Pontualidade japonesa começou nos tempos modernos
Durante os workshops In Search of Interdisciplinary Dialogue, promovidos pelo Waseda Institute of Advanced Studies (WIAS), da Waseda University, Japão, diversos especialistas se reuniram em Tóquio para discutir a interdisciplinaridade entre os saberes, no dia 14 de março. Além dos cientistas convidados, a segunda fase da Intercontinental Academia (ICA) reuniu, de 6 a 18 de março, 13 jovens pesquisadores selecionados para desenvolver estudos sobre o tema “tempo”. O conteúdo das pesquisas subsidiará a criação de um Massive Open Online Course (Mooc), que será disponibilizado gratuitamente na plataforma Cousera.
Abe: "A pontualidade japonesa não se restringe apenas aos trens." |
Entre os palestrantes, o professor Masashi Abe, do Waseda Institute for Advanced Study (WIAS), abordou aspectos do calendário japonês e a relação desse povo com o tempo. History of Time and Calendar in Japan foi o título da palestra, que focou como a modernização do calendário transformou a cultura temporal no Japão e tornou aquele povo um dos mais pontuais do planeta.
Abe disse que os estrangeiros que visitam o Japão ficam muito impressionados como tudo por lá é pontual. De fato, isso é verdade. Para confirmar essa premissa, basta citar como exemplo a rede ferroviária de alta velocidade entre Tóquio e Osaka, a Shinkansen, conhecida como Trem Bala no Brasil. Apesar do território habitualmente maltratado por terremotos, o atraso médio desse meio de transporte é de 30 segundos, citou o professor.
“Mas a pontualidade não se restringe apenas aos trens. Os japoneses também são muito pontuais. As pessoas estão sempre preocupadas em não chegar atrasadas aos seus compromissos. Em geral, elas chegam 10 ou 15 minutos antes da hora marcada. Portanto, o tempo regula a vida do cidadão japonês moderno. Mas isso não foi sempre assim”, disse Abe.
No passado, os japoneses costumavam ser muito impontuais. Até o final do século 19, ou durante o Período Edo (1603 – 1868), muitos europeus visitavam o Japão e sempre reclamavam da impontualidade japonesa, contou.
Mas havia uma razão para isso. Os cidadãos comuns não tinham relógios mecânicos. Os relógios dos templos ou das torres tinham que bater 12 vezes ao dia para anunciar a hora. Nesses equipamentos, o tempo era medido através de relógios de incensos, nunca mecânicos. Trata-se de um tipo de relógio tradicionalmente usado na China e depois adotado no Japão e alguns países da Ásia. Era composto por incensos que queimavam a uma daterminada taxa de combustão que permitia ter uma ideia de minutos, horas ou dias.
No Período Edo, o dia e a noite eram seccionados em seis partes, sendo que à noite cada parte tinha uma duração diferente em relação ao dia. Além disso, a duração de cada parte de tempo também mudava em função das diferentes estações do ano. Não havia uma divisão precisa dos segundos e minutos. A menor unidade de tempo era o shihamtoki, que representava um quarto de uma sessão (tokki) ou, aproximadamente, 30 segundos, disse o professor.
Mas, em 1868, a família Tokugawa Shogun perdeu o poder. Era o início da Era Meiji (1868-1912). O novo governo abandonou as tradições e deu início à modernização do Japão. Mudaram as roupas, o sistema educacional e o de saúde, as danças, as pinturas, a arquitetura, as comidas, refletindo em parte a cultura ocidental dos Estados Unidos e da Europa, disse.
Foi no ano de 1872 que os japoneses abandonaram o calendário tradicional e o antigo sistema de horas. A semana foi dividida em sete dias e o dia, em 24 horas. Também foram introduzidas as menores unidades de tempo, como minutos e segundos.
“A partir disso, através do sistema educacional, social e militar, os japoneses passaram a ser ter treinados para serem pontuais. Além disso, na Era Meiji, os cidadãos passaram a adotar relógios mecânicos”, disse.
O professor Abe também mostrou um breve histórico sobre os sistemas antigos usados num passado mais remoto. Foi durante Período Kofun (século 3 ao 7) que o calendário chinês foi introduzido no país.
Esse sistema já era utilizado na China desde o século 2 A.C. Em 554, um especialista Chinês foi enviado para introduzir o calendário entre os japoneses. Em 602, o calendário chinês passou a ser ensinado para crianças da elite japonesa. Em 604, esse sistema passou a ser utilizado em larga escala, introduzido pela imperatriz Suiko (554- 628). Em 660, o imperador Tenchi chegou a construir uma clepsidra, ou relógio de água. Mas até os tempos modernos, prevaleceu o sistema chinês.
Relógio biológico e a relação com os genes
Tahara pesquisa oscilações do relógio biológico por meio de metodologia não invasiva em ratos. |
Circadian Clock System in Peripheral Tissues of Mice foi o tema apresentado pelo professor Yu Tahara, também da Waseda Institute of Advanced Studies. Tahara apresentou os resultados das pesquisas realizadas no laboratório coordenado pelo professor Shigenobu Shibata, do departamento de fisiologia e farmacologia da School of Advanced Science and Engineering, da Waseda University, de Tóquio.
Tahara estuda a expressão dos genes no relógio biológico de ratos. Estabeleceu uma metodologia de captação de imagens in vivo a partir da biolumenescência em tecidos geneticamente modificados. O uso de uma câmera especial de alta resolução permite captar imagens de diferentes tecidos e órgãos.
Seu grupo de pesquisa desenvolveu um protocolo de imagiologia que permite medir os ritmos biológicos facilmente, de forma não invasiva, e longitudinalmente, em ratinhos individuais. Assim, é possível detectar as oscilações circadianas (ou ritmo biológico) de tecidos como rim, fígado e glândula submandibular.
“Antes era preciso sacrificar os ratos após a injeção da luciferina, a fim de retirar os tecidos e realizar a análise. Agora isso não é mais necessário. O método também permite realizar estudos longitudinais”, disse. Luciferina é o substrato da luciferase, enzima capaz de catalisar reações biológicas, transformando energia química em energia luminosa. Dessa forma, é possível registrar as imagens do comportamento das células e tecidos de interesse.
O pesquisador conta que coloca os ratos num local escuro e injeta a enzima nos ratos a cada quatro horas durante o dia todo. Após 10 minutos de cada aplicação, fotografa os tecidos, obtendo uma série de imagens que indicam o aumento e a diminuição de biomassa em diferentes locais do corpo, conforme a luminosidade a que os ratos são submetidos.
Nesse estudo, verifica a importância da luz para o relógio biológico, ou, a incidência do que chamou de “entrainment”. O conceito diz respeito ao ajuste das fases do relógio biológico às diferentes condições ambientais para a sobrevivência do organismo.
O pesquisador também estuda a ação da insulina, da cafeína, do exercício físico e do estresse sobre o relógio circadiano. Os estudos com insulina são associados com a administração de óleo de peixe na alimentação dos ratos que, segundo o pesquisador, melhora a sensibilidade daquela substância metabólica.
A pesquisa revelou que a cafeína tem alto impacto sobre a modulação do relógio biológico, segundo o cientista. A administração de cafeína na parte da manhã não mostrou alteração do ciclo biológico dos ratos, em comparação com o grupo controle. Mas a ingestão à noite antes da hora de dormir prolongou o ciclo acordado, ou seja, provocou um atraso no relógio biológico. O cientista citou uma pesquisa mostrando que essa alteração também ocorre em humanos. “O café tem a capacidade de despertar e também de mudar o relógio circadiano. Portanto, a mensagem: é não beba café à noite antes de dormir”, brincou.
Os efeitos da alimentação sobre o relógio biológico compõem um ramo de estudo chamado de crono-nutrição. Segundo Tahara, as pesquisas sobre nutrição realizadas até o momento focavam o que e quanto deveríamos comer, ou seja, os itens necessários e a quantidade adequada de alimento para cada refeição. “Mas agora as novas pesquisas nos dizem quando comer, ou seja, o momento adequado para as refeições. Esta é a nova estratégia no que diz respeito a nutrição”, afirma.
Tahara estudou as mesmas variáveis levando em consideração o fator idade. Com a idade, houve um decrescimento do período de sono-REM. Os resultados apontam ainda que nenhum daqueles fatores influiu tanto no ritmo biológico de ratos idosos quanto a alimentação.
Intuicionismo de Brouwer
Akyoshi falou da relação da matemática com outros saberes, como a filosofia. |
A filosofia da matemática vista à luz das ideias do matemático holandês Luitzen Egbertus Jan Brouwer (1881-1966) foi o tema apresentado pelo professor Ryota Akiyoshi, da Waseda Institute for Advanced Study (WIAS).
Na palestra Truth and Time in Brouwer’s Intuitionism, Akiyoshi analisou a tensão entre o que é verdade matemática e o que é um construto da mente. Explicou problemas conceituais sobre a lógica e filosofia e seus aspectos interdisciplinares.
Segundo o professor, o objeto da filosofia pode ser qualquer coisa, seja a linguagem, o conhecimento, a matemática, a física, a biologia e assim por diante. A matemática, portanto, ou a lógica, tem sido um tópico central na filosofia desde Aristóteles. Com o desenvolvimento da linguagem e, consequentemente, da matemática, a filosofia da matemática passa a se ocupar essencialmente sobre a origem dos objetos matemáticos.
O platonismo procura responder a essa questão mostrando que existe um mundo abstrato e imutável que contém todos os elementos matemáticos. Como pressuposto, todos os objetos matemáticos já existem, mas nem todos foram descobertos ainda. O papel do matemático seria então encontrar objetos que não foram ainda descobertos nesse mundo abstrato e imutável.
Por outro lado, parte da comunidade matemática não aceitava as ideias do platonismo e rompeu com a matemática clássica. O antagonismo a Platão foi chamado de construtivismo, sendo o intuicionismo a linha mais conhecida dessa corrente. Partiam do pressuposto de que um objeto matemático existiria a partir do momento em que o matemático conseguisse construí-lo na mente.
O professor Akiyoshi também mostrou alguns conceitos essenciais da lógica intuicionista, entre eles a sequência de escolhas, além da noção de sujeito criativo.