O presente crítico e o futuro incerto dos oceanos
O tema da mesa inicial foi "Os Oceanos e as Mudanças Climáticas" |
Os oceanos estão doentes. A doença é complexa e a causa são ações humanas, principalmente a emissão de gases efeito estufa, sobrepesca e descarte de lixo.
Os sintomas são alarmantes: acidificação, aquecimento, elevação do nível, redução da biodiversidade, contaminação, migração natural de espécies prejudicada e disseminação de espécies em lugares diferentes de seu habitat natural.
Importância
Pode-se dizer que uma em cada duas respirações humanas depende dos oceanos, uma vez que eles respondem por 55% do oxigênio presente na atmosfera. Eles também são essenciais para a alimentação mundial, com o consumo anual per capita de pescado tendo atingido o recorde de 20 kg em 2016, de acordo com a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) das Nações Unidas.
Os oceanos são também o lugar de maior circulação de commodities e mercadorias entre os países e seu leito é local de exploração de petróleo, gás e minérios. Tudo isso sem falar na possibilidade de descoberta de substâncias e genes que podem resultar em medicamentos e outros produtos úteis para a humanidade.
As mesas e os expositoresOs Oceanos e as Mudanças Climáticas Expositores: Tércio Ambrizzi (IO-USP), Margareth Copertino (Furg) e Régis Pinto de Lima (MMA) Vida Marinha: Como Deter a Desertificação em Curso Expositores: Cintia Miyaji (ABPS), Marcelo Kitahara (Unifesp) e Letícia Reis de Carvalho (MMA) Áreas Marinhas Protegidas: Desafios e Perspectivas
Expositores: Ana Paula Leite Prates (MMA), Anna Carolina Lobo (WWF-Brasil), Leandra Gonçalves (IO-USP) e Warwick Manfrinato (IEA) Moderador: Alexander Turra (IO-USP) Sugestões para um Mar sem Lixo
Expositores: Alexander Turra (IO-USP), Miguel Bahiense (Instituto Plastivida) e Régis Pinto de Lima (MMA) Moderador: Pablo Nogueira ("Scientific American Brasil")
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Para dimensionar a importância dessas pesquisas bioquímicas, basta lembrar da coleta de 6 milhões de genes de diversos organismos marinhos feita pelo bioquímico Craig Venter em seu veleiro-laboratório na década passada, com o objetivo de “construir” organismos artificiais funcionais, como uma bactéria que produza nitrogênio, um combustível não poluente.
Mas qual é o quadro clínico geral desse sistema tão complexo e fonte de tantos recursos e quais as possibilidades de tratamento, se não para a cura, pelo menos para a mitigação dos sintomas e suas consequências para os ecossistemas e para a vida humana?
Seminário
No dia 8 de maio, Dia Mundial dos Oceanos, o seminário O Futuro dos Oceanos, discutiu respostas para essas questões. O evento foi o 12º Seminário de Manejo Integrado, série organizada pelo Instituto Oceanográfico. Desta vez a iniciativa teve a revista “Scientific American Brasil”, o IEA e a representação da Unesco no Brasil como parceiros, além do apoio do braço brasileiro da World Wildlife Fund (WWF-Brasil) e do Instituto Plastivida.
O encontro teve 13 expositores, incluindo pesquisadores do IO-USP, da Universidade Federal do Rio Grande (UFRGS) e Unifesp; representantes do Ministério do Meio Ambiente; pesquisadoras da WWF-Brasil e da Associação Brasileira pela Pesca Sustentável (ABPS); e o presidente do Instituto Plastivida.
As discussões foram organizadas em quatro mesas temáticas:
- Os Oceanos e as Mudanças Climáticas: Impactos, Interações e Consequências;
- Vida Marinha: Como Deter a desertificação em Curso;
- Águas Marinhas Protegidas: Desafios e Perspectivas;
- Soluções para um Mar sem Lixo.
"Vida Marinha: Como Deter a Desertificação em Curso" foi a discussão de uma das mesas |
Mudanças climáticas
Coube a Tércio Ambrizzi, do IO-USP e integrante do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA, apresentar um panorama geral dos efeitos das mudanças climáticas no planeta e, especificamente, nos oceanos. Segundo ele, há alterações de correntes marítimas, gelo decrescente nos polos e recordes na diminuição das áreas congeladas do Oceano Ártico.
O nível dos oceanos já subiu 23 cm desde o final do século 19 e deve subir de 1 m a 1,5 m se o quadro atual de aquecimento do planeta persistir, disse Ambrizzi. Ele também apontou as conexões entre o que acontece em cada oceano: “Alterações no Oceano Índico podem influenciar o clima no Brasil”, que já sobre os impactos do aumento da temperatura no Atlântico Sul, que "teve elevação recorde no primeiro quadrimestre de 2018".
“O futuro já chegou”, com a acidificação, o aquecimento e a elevação do nível dos oceanos afetando a biodiversidade e as comunidades costeiras, de acordo com Margareth Copertino, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). O Brasil está entre os dez países sujeitos a mais riscos, com a estimativa de 10 a 20 milhões de habitantes afetados, de acordo com ela.
A preparação dos municípios costeiros para as alterações marítimas é o objetivo do Programa Nacional para a Conservação da Linha de Costa (Procosta), homologado por portaria do MMA em março e apresentado no seminário por Régis Pinto de Lima, gerente de projetos do ministério.As consequências das mudanças climática para a biodiversidade marinha são diversas, explica a pesquisadora: maior número de zonas mortas (que quadriplicaram nos últimos 60 anos), onde há menos de 2 mg de oxigênio por litro de água: redução de nutrientes: alteração na distribuição média de seres marinhos (deslocamento de muitos deles para águas mais frias); aumento na invasão de espécies; maior mortalidade de corais. “A costa brasileira está sujeita a níveis diferenciados de risco em função da variedade de seus ecossistemas.”
Além dos estragos causados pela elevação do nível do mar e da possibilidade de eventos extremos (como o furacão Catarina no litoral do sul do país em 2004), outro efeito das mudanças oceânicas de percepção direta pela população é a redução na quantidade e variedade do pescado disponível.
Sobrepesca
Essa redução não é fruto apenas das mudanças climáticas, mas também da sobrepesca. De acordo com Cintia Miyaji, da Associação Brasileira pela Pesca Sustentável (ABPS), “as previsões mais catastróficas dizem que em 2048 acabarão todas as possibilidades de pesca comercial no mundo”.
Ela apontou também a grande quantidade de pescado capturado nos oceanos para a produção de ração destinada a aquicultura: “Para a produção de 1 kg de salmão chileno são retirados 10 kg de peixe do mar”.
Cintia afirmou que a tendência no Brasil, a exemplo do que ocorre no resto do mundo, sobretudo na China e países do sudoeste asiático, é a estagnação da pesca selvagem e o crescimento da aquicultura. “Mas a situação da pesca no Brasil é mais triste, calamitosa. E não há dados desde 2008.”
Além da sobrepesca, seja para consumo ou produção de razão, as espécies nativas também sobre o impacto das espécies invasoras. Elas são a segunda maior causa da “redução da biodiversidade, depois da degradação ambiental, explicou Marcelo Kitahara, da Unifesp. “Elas causam prejuízo anual de US$ 300 bilhões em todo o mundo.”
Kitahara exemplificou com os danos causados pelo coral sol, originário das Ilhas Galápagos e de Bora Bora, e com primeiro registro no litoral brasileiro em 1980. Ele disse que as duas espécies desse tipo de coral levam à diminuição da biomassa disponível para as espécies nativas. “Nos lugares onde há saturação, as colônias começam a cair do costão e se depositam na areia, alterando o substrato e a paisagem marinha.”
Lixo plástico
E se não bastassem as mudanças climáticas, a sobrepesca e as espécies invasoras, os oceanos ainda padecem de serem o destino de imensa quantidade de lixo, principalmente plásticos.
"Áreas Marinhas Protegidas: Desafios e Perspectivas": as ações governamentais e não governamentais |
Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, explicou que 80% do lixo tem origem terrestre e 20% são produzidos no próprio mar (restos de redes de pescas, saco de lixos e outros dejetos). “Cerca de 90% do lixo é de composição plástica e de origens muito diferentes.”
O lixo oceânico causa um prejuízo de US$ 13 bilhões por ano, afetando a pesca e o turismo e provocando a morte e ferimentos em animais ao ser ingerido ou ao enredá-los, comentou Turra.
Para ele, não há respostas simples sobre quem é o culpado. “A solução deve ser buscada nas diversas cadeias de valor. No entanto, a bem da verdade, o caminho deve ser o combate à pobreza e à desigualdade de renda, para não haver comunidades sem coleta de esgoto e sem tratamento de resíduos.”
Um dos principais temas na mídia atualmente é a presença das microesferas de plástico nas águas. A definição atual para elas é a de fragmentos de plástico com tamanho menor de 5 mm de diâmetro. Estão presentes inclusive em cosméticos. De um total de 79 mil toneladas de plástico flutuante no pacífico norte, distribuídas em 1,8 trilhão de pedaços, as microesferas respondem por 84% da massa total e 94% da quantidade, segundo Turra.
Letícia Reis de Carvalho, diretora de Qualidade Ambiental na Indústria do MMA, manifestou que algumas substâncias não deveriam ser colocadas no mercado, “pois ficam incontroláveis”. Para ela, a indústria tem papel imprescindível na resolução do problema.
Para Miguel Bahiense, presidente da Instituto Plastivida, vinculado à indústria de plásticos, “os plásticos são uma ferramenta importantíssima para o desenvolvimento sustentável”. A solução para o problema do lixo, não é o banimento de produtos de plástico, mas o consumo consciente, reuso, correta destinação de recicláveis, coleta seletiva e preparação da indústria para a reciclagem.
“Temos de passar para a sociedade o que está acontecendo, pois 99% dos brasileiros conhecem o lixo presente na praia, mas desconhecem o problema do lixo no mar”, comentou Régis Pinto de Lima. Ele disse que o MMA “começou a engatinhar no assunto” em 2015. “Em 2016, participamos de encontro a convite da Alemanha e do G7 e percebemos que o problema deveria ser tratado na gestão costeira, permitindo uma conectividade com aspectos das bacias hidrográficas e a gestão de resíduos sólidos.”
Perspectivas
Diante de um panorama tão negativo, como ficam as áreas marinhas brasileiras que precisam ser protegidas? O seminário dedicou uma de suas mesas justamente para a discussão sobre os desafios que essas áreas enfrentam e quais as perspectivas para elas.
Publicações Durante o seminário foram lançadas três publicações relacionadas com os oceanos: "Glossário de Termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14", produzido pelo grupo assessor do Sistema ONU no Brasil, com apoio da USP, IO-USP, PNDU e Centro Rio+; "Resumo Executivo do Relatório Mundial sobre a Ciência Oceânica", traduzido pela representação da Unesco no Brasil; "Rumos da Sustentabilidade Costeira: Uma Visão do Litoral Norte", de Cláudia Regina dos Santos e Alexander Turra. |
A diretora do Departamento de Proteção de Ecossistemas do MMA, Ana Paula Leite Prates, tratou das perspectivas para a conservação marinha no Brasil. “Já temos legislação, projetos, mobilização e até uma brecha de vontade política, mas há ainda uma lista grande problemas a serem resolvidos, além de todos os desafios globais.”
Ela destacou que o Brasil antes tinha apenas 1,5% de sua Zona Econômica Exclusiva (até 200 milhas do litoral) constituído de unidades de conservação, percentual que agora passou para 27%.
Segundo Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Marinho e Mata Atlântica do WWF-Brasil, estudos nos Estados Unidos indicam que para cada US$ 1 investido na conservação marinha há um retorno econômico de US$ 10. Ela tratou também do aumento do consumo em nível mundial, principalmente na Ásia-Pacífico, onde “3 bilhões de pessoas passaram das classes D e E para as classes B e C, com maior poder aquisitivo”.
O maior consumo torna imperativa a proteção de espécies em risco. “É preciso dar outras opões para que o consumidor pare de comer espécies em risco”. Duas das ações da WWF-Brasil em relação a isso são dialogar com importadores, para que comprem pescado certificado, e com a seccional paulista da Associação Nacional de Bares e Restaurantes, para que adquiram peixes diretamente de pescadores do litoral do Estado.
Fragmentação das políticas
Leandra Gonçalves, pesquisadora de pós-doutorado do IO-USP, afirmou que a governança e os arranjos institucionais para a conservação marinha no Brasil são prejudicados pela grande fragmentação das políticas, elevado nível de incertezas científicas e pouco envolvimento da sociedade.
A mesa "Sugestão para um Mar Sem Lixo" tratou principalmente da imensa quantidade de fragmentos de plástico já presente nos oceanos |
“Condutas, políticas e legislação seguem, em tese, as recomendações presentes nas convenções sobre direitos do mar e sobre estoques pesqueiros migratórios, mas, na prática, a ciência não é muito ouvida na tomada de decisões, onde o poder público e interesses diversos têm pesos diferentes no processo decisório.”
Ela ressaltou que a maioria das políticas ambientais para o mar foram pensadas a partir da experiência em áreas terrestres. “A Política Nacional de Mudança do Clima não menciona a zona costeira e o mar, apenas cita grandes biomas naturais tidos como patrimônio nacional.”
Contra a fragmentação das políticas, torna-se essencial valorizar a conectividade marinha, associando zona costeira, manguezais e a dimensão vertical do mar, da superfície a seu leito, de acordo com Warwick Manfrinato, do Grupo de Pesquisa Amazônia em Transformação: História e Perspectivas do IEA.
Conectividade
Ele detalhou o processo de criação do Programa Conectividade de Paisagens (Conecta) no MMA, do qual foi um dos articuladores, quando estava à frente do Departamento de Áreas Protegidas do ministério. O programa foi instituído pela Portaria MMA nº 75, de 26 de março deste ano. De acordo com o ato do ministério:
“O programa a ser implementado tem como objetivo central promover a integração de políticas públicas que propiciem a conectividade entre as áreas naturais protegidas e os seus interstícios, visando reduzir os efeitos da mudança do clima sobre a biodiversidade, com ênfase nas condições de adaptabilidade das espécies, bem como assegurar a sustentabilidade dos processos produtivos relacionados, contemplando questões afetas ao clima, água, florestas, aspectos socioambientais, econômicos e culturais.”
Em razão dos vários fatores envolvidos nas áreas a serem conectadas, inclusive aspectos de soberania nacional, foi preciso reunir quatro ministérios nas discussões: Meio Ambiente; Defesa; Relações Exteriores; e Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
“Tentamos abranger o máximo de questões possíveis, inclusive as marinhas, além de lacunas no Código Florestal e aspectos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”. No entanto, "em 90% do tempo, as 25 pessoas envolvidas no trabalho acabam tratando de questões territoriais".