Os desafios das ações afirmativas como meio de igualdade e diversidade no ambiente acadêmico
Pesquisadores brasileiros e norte-americanos se reuniram em evento no dia 16 de agosto para apresentar alguns exemplos e desafios da proteção da saúde mental e promoção do sucesso acadêmico de estudantes pertencentes a populações historicamente marginalizadas que ingressam no ensino superior.
A Clínica de Direitos Humanos das Mulheres da USP exibiu um relatório sobre aborto legal, feito em parceria com a Clooney Foundation for Justice. Houve ainda um levantamento junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) sobre o trabalho das comissões de heteroidentificação racial de candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. O projeto Limites e possibilidades para o bem viver de estudantes negros em instituições de ensino superior, estudo de caso da USP, trouxe possibilidades de pensar o bem-estar subjetivo. “É uma pesquisa articulada com gestão acadêmica, visando contribuir para a governança universitária”, explicou Alessandro de Oliveira dos Santos do Grupo de Pesquisa Psicologia e Relações Étnico-raciais do Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Todas essas iniciativas integraram o evento Diversity, Mental Health and Affirmative Action in Universities (Diversidade, Saúde Mental e Ação Afirmativa nas Universidades), promovido pelo IEA. O seminário foi organizado pelo Grupo de Pesquisa das Periferias (nPeriferias) do IEA, coordenado pela professora Gislene Aparecida dos Santos, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e da Faculdade de Direito, ambas da USP.
Segundo Cássia Virgínia Bastos Maciel, da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assuntos Estudantis da Universidade Federal da Bahia, a consolidação das ações afirmativas “é assunto estratégico, transversal, debatido coletivamente no Plano de Desenvolvimento Institucional da UFBA”. Em relação ao cenário nacional, Cássia traçou um panorama a partir da legislação, do Estatuto da Igualdade Racial de 2010, do Plano Nacional de Assistência Estudantil, da Lei 12.711 de 2012 até o Estatuto da Juventude de 2013, que prevê o acesso e a permanência no ensino superior público como um direito. Como desafio, colocou o impasse sobre as noções de raça e classe no Brasil para avançar com políticas para a população negra.
Para Maria Aparecida da Silva Bento, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), as ações afirmativas são uma forma de assegurar que a universidade dialogue com a sociedade que a sustenta. “Sustentamos as universidades, mas essas instituições não foram pensadas para a diversidade e pluralidade da população que compõe nosso país”, afirmou. “A desigualdade está justificada por um pretenso sistema meritocrático e o que vem incomodando nas ações afirmativas é que elas estão mudando a cara da Universidade, pois chegam hoje à academia aqueles que nunca foram pensados para estar nela”.
O professor e ativista antirracista, Juarez Tadeu de Paula Xavier, da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista, ressaltou a importância não só do acesso, mas da permanência estudantil de grupos diversos no ambiente acadêmico. Destacou os trabalhos desenvolvidos no âmbito da Unesp [a primeira das três estaduais paulistas a adotar as políticas de ação afirmativa], quando foi presidente da Comissão Central de Averiguação das autodeclarações de pretos e pardos ingressantes por meio de aprovação no exame vestibular, entre os anos de 2016 e 2020. “Em um processo longo e intenso de trabalho houve 53 alunos expulsos e 320 desligados”, disse.
No mesmo período, Xavier coordenou o projeto educativo Educando para a Diversidade com o objetivo de detectar áreas de crise. Com base na iniciativa, foi criada a Coordenadoria de Ações Afirmativas Diversidade e Equidade (CAADI), voltada ao enfrentamento e prevenção a todas as formas de violência na Unesp. “Esse projeto tem sido pontualmente bem-sucedido”, relata. Atualmente, Juarez Xavier é presidente da Coordenação da Comissão Permanente de Permanência Estudantil. “Há um clima de sofrimento mental e de suicídio de jovens negros na Universidade”.
O professor diz que é preciso evoluir para a chamada “diversidade epistêmica”. “Fizemos um estudo recente sobre a bibliografia dos nossos programas. É vergonhoso: 80% são homens brancos, europeus e americanos. Não tem mulher, não tem indígena, não tem negro”, apontou. “Se quisermos avançar, precisamos construir um projeto que desmonte o estado patriarcal segregacionista supremacista branco brasileiro e assegurar uma abordagem interseccional nas políticas desenvolvidas na universidade, ocupando seus espaços deliberativos”.
Bem viver USP
Analisar e descrever os limites e as possibilidades para o bem viver de estudantes negros no ambiente acadêmico, como lidam com as situações de preconceito e discriminação vividas neste ambiente e o suporte oferecido por suas famílias para garantia de bem-estar e em relação à continuidade dos estudos. Essas preocupações fizeram parte do projeto Limites e possibilidades para o bem viver de estudantes negros em instituições de ensino superior do Grupo de Pesquisa “Bem viver USP”.
A pesquisa teve sua primeira fase realizada entre junho e setembro de 2020 com 634 alunos dos cursos de graduação ou pós-graduação, considerando brancos, asiáticos e negros. Por meio de questionários, foram levantados o perfil sociodemográfico, o acesso ou não aos auxílios e serviços voltados para a permanência na universidade. Os pesquisadores aplicaram a escala de bem-estar subjetivo para medir a qualidade de vida dos estudantes: os alunos negros e mais pobres tiveram a menor pontuação na escala de bem-estar.
Foram feitas entrevistas com esses estudantes identificados na etapa anterior, levantando aspectos relacionados a sentimentos [positivos e negativos] e situações de satisfação ou de estresse em relação à universidade. “Na próxima fase vamos criar grupos focais para perceber o que é possível emergir a respeito de temas como o papel da universidade e da família enquanto rede de suporte social e saber o quanto o ambiente universitário é favorecedor ou não de uma sensação de pertencimento”, diz o professor Alessandro dos Santos.
Segundo o pesquisador Carlos Vinícius Gomes Melo, a medida que as universidades passaram a utilizar mais amplamente algum sistema de incentivo em seus processos seletivos, uma janela para a discriminação implícita e explícita acabou se abrindo. “Esse cenário hostil de racismo impacta na autoestima, nas realizações acadêmicas, no bem-estar dos alunos negros, aumenta sua ansiedade e capacidade de memória”, avalia. Um dos dados do estudo revelou que aqueles vindos da periferia e que usam transporte público precisam de mais tempo de viagem para chegarem aos campi: gastam em média três horas entre ida e volta para casa. “Vimos, ainda, a prevalência de fatores de afeto e sentimentos negativos na maior parte do tempo”.
De acordo com Mariana Martha de Cerqueira Silva do Grupo de Pesquisa Psicologia e Relações Étnico-raciais, “a USP foi identificada como um espaço hegemonicamente branco e intimidador enquanto ambiente acadêmico”. Por outro lado, entidades e coletivos estudantis, são vistos de forma positiva pelos entrevistados. “Além disso, serviços psicológicos e psiquiátricos ajudam a lidar com sentimentos de tristeza, baixa autoestima e fragilidade intelectual”. Mariana diz que a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP, que coordena ações voltadas para as políticas afirmativas e de permanência, representa um avanço, mas ainda há desafios quando se fala sobre o sucesso de acadêmicos negros na Universidade.
Direitos Humanos das Mulheres
Segundo dados demográficos da USP de 2021, 197 professores são considerados amarelos ou asiáticos, 4.740 autodeclarados brancos, 94 pardos ou miscigenados, 25 negros e apenas um professor indígena. “Essa proporção irá se manter por muito tempo, caso não haja políticas muito incisivas para alterar esse quadro”, reflete Gislene. “Somos aquelas pessoas que recebem os estudantes negros na universidade, muitas vezes sem nenhum suporte, e temos que dar conta do nosso trabalho e da demanda trazida por esses alunos”.
Alunos de pós-graduação de direitos humanos da USP apresentaram os trabalhos da Clínica de Direitos Humanos das Mulheres da USP, além de um relatório sobre aborto legal, feito em parceria com a Clooney Foundation for Justice, organização de direitos humanos fundada por Amal e George Clooney. “É um projeto ambicioso que tem como meta discutir, especificamente, casos nos quais mulheres negras aparecem como rés ou como demandantes de justiça, nos permitindo verificar como os juízes mobilizam esses casos”, conta a professora. “Temos dados que indicam um tratamento excessivamente cruel, discriminatório, abusivo em relação às mulheres negras”.
Divulgado recentemente, o relatório sobre a atuação do judiciário brasileiro em processos de auto aborto foi feito com base em 167 decisões judiciais de 12 diferentes estados brasileiros, considerando os mais populosos e os menos populosos de cada região, além de decisões provenientes do Supremo Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal Federal. “Entre os principais achados, constatamos que mulheres negras e pobres são as principais alcançadas pela criminalização do aborto”, informa Patrícia Oliveira de Carvalho, mestranda na Faculdade de Direito da USP.
Trata-se de um trabalho referenciado em pedagogias críticas e feministas que defendem a produção de conhecimento por meio de um diálogo horizontal. “A gente se vale de abordagens teórico-metodológicas interseccionais que privilegiam a crítica às estruturas de opressão racial, de cor, etnia, deficiência de gênero e abordagens interdisciplinares na área do direito e também na área da gestão de políticas públicas”.
Patrícia explica que outra frente de atuação da clínica é a assessoria jurídica. Por meio de um formulário eletrônico no site é possível tirar dúvidas. Dados sobre o perfil das atendidas mostram que 53% trouxeram dúvidas relacionadas ao direito da família, 60% já tinham buscado determinada orientação em outro lugar [sendo que 90% desse universo não conseguiram obter uma resposta anterior], 98% se identificaram com o gênero feminino, 55% se auto declararam como brancas, 33% declararam não ter renda, outros 20% declarou renda de até um salário mínimo, 37% declararam ter ensino superior completo e 23% declararam ter ensino médio completo.
Como o serviço estava sendo procurado por mulheres com mais acesso à educação, a equipe resolveu reunir líderes comunitárias de territórios diversos para desenhar formas de parcerias. A partir do mapeamento de temas mais recorrentes no cotidiano, foram produzidas cartilhas e podcasts. Houve ainda encontros semanais com um grupo constituído inicialmente por alunas do ensino médio selecionadas através de um sistema de pontos, considerando raça, renda e território. As reuniões ocorreram por um período de um ano e serviram para debater assuntos trazidos pelas próprias participantes, como direitos humanos, violência doméstica e população lgbtqia+.
Educação Inclusiva
Por videoconferência, a ativista e pesquisadora dos direitos das mulheres com deficiência, Thaís Becker Henriques Silveira, que é cadeirante, trouxe uma perspectiva de abordagem a partir de sua experiência de vida. “Quando ingressei como mestranda na Faculdade de Direito da USP, no primeiro dia de aula, ao entrar no prédio, não tinha elevador e precisei ser carregada escada acima por diferentes pessoas”, relata. “Cheguei na sala de aula e todas as pessoas estavam comentando o fato da universidade não ser acessível, discutindo a possibilidade de mudarmos para outro espaço.”
Dados do censo demográfico de 2010 (IBGE) indicam que 23,9% da população brasileira é de pessoas com deficiência. Dentre as mulheres negras e indígenas, esse percentual chega a 30,9% e 21,8%, respectivamente. Enquanto 10,44% sem deficiência teriam ingressado no ensino superior, apenas 6,7% das portadoras conseguiram o ingresso.
Outro percentual que chama atenção é o de pessoas que ficaram sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto: 38,2% de pessoas sem deficiência e 61,1% de pessoas com deficiência não teriam tido acesso ao ensino fundamental completo. “Esse é um dado que importa e que indica a imposição de barreiras desde o início da formação do acesso à educação”, afirma Thaís, levantando a questão: O que leva a essa diferença?
A pesquisadora diz que a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência (2015) é importante para a proteção dos direitos, mas para garantir de fato a inclusão é preciso superar barreiras – atitudinais, informacionais, comunicacionais, arquitetônicas, nos transportes – elencadas na própria lei e também aquelas trazidas pelo movimento político e social de pessoas com deficiência.
“Precisamos pensar urgentemente no acesso à educação escolar inclusiva de base, pois se as pessoas com deficiência não conseguem acessar o ensino fundamental como mostra o IBGE, tão pouco chegarão no ensino superior”. Citou ainda o Decreto Federal 10.502/2020, que prevê a matrícula de crianças e adolescentes com deficiência em classes e instituições especializadas, para argumentar que o decreto vai na contramão de pesquisas nacionais e internacionais, que apontam os benefícios que a Educação Inclusiva traz às pessoas com e sem deficiência.
Políticas de incentivo
As políticas de incentivo ou “cotas”, como ficaram conhecidas, são estratégias de acesso que visam promover a igualdade de oportunidades em países com populações historicamente marginalizadas. Vinicius Conceição Silva Silva, defensor público do Estado de São Paulo com experiência de atuação na área racial e LGBTI, conta que os estudos sobre o tema são recentes e começam a se multiplicar, principalmente a partir de 2008, quando universidades públicas e privadas passaram a utilizar mais amplamente algum sistema de incentivo em seus processos seletivos.
“Ainda permanece no imaginário social que as ‘cotas’ são políticas destinadas para negros, mas na verdade, no Brasil, pelo menos nas instituições federais de ensino superior, as cotas são socioeconômicas. Boa parte da população branca também é beneficiária delas, o que muitas vezes não é visibilizado”.
Para Vinícius, o desafio é garantir a efetividade das cotas para as pessoas negras. “A discussão sobre o controle das declarações raciais está associada a uma branquitude que ainda vê a universidade como um lugar de propriedade, de privilégio e que perdeu o debate público e jurídico da implementação das ‘cotas’ e que se articula novamente trazendo a questão da miscigenação racial para evitar o enegrecimento da universidade”.
De acordo com Vinícius, dados mostram que das 69 instituições federais de ensino superior, 65 já adotam as comissões de heteroidentificação racial dos candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. “É um processo que tem ganhado legitimidade no Poder Judiciário”.
O pesquisador realizou um levantamento sobre o trabalho dessas comissões no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Foram 130 acórdãos (decisões dadas por um colegiado) analisados de 2013 a 2022, mostrando que o TJSP tem de fato referendado as decisões das comissões de identificação. “A efetividade das cotas é um tema que a gente não tem como abrir mão em respeito à luta histórica do movimento social negro, que trouxe a implementação dessa política pública tão importante para o país e que mudou a vida de muitas pessoas negras que puderam ingressar na universidade”.
Processos democráticos
O ex-secretário adjunto de Defesa do Pentágono e ex-reitor da LBJ School of Public Affairs da Universidade do Texas (EUA), Edwin Dorn, citou o fato de que, pela primeira vez na história dos EUA, o candidato que perdeu a presidência se recusou a aceitar o resultado das eleições, recebendo apoio de parte de seus eleitores. “Isso é muito preocupante, mas a rejeição do resultado dessas últimas eleições é parte de uma longa tradição de práticas antidemocráticas nos Estados Unidos”.
Dorn disse que, em 240 anos de história, seu país teve oportunidades para afirmar seu compromisso com a democracia e igualdade de direitos, da Constituição de 1787, Guerra Civil Americana de 1861 a 1865, a Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965.
“Alguns setores da nossa Constituição preservam e protegem a instituição da escravidão. Essa situação não mudou fundamentalmente”, ressaltou Dorn, explicando que imediatamente, depois da Guerra Civil, dezenas de escravos recém-libertados foram eleitos para cargos políticos, mas houve uma revolta e em dez anos todas as promessas de igualdade que garantiam proteção e direitos civis iguais a todos os cidadãos foram basicamente jogadas fora. “A doutrina jurídica ‘Separado, mas igual’ permitiu que a discriminação e a segregação raciais se tornassem as leis da terra”.
Dorn diz que durante a eleição presidencial americana de 2016, que elegeu Trump, muitos dos votantes revelavam que “preferiam ver um homem ignorante e corrupto branco na Casa Branca do que um homem inteligente e negro”. “Essa é a luta na qual estamos hoje e é um tanto assustador, porque a maioria dos republicanos acredita que o resultado das eleições foi um engano. É uma instância em que os fatos não importam”.
Segundo ele, “o Brasil e os Estados Unidos tomaram caminhos diferentes para desenvolver políticas sobre raça, mas ainda produzem resultados em que brancos têm maior poder, maior status econômico do que negros e pardos”.
Grupos marginalizados
Sharon Davies, da Fundação Kettering, apresentou a conferência Democracia, diversidade e luta por justiça. Sharon foi reitora e vice-presidente sênior de Assuntos Acadêmicos do Spelman College, uma faculdade historicamente negra para mulheres, em Atlanta. Sharon disse que ao invés de “ação afirmativa” ela tende a usar a expressão “admissões e práticas conscientes sobre a raça”.
“Nos Estados Unidos ‘ação afirmativa’ tem sido cooptada por críticos, detratores e inimigos dessa iniciativa de maneira muito bem-sucedida”, ponderou. “Esses críticos têm dito desde o início que as ‘ações afirmativas’ são injustas porque constituem basicamente uma preferência racial e discrimina uma raça pela vantagem de outra raça”.
Davis explica que as ações afirmativas foram introduzidas nos Estados Unidos na década de 1960, no auge do movimento pelos direitos civis. “Ao longo da história do país, o tratamento preferencial baseado em raça nunca se deu favorecendo os negros, mas sim o oposto”.
Davis contou sobre um episódio controverso quando, em 1978, um desafio às ações afirmativas foi trazido por Allan Bakke, um homem branco que se candidatou à Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia-Davis, onde 16 das 100 vagas eram reservadas para as minorias ou estudantes não brancos. “Ele [Bakke] achou a medida injusta e a chamou de discriminação”.
A Suprema Corte dos EUA considerou essa “cota” inconstitucional com base na 14ª Emenda da Constituição, que garante “igual proteção das leis”. O candidato branco, Allan Bakke, alegou que não recebeu a mesma proteção que uma pessoa não branca, e a Suprema Corte concordou com ele. “Bakke estava dizendo: ‘essa ação afirmativa está favorecendo o candidato negro’, mas ele estava ignorando tudo o que tinha sido feito em benefício e que continuava favorecendo os não negros. Não era justo esperar, portanto, que negros e pardos fossem capazes de competir em condição de igualdade”.
Um ano depois, com as cotas proibidas nos EUA, as matrículas de candidatos negros na Universidade do Texas caíram 90%, de 38 para 4, e de americanos de ascendência mexicana, quase 60%, de 64 para 26. Para tentar conter as perdas explica que foi criado o Plano “Top Ten Percent” [Dez Por Cento Melhores]. O programa oferecia admissão automática em qualquer universidade estadual do Texas para quem se formasse entre os dez melhores de uma turma de formandos do ensino médio do Texas.
“Havia um certo número de escolas do ensino médio no Texas, que era essencialmente formado por hispânicos, negros”, relata. “No Texas, estudantes latinos são menos propensos a ir para a faculdade, apesar de sua crescente participação no ensino médio. Como o programa depende do perfil demográfico de cada estado, a maior parte das pesquisas sugere que tal medida não conseguiu dar conta da tarefa de criar a diversidade”.
Davis citou também outro caso envolvendo, em 2003, futuras alunas da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan. Barbara Grutter e Jennifer Gratz alegaram que lhes foi negada a entrada porque a escola deu a certos grupos minoritários uma chance significativamente maior de ingresso. O Tribunal entendeu que políticas de admissão com consciência racial deveriam ser “limitadas no tempo”, com previsão de 25 anos para que o uso de preferências raciais não fosse mais necessário.
Mais recentemente a Suprema Corte dos EUA aceitou um pedido para julgar ação protocolada em 2014 pelo ativista Edward Blum, líder do movimento “Students For Fair Admissions”, o qual considera a política de admissão prejudicial aos estudantes com ascendência asiática, no caso de Harvard, e também aos discentes caucasianos, na Universidade da Carolina do Norte (UNC). Com isso, as universidades de Harvard e UNC reagiram à decisão da Suprema Corte de rever a política que leva em conta a etnia e a cor da pele dos inscritos. “Com base na minha experiência, esse caso provavelmente não vai ser decidido antes de junho de 2023. O Tribunal sempre foi muito dividido sobre qual é a resposta correta. A minha previsão é de que vamos perder essa batalha”.
A programação do evento foi composta de duas mesas-redondas e duas conferências, com os seguintes temas: Mental health and academic success of black university students (Saúde mental e sucesso acadêmico de universitários negros), Academic Diversity and Rights: making changes through of the outsider within (Diversidade Acadêmica e Direitos: fazendo mudanças através do outsider within), Affirmative Action in US universities (Ação Afirmativa em universidades americanas e Democracy, diversity and struggle for justice (Democracia, diversidade e luta por justiça).
O evento teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Grupo de Pesquisa Psicologia e Relações Étnico-Raciais da USP. A abertura do evento também contou com a presença de Roseli de Deus Lopes, vice-diretora do IEA.