As relações entre pobreza e desqualificação social
"O que fazer quando se é pobre, nada mais do que pobre? O que fazer quando não há outro status para definir um indivíduo?" Partindo dessas questões, o sociólogo Serge Paugam, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, França, discutiu o processo de estigmatização e desqualificação social associado à pobreza em conferência realizada no dia 24 de agosto, no IEA.
O conferencista tratou do tema a partir da teoria dos vínculos sociais e destacou a importância de se estudar a autopercepção dos indivíduos pobres, levando em conta suas emoções e impressões, bem como as relações desses indivíduos com os outros segmentos da sociedade.
De acordo com ele, essa abordagem torna-se ainda mais relevante quando se constata que a pobreza geralmente é analisada com foco na economia, na renda e em metodologias de mensuração, de forma que o arcabouço conceitual ligado à experiência concreta das pessoas pobres acaba sendo pouco explorado.
DESQUALIFICAÇÃO SOCIAL
Para Paugam, a pobreza tem início com a exclusão do indivíduo do mercado de trabalho e a decorrente necessidade de recorrer ao sistema de assistência social. A partir daí, é disparado um processo de desqualificação social, que se dá de dentro para fora e tem como gatilho o estigma de se reconhecer e ser reconhecido como pobre.
Esse processo, afirma o sociólogo, envolve três fases: a fragilidade, quando o indivíduo toma consciência da sua condição e recorre à assistência social, mas procurando manter certa autonomia, por temer ser visto como pobre; a dependência, quando as dificuldades se agravam e o recurso à assistência torna-se frequente e indispensável para a sobrevivência; e a ruptura, quando o indivíduo se afasa da assistência na tentativa de recuperar a honra, como ocorre com moradores de rua que se recusam a ir para abrigos.
Segundo o conferencista, esse processo resulta no enfraquecimento dos vínculos sociais que mantêm o indivíduo integrado à sociedade e expõe a dupla face da assistência social, que ampara, mas ao mesmo tempo envergonha e estigmatiza.
VÍNCULOS SOCIAIS
Paugam apresentou os quatro tipos de vínculos que asseguram a integração social dos indivíduos: a filiação, comum entre familiares; a participação eletiva, referente à convivência com pessoas e grupos escolhidos, como amigos, cônjuges e igreja; a participação orgânica, ligada ao universo do trabalho e ao sistema de proteção social do emprego; e a cidadania, relativa à sensação de pertencimento a uma nação.
Esses vínculos funcionariam como as quatro pernas de uma cadeira, que garantiriam o equilíbrio necessário para a integração social. A pobreza surgiria, então, como elemento de desestabilização por estar implicada no comprometimento de uma das bases da cadeira: a participação orgânica.
De acordo com o sociólogo, diante desse quadro de desequilíbrio, entra em cena a busca de uma compensação para as provações e os desafios envolvidos no processo de desqualificação social. Nesse contexto, a manutenção da integração social fica a cargo do fortalecimento dos outros três vínculos.
"As pessoas compensam a falta de participação orgânica reforçando outros vínculos, como aqueles que possuem com familiares, grupos étnicos ou comunidades religiosas", concluiu Paugam, mencionando o exemplo de imigrantes que vivem na França e encontram no islamismo um conforto para o desemprego e a pobreza.
A conferência foi uma atividade do Grupo de Estudos Nutrição e Pobreza do IEA, em parceria com a Faculdade de Educação (FE) da USP. A exposição de Paugam foi mediada e traduzida por Mariângela Belfiore Wanderley integrante do Grupo e professora da PUC-SP.
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