do Comum: Notas para o Método Comunicacional “ (2015), “Reinventando a Educação - Diversidade, Descolonização e Redes” (2012) e “As Estratégias Sensíveis - Afeto, Mídia e Política” (2006). Sodré é membro da Academia Baiana de Letras e tem atuação destacada também na pesquisa sobre a cultura afro-brasileira e sua defesa e na luta contra o racismo. |
Considerado o mais proeminente especialista em comunicação do país, o sociólogo Muniz Sodré [leia perfil ao lado] foi escolhido este mês pelo Comitê de Governança da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade para ser o primeiro titular desse novo posto de pesquisa do IEA, lançado em fevereiro, a partir de convênio entre a USP e a Folha de S.Paulo.
Em entrevista ao IEA sobre sua escolha para a cátedra e alguns de seus interesses de pesquisa, Sodré disse que o tema do ciclo de palestras que coordenará na cátedra tratará da "indagação multiforme sobre a existência e a consistência do povo brasileiro". Para ele, essa questão persegue as elites nacionais desde fins do século 19, "ao modo de um enigma que intelectualmente e artisticamente sempre se tentou resolver".
Sodré considera que a indagação ganha novos contornos neste século, com o incremento de "uma movimentação identitária de baixo para cima, em que a diversidade humana se impõe e põe em questão a unicidade do 'povo nacional'". Por outro lado, a realidade paralela que vem sendo progressivamente construída por mídia e algoritmos também inventa um povo específico, afirmou. Diante desse quadro, "o que seria afinal o povo brasileiro?", indaga o sociólogo.
No momento, Sodré está analisando as possibilidades de trabalho da cátedra, como o desenvolvimento de pesquisas de pós-doutorado e estudos de convergência com outras cátedras do IEA, principalmente aquelas voltadas à educação e à cultura. "Existe também a perspectiva de organização de um livro com o concurso das palestras sobre povo."
Comunicação, democracia e diversidade A criação da Cátedra Otavio Frias Filho integra as comemorações do centenário da Folha de S.Paulo e homenageia Otavio Frias Filho (1957-1918), que foi diretor de Redação do jornal e diretor editorial do Grupo Folha, além de mentor do Projeto Folha, iniciativa que renovou o jornalismo brasileiro nos anos 80. O objetivo desse novo posto de pesquisa do Instituto é desenvolver estudos nas áreas de comunicação, democracia e diversidade. A criação da cátedra faz parte das comemorações do centenário do jornal. De acordo com o projeto, a cátedra deve ser um centro de pesquisas e disseminação do conhecimento sobre o papel da comunicação, em especial o jornalismo, para a manutenção e o constante fortalecimento da democracia, incluindo os direitos das minorias e contra os diferentes tipos de discriminação, bem como outros fenômenos relacionados, como os novos populismos, que ameaçam o Estado Democrático de Direito”. A cada ano será escolhido uma personalidade de notória trajetória na área para ser o titular da cátedra, ficando encarregada da organização de um ciclo de palestras mensais, cujo conteúdo será transformado em livro. É prevista também a divulgação de edital para seleção de propostas de pesquisa de pós-doutorado. |
Outro bom tema para cátedra, disse, é como se contrapor ao que chama de "sequestro da fala", uma maneira mais curta de designar "a intervenção da comunicação eletrônica nos discursos sociais".
"Os subterrâneos criptográficos constituem um universo à parte, cuja 'sombra' tem realidade e progressivamente expropria os circuitos autônomos da fala. Isso é algo que se observa até mesmo na superfície das trocas linguísticas cotidianas. A comunicação funcional a serviço exclusivo do mercado neutraliza a fala comunitária."
Para ele, a prevalência dos algoritmos na mídia representa um instante em que "o poder do capital tenta construir um ordenamento social imóvel, mas pleno de respostas programadas". É o instante em que "o sujeito consumidor se esbalda na compulsão à repetição, alheio ao sequestro tanto do humano como da natureza pelo poder, fascinado pela criação simulada de riquezas e de bens".
Perguntado sobre a atual relevância da notícia e sobre o futuro do jornalismo, Sodré afirmou que a notícia é uma espécie de marcação temporal do cotidiano pelo acontecimento: "Ela não é exatamente o fato, mas uma de suas projeções, garantida por um pacto de credibilidade do jornalista com um público. O pacto é algo naturalmente implícito na sociedade civil, mais um dos aspectos fiduciários constitutivos da sociedade".
Se esse pacto se esvai ou se os mecanismos de verossimilhança se arrefecem, "engolidos pela velocidade de transmissão nas redes", a notícia passa a ser garantida apenas pelo clique do sujeito num teclado de computador ou de celular, disse Sodré. "Não sendo a sombra pactuada de um fato, a notícia não mantém a devida distância da fofoca ou do boato".
"É tarefa do jornalismo restaurar a dignidade da notícia, possivelmente combinando-a com o debate de ideias e com a crítica social das instituições. Afinal, o jornal, como bem viu John Dewey [filósofo e pedagogo americano], está vocacionado para ser uma conversa social."
Sodré também comentou o esvaziamento da representação política, que vê como um fenômeno mundial, com modalidades diferentes e em diferentes graus de intensidade. "Ele caminha pari passu com o enfraquecimento do regime parlamentar e da democracia política". A política é fundamental e reconstruí-la implica buscar formas deliberativas que não sejam totalmente homogêneas ao capital, afirmou. "A questão das redes é importante, mas não é central."
Foto: arquivo pessoal de Muniz Sodré