Marcelo Viana assume cátedra e destaca a importância da matemática para o desenvolvimento do país
R$ 1,3 trilhão. Esse é o valor que seria acrescentado ao PIB anual brasileiro (atualmente em R$ 11 trilhões) caso o número de empregos com uso intensivo de matemática passasse dos atuais 7,6% para 13% do total da força de trabalho do país, percentual da França em 2022.
A projeção foi apresentada pelo matemático Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), na sua conferência de posse como novo titular da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade, no dia 6 de novembro, na sede do jornal Folha de S.Paulo, parceiro do IEA na cátedra.
Viana fez a conferência "Quanto Vale a Matemática para o Brasil?", na qual discutiu os dados sobre a participação de profissionais em empregos com uso intensivo da matemática no Brasil em comparação com o que ocorre na Alemanha, França, Holanda, Espanha e Austrália. Ele tratou também da valorização crescente dos matemáticos no mercado de trabalho, da falta de cursos de graduação na área e das carências do ensino da disciplina no ensino básico.
Diretor-geral do Impa desde 2015 e colunista semanal da Folha de S.Paulo há sete anos, Marcelo Viana é especialista em sistemas dinâmicos e teoria do caos. Graduou-se matemática na Universidade do Porto, Portugal, e obteve o doutorado em matemática no Impa. Fez estágios de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia e na Universidade de Princeton, nos EUA. É autor de três livros acadêmicos e coautor de outros dez, além de 60 artigos publicados em periódicos científicos. Suas obras mais recentes são a de divulgação científica "Histórias da Matemática: Da Contagem nos Dedos à Inteligência Artificial" (2024), uma coletânea de sua coluna na Folha de S.Paulo, e "Differential Equations: A Dynamical Systems Approach to Theory and Practice" (2022), com José Espinar. Já orientou 41 teses de doutorado e 22 dissertações de mestrado. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Matemática e vice-presidente da União Matemática Internacional. Em 2016, ele e François Labourie foram os primeiros matemáticos a receber o Grande Prêmio Científico Louis D. do Institut de France, a mais prestigiosa honraria científica do país. |
Cerimônia de Posse e Conferência de
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Como titular da cátedra, Viana coordenará o programa "Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento". A atividade transcorre deste mês até outubro de 2025, incluindo um ciclo de dez conferências (duas dele e oito de convidados).
Foram selecionados 120 pesquisadores para contribuírem com o programa, englobando graduados, pós-graduados e estudantes dos dois níveis. Eles participarão presencialmente ou de forma online das conferências e demais reuniões do programa, podendo submeter artigos para obra coletiva resultante das atividades coordenadas por Viana.
ParticipantesA cerimônia de posse de Marcelo Viana como novo titular da Cátedra Otavio Frias Filho teve a participação do reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior; da vice-reitora, Maria Arminda do Nascimento Arruda; do vice-diretor do IEA, Marcos Buckeridge; do coordenador acadêmico da cátedra, André Chaves de Melo Silva; do membro do Comitê de Governança da cátedra Guilherme Ary Plonski; do representante da família Frias e diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo Sérgio Dávila; e do secretário de Redação do jornal e coordenador adjunto da cátedra Vinicius Mota. |
Grau de desenvolvimento
Viana comentou que, evidentemente, a diferença entre os índices brasileiros e de países ricos deve-se ao menor grau de desenvolvimento econômico brasileiro. No entanto, ressaltou que a situação se revela uma oportunidade para os esforços de desenvolvimento do país, que necessitará de ampliação considerável na formação de mão de obra capacitada em matemática.
Desde 2012, quando soube do estudo sobre a participação da matemática no PIB britânica, Viana procurou sem sucesso por parceiros para uma análise desse impacto no caso brasileiro.
Até que em 2023 houve o interesse do Itaú Social em trabalhar com apoio do Impa na produção de um estudo. Publicado em fevereiro, o documento "Contribuição da Matemática para a Economia Brasileira" indica que os profissionais em áreas ligadas à matemática correspondem a 7,4% da força de trabalho, com rendimentos equivalentes a 4,6% do PIB e salários 119% maiores que a média dos demais trabalhadores. Foram analisados dados do período 2012 a 2023, com a utilização de metodologia similar à empregada pelo estudo sobre a situação da França, realizado pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês).
De acordo com o estudo brasileiro, as ocupações com matemática intensiva concentram-se nas áreas de serviços administrativos e de tecnologia da informação e não naquelas mais tradicionalmente ligadas à inovação e desenvolvimento tecnológico, como engenharia e pesquisa, a exemplo do que ocorre na Europa.
Outro fator que chama a atenção, segundo os responsáveis pelo estudo, é o fato de entre os trabalhadores com ocupações ligadas à matemática 84% terem contratos formais, um índice significativamente superior aos 67% do mercado de trabalho geral do país, segundo a PNADC Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE para o terceiro trimestre de 2023.
A interpretação dos autores é que a alta escolarização dos trabalhadores na área da matemática contribui para o índice de formalidade e estabilidade em seus empregos em momentos de crise, como durante a pandemia de Covid-19. A resiliência da empregabilidade desses profissionais foi destaca por Viana na conferência.
Ele também apresentou dados sobre as categorias profissionais mais bem remuneradas no Brasil. Os matemáticos aparecem na segunda posição, suplantados apenas pelos médicos. No entanto, a remuneração média dos médicos tem diminuído, ao passo que a dos matemáticos tem apresentado crescimento importante.
O fato é que o país carece de profissionais para ocupações com uso intensivo de matemática. Para Viana, é preciso uma nova postura tanto do ensino superior quanto do setor produtivo para que a matemática tenha um papel mais relevante no desenvolvimento do Brasil, além de um diálogo efetivo entre os dois lados.
Segundo ele, o grande gargalo é o ensino básico, como revela o baixo desempenho dos estudantes brasileiros no exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), um estudo comparativo internacional realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Daí a necessidades de maior investimento na formação de professores de matemática para a educação básica, sua valorização e estímulo para iniciativas inovadoras, que motivem os estudantes a maior dedicação à disciplina.
Em relação ao ensino superior, Vieira defendeu a ampliação do número de graduações e programas de pós-graduação em matemática. Ele ressaltou a grande disparidade no elevado número de graduações em algumas áreas das ciências sociais, como pedagogia e administração, "importantes, sem dúvida", mas com baixo índice de empregabilidade em relação ao elevado número de graduados, situação inversa ao que ocorre em matemática e outras áreas das ciências exatas.
Na parte final da conferência, ele detalhou duas contribuições do Impa para a melhoria desse panorama. O instituto criou uma graduação destinada a formar matemáticos, cientistas de computação, cientistas de dados e físicos. A graduação é uma parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, que fornecerá alojamento aos estudantes que precisarem de moradia (os recursos para alimentação estarão a cargo do governo federal). As vagas terão uma reserva de 80%¨para os melhores classificados em olimpíadas de matemática e ciências exatas das escolas públicas de todo o país.
A segunda iniciativa do Impa é a implantação do Centro de Projetos e Inovação (Centro Pi), destinado a fortalecer a parceria entre a equipe técnico-científica do instituto e a indústria. O centro dedica-se à resolução de problemas específicos de parceiros industriais por meio de projetos, ao treinamento de alunos em temas associados a eles mesmos projetos e à realização de pesquisa científica sobre esses temas.
Fotos: Marcos Santos/USP Imagens