Problemas das escolas são anteriores à pandemia, mas foram acentuados por ela, avaliam pesquisadores
Qual escola a pandemia encontrou e qual ela nos deixou? O questionamento de Julio Groppa Aquino, pesquisador sabático do IEA, foi feito no evento Mutações do Éthos Escolar no Período (Pós-)Pandêmico, realizado no dia 30 de agosto.
O encontro fez parte da série Jornadas Investigativas Contemporâneas: o Programa Ano Sabático do IEA/USP (2022), que teve como objetivo divulgar discussões teóricas, metodológicas e/ou práticas que subsidiam os projetos de pesquisa em andamento no instituto. O ciclo integra a programação USP Pensa Brasil.
Em seu projeto, Aquino estuda a discursividade acerca da pandemia de Covid-19 e suas repercussões no campo educacional. Como fonte documental, usa a produção investigativa brasileira sobre o tema no período de 2020 e 2021, mais especificamente, 131 periódicos ligados a programas de pós-graduação stricto sensu e a outros órgãos da área. Na primeira etapa da pesquisa, foram buscados artigos que contivessem termos-chave para o estudo, como pandemia, covid-19, quarentena, distanciamento social, ensino remoto, entre outros.
A escola pós-pandêmica
A noção do "Ethos" da escola retoma a perspectiva grega que diz respeito a costumes, práticas e princípios partilhados com uma comunidade não só no espaço, mas no tempo, explicou José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação (FE) da USP e um dos convidados do encontro. O tema aponta para o reconhecimento de uma especificidade da cultura escolar e do sentido atribuído à experiência da escola.
"Mesmo tendo vivido um momento de perdas, de luto e de medo, estar voltando à escola significa estar num espaço de segurança, a gente percebe isso no sorriso das crianças." Diretora da Escola de Aplicação da USP, Vivian Batista da Silva usou a instituição como exemplo concreto dos impactos da pandemia no universo da educação.
A partir de uma sistematização de anotações e mensagens trocadas com a comunidade escolar desde janeiro, quando assumiu a direção, ela chegou a um quadro de desordens causadas pela pandemia, agrupando-as em três vertentes: aquelas que dizem respeito à vida institucional – como modos de trabalhar, convivência com professores e pontualidade –; ordem didática – formas de estudar e aprender, fazer as lições, usar caderno e agenda e usar a escola e seus espaços além da sala de aula –; e questões pessoais, como adoecimento e sofrimento.
A diretora questionou de que maneira se pode definir o que foi perdido e o que é possível fazer após o retorno às salas de aula, afirmando o importante papel da escola na vida dos alunos.
As lousas e as telas, isto é, "superfícies de contato entre nós e o mundo que possibilitam arquivar a registrar um conjunto de gestos e emoções", foram exploradas por Valéria Cazetta, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, para pensar no que ela definiu como a "grande problemática da educação contemporânea".
A questão colocada foi como os professores, de uma geração anterior aos alunos, conseguirão garantir a eles a renovação da escola e, por conseguinte, do mundo, sem colocar um fim na instituição escolar. Para ela, a escola se trata de uma das espacialidades por meio da qual ainda é possível partilhar com os outros umas das coisas mais belas: o ato do pensamento, da escuta e da "possibilidade de instituir realidades e imaginações outras".
Cazetta comentou o deslocamento da educação em direção aos dispositivos eletrônicos, acelerado pela pandemia. Citou o CNME (Centro Nacional de Mídias da Educação), criado em novembro de 2018 para promover a interação remota entre professores em estúdios com estudantes da educação básica de vários municípios do país, que não está mais disponível, mas integrava 150 escolas públicas de 18 estados brasileiros.
Antes da pandemia, já estávamos "pendurados nos dispositivos eletrônicos", completou. Para Cristiano Bedin da Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o chamado "novo normal" parece funcionar como uma espécie de repaginação de questões e anseios anteriores à pandemia.
Diante da "ideia clichê" de crise como oportunidade, presente em artigos e reportagens sobre as mudanças nos processos de ensino e aprendizagem em um contexto de isolamento social, o professor questiona: oportunidade de que?, para quem?, o que é projetado como imagem de futuro desejado?, do que estamos ou deveríamos estar correndo atrás?
"Imagética viral", de acordo com ele, é o conjunto de imagens que constituem o cenário pandêmico e que produz gatilhos. Destes, compartilhou três. Em primeiro lugar, o "afã cartográfico": sendo o inimigo invisível – o vírus –, parece que tudo deve ser quantificado e é passível de ser observado e registrado, como as realidades e espaços mais íntimos, a exemplo das casas e até mesmo do sono.
Em segundo lugar, falou da produção de formas de vida por tal afã, definindo modos de existência, criando imagens de trabalho e lazer, traçando limites e normas e deliberando sobre aquilo que é ou não é indicado a ser feito. Por último, citou a psicopolítica digital pensada pelo filósofo Byung-Chul Han, uma modalidade de poder que não se impõe por meio de proibições e silenciamento, e sim através da comunicação em rede e da formação online da vida em uma sociedade digital.
"Cabe ao levante cartográfico do nosso tempo tornar visível o modo como a apropriação da vida privada está intimamente relacionada a uma virtualização dos corpos e de suas relações." Para ele, o que está em jogo é a produção de corpos digitalizados, invisibilizados e disponíveis por tempo integral.
"As escolas não são espaços de correção nem de redenção da sociedade, bem o contrário. Nelas, todas as contradições sociais persistem, queiramos ou não, embora se trate do único espaço em que há um esforço genuíno de inclusão social", comentou Aquino. Ele reiterou que o acesso às tecnologias digitais não seria sinônimo de qualquer espécie de qualificação pedagógica do alunado, e que destrezas tecnológicas são apenas um meio possível, jamais um fim da formação oferecida em uma escola.
Com base nas exposições, Cintya Regina Ribeiro, da FE, questionou se a comunidade escolar não estaria diante da necessidade de repensar problemas que não dizem respeito a um mero ajuste entre o passado e o presente, ou entre tecnologias A e B, mas às questões ainda não deflagradas. "Em que medida a nossa insistência nesse modelo de escola, que pensamos como espaço de fabulação e reserva de determinados valores, não seria ainda uma forma de dialogar com velhos problemas?"
Para Aquino, a escola deve garantir a segurança cognitivo-espiritual das novas gerações, bombardeadas de coisas que não sabem mais reconhecer e distinguir. "Se os problemas são velhos, a resposta precisa ser velha", argumentou, defendendo que a educação não precisa se adaptar às exigências conduzidas pelas transformações do mundo neoliberal.