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Os desafios à interdisciplinaridade

por Mauro Bellesa - publicado 30/07/2015 16:45 - última modificação 01/02/2016 11:47

O sociólogo Peter Weingart, do Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Bielefeld, Alemanha, fez a conferência "Interdisciplinaridade e a Nova Governança das Universidades" no dia 28 de julho.
Peter Weingart
O sociólogo alemão Peter Weingart defende a reestruturação
organizacional das universidades como condição
essencial para o sucesso das pesquisas interdisciplinares

Algumas universidades no exterior têm adotado novas configurações organizacionais para atender às peculiaridades da pesquisa interdisciplinar. Mais do que necessária, essa reestruturação é condição essencial para que se concretize o modelo interdisciplinar, segundo o sociólogo alemão Peter Weingart.

Ele é conselheiro e já foi diretor do Centro de Pesquisa Interdisciplinar (ZiF, na sigla em alemão) da Universidade de Bielefeld, Alemanha. O ZiF é um dos parceiros do IEA na rede Ubias (University-Based Institutes for Advanced Study).

Para ele, além da adoção de novas formas de organização de pesquisadores, disciplinas e unidades de ensino e pesquisa, a interdisciplinaridade exige uma sólida base epistemológica: “Sem as boas razões internas ao desenvolvimento da ciência e sem a disposição de tratar de problemas externos às áreas específicas, ela não é bem-sucedida”.

Weingart fez essas observações na conferência Interdisciplinaridade e Nova Governança das Universidades, que proferiu no IEA no dia 28 de julho.

Para o sociólogo, “a interdisciplinaridade está na moda no mundo acadêmico há mais de 20 anos, com as agências de fomento à pesquisa de cada país promovendo-a com uma meta a ser alcançada, mas, até recentemente, o termo era vazio de significado”.

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Tipos e formas de realização

Weingart disse que no período em que dirigiu o ZiF (1989 a 1994), o centro classificava as relações interdisciplinares em dois tipos: as pequenas, quando, por exemplo, matemáticos e físicos se unem, pois “eles conseguem se entender com certa facilidade”; e as grandes, como no caso em que um biólogo e um sociólogo discutem os fundamentos biológicos da cultura, tendo de superar diferenças maiores entre as disciplinas.

Ele vê também duas maneiras na forma como a interdisciplinaridade se realiza. Uma delas é a combinação de disciplinas, resultando em uma área como biofísica. “No entanto, não leva muito tempo para que a nova área se torne uma especialização, com a mesma dinâmica e formato tradicionais das disciplinas: proteção ‘territorial’, demarcação em relação a áreas externas e internalização da comunicação, caracterizada pela interação entre pares com ideias e posturas semelhantes.”

A outra forma de concretização da interdisciplinaridade é “a orientada por uma demanda externa às disciplinas, geralmente política”. Um exemplo disso é a pesquisa ambiental, segundo Weigart, que “até hoje não teve êxito em se tornar uma disciplina, pois é constituída por um conglomerado de diferentes disciplinas que cooperam entre si”.

De acordo com o sociólogo, esses dois tipos de interdisciplinaridade podem enfrentar resistências nas universidades, pois enfrentam departamentos bem estabelecidos e com os quais competem por verbas. “Os departamentos são grupos de interesse e, evidentemente, os mais fortes alegam que apenas eles são capazes de julgar a qualidade e a competência dos pesquisadores ingressantes nas unidades e institutos das universidades.”

Experiências

Weingart citou a Universidade de Siegen, do interior da Alemanha, como exemplo de universidade que quer se distanciar do modelo departamental, em busca da interdisciplinaridade. Ele reconhece, no entanto, que o exemplo não é tão persuasivo, por se tratar de uma universidade pequena e de pouco expressão.

“A universidade reagrupou seus 12 antigos departamentos em quatro escolas, que, apesar da manutenção da estrutura de disciplinas, trabalham em função de temas surgidos externamente a elas.”

Um exemplo mais radical citado por Weingart é o da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos: “Como a universidade não consegue alcançar o grupo de elite das instituições americanas, o reitor Michael Crow resolveu seguir um caminho diferente e adotou uma estratégia que ele chama de ‘empreendedorismo científico’: dissolveu todos os departamentos e criou uma mistura entre as áreas completamente nova, interdisciplinar”.

Demanda pública

Weingart ressaltou que a euforia pela pesquisa interdisciplinar pode ser justificada também politicamente, com a pesquisa sendo responsiva a questões externas à universidade, atendendo às demandas públicas e prestando contas aos contribuintes. “É melhor que a ciência faça coisas que são valorizadas pela sociedade do que fazer apenas aquilo que é valorizado pelos cientistas”, completou.

Mesmo com todas as transformações em direção a interdisciplinaridade, ele alerta que “a democratização da ciência não é algo que vai abolir a especialização que temos visto ocorrer nos últimos dois séculos.

“A evolução da ciência depende de uma especialização cada vez maior, de uma penetração cada vez maior, de um aprofundamento em terrenos não explorados, mas a pergunta que devemos fazer é se as disciplinas no modelo como elas foram criadas no início do século 19 marcam o fim de sua história ou se é possível que algo diferente as substitua.”

Conferência de Peter Weingart
As ideias apresentadas por Peter Weingart
suscitaram diversas perguntas do público

DEBATE

As afirmações de Weingart provocaram várias perguntas do público presente na Sala de Evento do IEA ou que assistiram a conferência pela internet.

O debate foi iniciado com pergunta do diretor do IEA, Martin Grossmann, que quis saber a opinião do sociólogo sobre o papel dos institutos de estudos avançados na ampliação da interdisciplinaridade nas universidades.

Weingart disse que há vários entendimentos sobre o que os IEAs devem fazer e um deles é de que esse tipo de instituto deve se basear na reunião de mentes brilhantes. Para ele, na atualidade ninguém acredita mais que isso seja suficiente: “É ótimo ter essas pessoas trabalhando num mesmo local, mas isso funciona até certo ponto, além de ser uma solução luxuosa, só para quem têm uma verba elevada; se não tiver esse dinheiro, o melhor é pensar em soluções sistêmicas”.

Na opinião dele, o primeiro passo para o estabelecimento de um IEA é garantir que ele tenha orçamento e postos de pesquisa próprios, podendo contratar quem desejar. Em termos de atuação, ele acredita que os institutos desse tipo devam identificar temas que não podem ser estudados nos departamentos e também refletir sobre as relações da produção científica com outras esferas da vida social.

O diretor do Instituto de Biociências (IB) da USP, Gilberto Fernando Xavier, perguntou a Weingart se a dificuldade para o estabelecimento de grupos interdisciplinares num ambiente competitivo não seria mais um problema sociológico do que organizacional, “pois para a criação de um grupo assim é preciso haver confiança e uma atitude cooperativa entre as pessoas”.

Weingart respondeu que essa dificuldade não é tanto um problema sociológico, mas sim psicológico: “Muitos acadêmicos têm medo e buscam segurança; pessoas assim não são bons parceiros nesses grupos, que exigem pesquisadores resilientes o suficiente para sentar com alguém e fazer perguntas bobas, por saberem que as perguntas bobas precisam ser feitas, que eles precisam aprender, começar do zero”.

Carlos Graeff Teixeira, da Faculdade de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, enviou pergunta por email na qual indagou como os administradores de universidades podem identificar programas sociais relevantes e se são necessários grupos especiais para realizar essa tarefa.

Segundo Weingart, não há uma receita para identificar problemas da sociedade que mereçam ser pesquisados, mas criar grupos de cientistas sociais dedicados a esse trabalho ou procurar informações em outros locais que se preocupem com isso pode ser um caminho.

Leandro Giatti, da Faculdade de Saúde Pública, disse que vivemos em meio a incertezas e os especialistas não possuem todas as respostas. Ele  perguntou a Weingart se não seria o caso de a sociedade ter maior participação nas discussões empreendidas por cientistas sobre questões sobre as quais pairam muitas incertezas.

De acordo com Weingart, é preciso se distanciar do modelo em que um político pergunta algo para um cientista informado sobre todas as evidências e a questão está resolvida: “Sabemos que os definidores de políticas públicas são muito oportunistas com as evidências científicas, aceitam o que gostam e descartam o resto; e não há como eliminarmos a insegurança do processo, sobrando a alternativa de instituir mecanismos que reduzam os riscos de receber informações ou permitam o adiamento de decisões, em observância ao princípio de precaução”.

Para Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências (IB), questionou Weingart se os sistemas da universidade não precisam de grupos trabalhando de forma interdisciplinar, usando as ferramentas sistêmicas, e, ao mesmo tempo, pessoas fazendo ciência básica, isoladamente, e se não seria o caso de criar melhores conexões entre a ciência básica e a visão sistêmica.

Weingart disse que a noção de sistema é muito diferente em cada contexto e que um ponto em comum, pressuposto pelo trabalho interdisciplinar, estará num patamar acima duas ou três disciplinas conectadas, "será um conjunto de problemas que estão competindo entre si ou tentando se encaixar em achados presentes no que está acima das disciplinas".

Segundo Buckeridge, a USP possui os mecanismos para isso mas há o problema da linguagem entre diferentes áreas e a consequente necessidade de “tradutores” (não pessoas, mas mecanismos de facilitação do entendimento).

Weingart disse que a especialização é a base de referência e isso implica em linguagens altamente especializadas: “Seria impossível usar ‘tradutores’ que tornassem cada disciplina traduzível; o melhor seria que diferentes disciplinas atacassem um problema específico com a ajuda de um ‘tradutor””. Buckeridge citou como exemplo desse trabalho de “tradução” os livros de divulgação científica que muitos cientistas americanos e britânicos produzem. Weingart concordou que esse é um dos mecanismos possíveis.

Sílvio Salinas, do Instituto de Física (IF) da USP e ex-conselheiro do IEA, manifestou que os departamentos da USP são fortes, bem estabelecidos e produtivos e que considera mais importante a preocupação com a formação abrangente dos graduandos.

Weingart respondeu que com o crescimento do conteúdo das disciplinas fica impossível saber de tudo. Na opinião do sociólogo, há uma tendência de crescimento dos currículos de todas as disciplinas, por isso “precisamos de um processo constante de repensar os currículos e decidir que competências são absolutamente cruciais e quais devem ser abandonadas".

Durante o debate, a diretora da Escola de Artes, Ciências  e Humanidades (EACH) da USP, Maria Cristina Motta de Toledo, que assistia o evento pela internet, encaminhou convite a Weingart para que numa próxima visita a São Paulo conhecesse a escola, que possui caráter interdisciplinar, não departamental, com cursos de graduação baseados em temas e atividades integrados e o primeiro ano funcionando como um ciclo básico comum a todos os cursos.

Fotos: Leonor Calazans/IEA-USP