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Pesquisadora do IEA participa de nova edição de 'Úrsula', obra inaugural da literatura afro-brasileira

por Mauro Bellesa - publicado 28/11/2018 11:50 - última modificação 28/11/2018 12:25

Maria Helena Pereira Toledo Machado, pesquisadora em período sabático no IEA, participa da nova edição do romance "Úrsula", de Maria Firmino dos Reis, obra inaugural da literatura afro-brasileira.

Capa do livro "Úrsula"Considerado o livro inaugural da literatura afro-brasileira, por dar voz e atuação a personagens negras, o romance "Úrsula", da maranhense Maria Firmina dos Reis (1825-1917), publicado em 1859, agora tem edição lançada pela Penguin & Companhia das Letras, com meticuloso estabelecimento do texto feito pela historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP em período sabático no IEA.

O romance figura entre as primeiras obras de autoria feminina do país, segundo Maria Helena, também responsável pela introdução do livro.  A edição conta ainda com cronologia elaborada pelo historiador Flávio dos Santos Gomes, professor do Instituto de História da UFRJ.

O enredo trata do amor entre Tancredo e Úrsula, "jovens puros e altruístas com as vidas marcadas por perdas e decepções familiares, que se apaixonam tão logo o destino os aproxima, mas se deparam com um empecilho para concretizar seu amor", resume Maria Helena.

Edição

Para não descaracterizar a escrita da autora, o estabelecimento do texto teve o cuidado de mantê-lo o mais próximo possível do original, segundo a historiadora. O texto foi cotejado com o fac-símile da primeira edição e apresenta: atualização da grafia, padronização da pontuação indicativa de falas e pensamentos; correção de erros tipográficos e, eventualmente, gramaticais, como concordância e conjugação verbal. "No mais, seguimos as escolhas da autora, preservando a colocação pronominal, a pontuação, assim como a substituição dos topônimos por asteriscos."

Maria Firmina dos Reis

Maria Firmina dos Reis

Nascida em São Luís, na então província do Maranhão, em 1825, filha ilegítima de pai negro, Maria Firmina pertencia a família de poucas posses. Tornou-se professora primária aos 22 anos em outra cidade do Maranhão, Guimarães, onde fora morar aos cinco anos. Lecionou até 1881. Um ano antes de deixar o magistério, criou uma sala mista, fato que chocou setores da comunidade local. Morreu na mesma cidade aos 92 anos. Criou onze crianças, entre adotadas e afilhadas, algumas filhas de escravos.

Seus outros trabalhos literários são o romance indianista “Gupeva” (1861), o conto abolicionista “A Escrava” e vários poemas, publicados em jornais maranhenses. Participou da antologia poética "Parnaso Maranhense"  em 1861 e, dez anos depois, reuniu seus poemas em "Cantos à Beira-Mar".

Maria Firmina também compôs músicas (letras e partituras) e escreveu um diário.

Edições

De acordo com Maria Helena, foi só nos anos 70 do século 20 que o romance e a sua autora começaram a ter visibilidade crescente. Na época, o bibliófilo e colecionador Horácio de Almeida encontrou num lote de livros que comprara um exemplar de "Úrsula".

Com essa redescoberta, foi lançada uma edição fac-similar em 1975, patrocinada pelo governo do Maranhão em comemoração dos 150 anos de nascimento de Maria Firmina. No mesmo ano, o intelectual negro e ativista maranhense José Nascimento Morais Filho publicou o livro "Maria Firmina: Fragmentos de uma Vida", que incluiu minuciosa pesquisa sobre a vida da escritora, as músicas que compôs (letras e partituras) - entre elas, o "Hino à Libertação dos Escravos", de 1888 - e ao "Álbum", compilação de anotações pessoais de Maria Firmina.

"Úrsula" teve outras quatro edições antes da atual: em 1988, por ocasião do Centenário da Abolição, 2004, 2009 (celebrando os 150 anos da primeira edição) e 2017.

Maria Helena Pereira Toledo Machado
Maria Helena: "Firmina foi uma mulher que ultrapassou todas as barreiras raciais, sociais e de gênero"

Tema de pesquisa

Maria Helena comenta na introdução que em meados dos anos 2000, a autora tornou-se tema de pesquisa nos programas de pós-graduação, "adquirindo novas características e dando início a uma notável tendência ascendente" sobre a obra de Maria Firmina. "Desde então, mais de uma dezena de dissertações e teses, provenientes das áreas de literatura, história, sociologia e estudos culturais, foi escrita."

Os estudos dedicados a "Úrsula" destacam o caráter excepcional da construção narrativa proposta pela romancista, afirma a historiadora. "O fato de a autora ter alçado escravizados a personagens que refletem sobre si mesmos, apresentando uma narrativa de suas vidas opressivas, sempre chamou a atenção. A escritora insuflou neles uma consciência que está ausente nas figuras principais do romance."

Maria Helena ressalta que novas pesquisa e abordagens vêm consolidando um lugar único de Maria Firmina na história e na cultura brasileiras: "O de uma mulher que lucidamente ultrapassou todas as barreiras raciais, sociais e de gênero, mostrando ao mundo que mulheres negras e homens negros têm consciência e agência históricas, sendo capazes de, com suas vozes, desfazer as teias da opressão e do silenciamento gerados pela escravidão e pela exclusão."

Fotos (a partir do alto): Biblioteca Pública de São Luís; Leonor Calasans/IEA-USP