Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Perspectivas para a COP 20

Perspectivas para a COP 20

por Flávia Dourado - publicado 08/12/2014 16:05 - última modificação 03/08/2018 17:09

"COP 20: O Que Podemos Esperar?" foi o tema do debate que o Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA realizou no dia 26 de novembro, para discutir as expectativas em torno da 20ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 20), que acontece desde o dia 1º de dezembro em Lima, Peru.
Cop - 20 - Pedro Jacobi
Pedro Jacobi: "Há um grau de ceticismo no ar"

Com o objetivo de fazer avançar as negociações rumo a um novo acordo climático mundial a ser assinado em Paris, França, em 2015, a 20ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP 20) acontece em meio a um misto de ceticismo e esperança. Realizado em Lima, Peru, o evento teve início em 1º dezembro e será encerrado no próximo dia 12, quando se espera o anúncio de um rascunho preliminar do documento.

Embora muitos especialistas apostem na indisposição das principais lideranças mundiais para transpor os desafios e barreiras que dificultam o processo de negociação, um recente acordo entre China e EUA voltado para a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa reacenderam as expectativas de um pacto global.

Relacionado

Para discutir as possibilidades reais de a COP 20 resultar no esboço de um novo acordo climático, que envolva a adoção de medidas de mitigação a partir de agora, o Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA realizou o debate COP 20: O Que Podemos Esperar? no dia 26 de novembro.

Organizado com o apoio do Núcleo de Apoio à Pesquisa - Mudanças Climáticas, o  encontro contou com a participação de Eduardo Felipe Pérez Matias, sócio responsável pelas áreas empresarial, internacional e de sustentabilidade da Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados; Wagner Costa Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do grupo de pesquisa; e Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil e responsável pela campanha de energias renováveis da ONG. As exposições dos debatedores foram moderadas por Pedro Jacobi, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP e coordenador do grupo.

CETICISMO

"Há um grau de ceticismo no ar; a Conferência não tem sido muito divulgada pela mídia", afirmou Jacobi na abertura do encontro. Para ele, o acordo entre China e EUA, duas grandes economias responsáveis por altas taxas de emissão, sugere a possibilidade de um acordo global, embora o cenário também aponte para o estabelecimento de acordos segmentados, envolvendo agrupamentos de países.

O moderador destacou que o desenrolar da COP 20 será definido pela forma como os atores se posicionarem e negociarem as assimetrias das nações num contexto de "desconcerto global", marcado pela combinação de crise ambiental com uma crise econômica.

Jacobi ressaltou, ainda, que o Brasil deu sinais de que tentará romper com a tendência equalizadora de cobrar dos países em desenvolvimento os mesmos compromissos dos países desenvolvidos. A delegação brasileira defenderá, assim, a manutenção da diferenciação das metas de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa para cada grupo, conforme prevê o acordo atual, e proporá que as metas sejam proporcionais à responsabilidade de cada nação no total de gases emitidos.

O DESAFIO DO CONSENSO

Matias lembrou que a COP 20 vem sendo vista como uma conferência de transição para a COP 21, a ser realizada em dezembro de 2015 em Paris, França. Para ele, trata-se, portanto, da última grande parada antes da assinatura de um possível acordo global.

O advogado apontou dois grandes entraves para a elaboração de um documento abrangente e efetivo: a dificuldade de se chegar a um consenso sobre os termos a serem acordados, e a fragilidade dos acordos que chegam a ser assinados.

Cop-20 - Eduardo Felipe Pérez Matias
Eduardo Matias: "Os países vão optar sempre
pelo mínimo denominador comum, que não é suficiente"

De acordo com ele, os membros dos corpos diplomáticos vão para as convenções com o objetivo máximo de chegar a um acordo. A pressão para viabilizar um produto final que acomode os diferentes interesses envolvidos - muitas vezes divergentes - leva à diluição da linguagem, o que resulta em textos vazios, com múltiplas possibilidades de interpretação.

Além disso, os acordos carecem de sanções, algo que também está ligado a prevalência dessa linguagem diluída. "Os países, principalmente aqueles que teriam dificuldade de cumprir o futuro acordo, pressionam para que o documento tenha brechas ou mecanismos fracos de sanção. E, quando há sanção, se recusam a aderir ao acordo, que deixa de ser universal", comentou.

Para Matias, a ausência ou fragilidade das sanções faz com que os acordos ambientais percam força, já que consistem em instrumentos de regulação multilaterais, nos quais o descumprimento por parte de um país afeta todo o planeta. Ele observou que, no caso particular das mudanças climáticas, existe uma interdependência muito grandes entre as partes e uma série de interesses envolvidos, muitas vezes contraditórios. "Os países vão optar sempre pelo mínimo denominador comum, que não é suficiente", disse.

ACORDOS SEGMENTADOS

Diante do cenário que se coloca, Matias sugere três desdobramentos possíveis para a COP-20. No primeiro, cada país apresenta os compromissos que está disposto a assumir e, a partir disso, são estabelecidas metas globais. No segundo, as partes focam mais na implementação de medidas — isto é, nos meios para atingir os objetivos — que em promessas abstratas e difíceis de serem colocadas em prática. E, no terceiro, grupos mais restritos de países reúnem-se, segundo suas afinidades, para delinear acordos segmentados.

Para o advogado, a formação desses "clubes" possibilitaria a elaboração de pactos mais avançados e profundos, à semelhança do esquema adotado na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), quando uma coalizão formada por um pequeno número de países chegou a um acordo plurilateral. "O país que quer aderir ao clube apresenta o pacote de compromissos que se propõe a assumir, os países-membros avaliam e consentem ou não a adesão."

Na opinião de Matias, a ideia dos clubes apresenta-se como um plano B a ser levado adiante na forma de acordos comerciais de carbono. Neste caso, um grupo de países disposto a enfrentar as mudanças climáticas se comprometeria com medidas mais severas de mitigação e, como recompensa, se beneficiaria da redução recíproca das tarifas de exportação. As nações não-signatárias seriam, então, pressionadas a entrar no clube para não serem submetidas a sanções tarifárias involuntárias e perderem competitividade no comércio internacional.

O G20 foi apontado pelo advogado como um grupo com potencial para formar um "clube" e fazer um acordo comercial de baixo carbono. De acordo com ele, juntos, os países membros totalizam aproximadamente 82% das emissões globais e constituem um fórum de diálogo poderoso. No entanto, advertiu, em função da crise econômica, o "pacote verde" assumido pelo grupo tem surtido pouco efeito na prática. "Apostar no G20 pode ser um tiro no pé", ressalvou.

Menos otimista, Ribeiro afirmou que a ideia dos clubes mencionada por Matias já parece derrotada, uma vez que a COP vem trabalhando há muito tempo a partir da organização de subgrupos de países e, ainda assim, não consegue progredir nas discussões nem garantir a efetividade dos compromissos acordados.

Além disso, ponderou que se trata de uma alternativa arbitrária, pois daria aos países desenvolvidos o poder de decidir os termos dos acordos, uma vez que são eles os mais preparados para assumir metas audaciosas e imediatas de redução de emissões.

LIDERANÇA E MULTIPOLARIDADE

Ribeiro avaliou que a COP 20 acontece num contexto de certeza científica (em relação ao avanço das mudanças climáticas) num quadro de incerteza (em relação à governança ambiental global).

Na opinião do professor, o cenário atual — marcado pelo rearranjo das lideranças internacionais em torno da multipolaridade e pelo surgimento de novos atores em termos de emissões — impõe uma "virada epistemológica paradigmática de reorganização da vida".

Cop - 20 - Wagner Costa Ribeiro
Wagner Ribeiro: "É possível gerar empregos
em atividades para recuperação ambiental e mitigação"

O Brasil, que nos últimos anos vinha se apresentando como um ator disposto a brigar por protagonismo e determinado a influenciar as decisões, deverá ter uma participação cautelosa. Entre os fatores que apontam nessa direção, Ribeiro destacou a fragilidade da política interna brasileira, cujo exemplo mais recente seria a indicação da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), representante dos interesses de um "modelo de agronegócio insustentável", para o Ministério da Agricultura.

"O discurso externo é muito diferente da prática interna. Não fazemos a lição de casa internamente e queremos ter influência externamente, no debate público internacional", disse o professor, ressaltando que a vitrine brasileira está muito exposta a pedradas e que, portanto, o momento não permite protagonismo por parte do Brasil.

A União Europeia (UE), que tradicionalmente lidera o processo de negociação,  comprometendo-se com metas ousadas de redução, passa por uma grave crise econômica e concentra-se em socorrer os países-membros. Segundo o professor, o governo francês até tem tentado colocar-se à frente das negociações, algo que teria ficado nítido na gafe cometida por François Holland, presidente da França, ao minimizar a importância da COP 20 e frisar que as decisões serão tomadas apenas na COP 21, a ser realizada em Paris.

Para Ribeiro, o acordo costurado entre China e EUA seria uma forma de estas duas grandes economias deixarem claro quem dá as cartas, reafirmando a posição de liderança que ocupam. O governo chinês e o norte-americano teriam sinalizado que não estão dispostos a aceitar um acordo para entrar em vigor em 2020, data já preestabelecida, e que pressionarão o adiamento para 2025 ou 2030.

Na avaliação do professor, neste novo prazo não será possível manter o limite de elevação da temperatura do planeta a no máximo 2°. "Haverá muita discussão em torno do prazo", observou, ressaltando que a China, país com índice de emissão per capta maior que a UE, quer ganhar tempo com um acordo para 2030.

PERPSECTIVAS

Ribeiro disse, ainda, duvidar que a COP 20 começará a trabalhar a partir de um "documento zero". De acordo com ele, as negociações entre os países já vêm sendo feitas — como prova o próprio acordo entre China e EUA —, mas não estão sendo divulgadas.

No seu ponto de vista, a questão que se coloca é o quão ambicioso o acordo será, isto é, "o quanto quem não está emitindo ainda poderá emitir, e o quanto quem já está emitindo deverá reduzir". Ele destacou que isso envolve uma dinâmica complexa, uma vez que alguns países precisam cortar as emissões para que outros passem a emitir e com isso, garantam um nível mínimo de desenvolvimento.

Mas o professor enfatizou que, embora seja necessário fazer esse tipo de concessão,  reuniões como a COP deveriam se concentrar mais em pensar novos modelos de desenvolvimento, diferentes do padrão extrativista que marcou o século 20, voltado para o consumismo e o produtivismo convencional. "É possível gerar empregos em atividades para recuperação ambiental e mitigação. Precisamos pensar ações reais, concretas e produtivas, mas esse tipo de proposta não aparece."

REVOLUÇÃO ENERGÉTICA

A exposição de Baitelo centrou-se justamente na discussão de ações efetivas que possibilitem a geração de energia limpa e viabilizem, assim, um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Para ele, somente com a revolução energética, baseada na ampliação do uso de fontes de energia renováveis, será possível enfrentar o desafio de limitar a 2° o aumento da temperatura global até o final do século.

Cop - 20 - Ricardo Baitelo
Ricardo Baitelo: "O Brasil poderia ser o primeiro país
do mundo a ter uma matriz energética 100% renovável"

Baitelo ressaltou que o Brasil reúne as condições necessárias para liderar esse processo de transição por dispor de recursos naturais estratégicos, com potencial para a exploração da energia solar, eólica, biomassa, biodiesel, e para a manutenção da hidroelétrica, que já domina a matriz brasileira. "O Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a ter uma matriz energética 100% renovável", frisou.

No entanto, advertiu, o que se observa é uma elevação dos níveis de emissões de gás carbônico por parte do país, com a adoção de políticas pouco sustentáveis, como o aumento da participação das termoelétricas na geração de energia e a concessão de incentivos fiscais para estimular a compra de carros.

Ele destacou que, como efeito dessa política ambiental interna, o Brasil passará por um pico de emissões na próxima década. E, dessa vez, não poderá usar como justificativa a dependência das atividades ligadas ao uso do solo e à agropecuária, uma vez que houve uma redução nos índices de emissões nesses setores  de 2010 a 2013.

Afirmou, ainda, que isso contribuirá para acirrar ainda mais a perda de protagonismo do país no panorama internacional, que vem ocorrendo desde a COP-15, realizada em 2009, em Copenhagen, Dinamarca.

POTENCIAL BRASILEIRO

Partindo de dados que subsidiaram a redação do relatório "[R]evolução Energética: a Caminho do Desenvolvimento Sustentável", produzido pelo Greenpeace, Baitelo apresentou uma projeção para a matriz energética brasileira em 2050 que considera o aproveitamento do grande potencial de geração de energia renovável no país.

O cenário projetado prevê a eliminação da tecnologia nuclear e dos combustíveis fósseis mais poluentes (carvão, óleo combustível e diesel) para a geração de energia elétrica. O gás natural seria a única fonte fóssil tolerada nesse processo de transição.

Para compensar, haveria um aumento substancial da participação de fontes de energia renováveis alternativas na matriz energética brasileira, sobretudo biomassa (7%), solar (23%) e eólica (21%), que passariam a ser encarregadas de mais da metade da geração de energia no país.

Isso permitiria, também, diversificar as fontes de energia renováveis, diminuindo a participação da hidrelétrica e, consequentemente, a necessidade de instalação de novas usinas, responsáveis por impactos ambientais expressivos.

Segundo Baitelo, com a concretização desse cenário, o Brasil poderia reduzir as emissões de gás carbônico em 60%, passando de 800 milhões de toneladas para 300 milhões.

AGENDA INTERNA

No fechamento do debate, Jacobi apontou alguns dos entraves que sugerem um desfecho pouco resolutivo para a COP 20. O moderador mostrou-se pouco otimista sobretudo ao avaliar as agendas nacionais do Brasil, da China e dos EUA.

Em relação ao caso brasileiro, lembrou que o governo sinaliza para uma política ambiental conservadora, visível em uma distribuição de ministérios entre os partidos dirigida pelo imperativo da governabilidade e no investimento no Pré-Sal, o qual aponta para a exploração de combustíveis fósseis.

Já sobre EUA e China, dois grandes players nas negociações da COP, destacou a expansão do Partido Republicano, a influência dos grandes lobbies de energia no cenário americano e o impacto do baixo custo do carvão no crescimento da economia chinesa.

Além disso, afirmou que as métricas vinculadas ao aquecimento global, expressas em dados estatísticos, são dominadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e por especialistas, mas são pouco compreendidas pela sociedade civil. De acordo com o professor, o problema é que "a questão das mudanças climáticas ainda parece intangível para as pessoas".

Fotos: Sandra Codo/IEA-USP