Projeto usa mapeamento genético para transformar o esporte
A professora Katia Rubio, moderadora do evento, participou do Programa Ano Sabático do IEA em 2017 |
O biólogo molecular João Bosco Pesquero, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), enxergou na genética um caminho para mudar o esporte. “Estudam-se muito os resultados negativos da mutação genética, que geram doenças e desabilitação, mas eu decidi olhar para um outro lado, o do ganho de funções através da mutação”, relatou durante o seminário Da Genômica à Identidade: Elementos para a Compreensão do Atleta Olímpico, que aconteceu no dia 23 de maio no IEA.
Participaram do encontro, além de Pesquero, coordenador e fundador do projeto Atletas do Futuro, outros dois fundadores da iniciativa: Paulo Correia, professor da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e ex-atleta olímpico de atletismo, e Chiaretto Costa, ex-preparador físico da equipe de basquete do Palmeiras. O seminário foi organizado pelo Grupo de Estudos Olímpicos (GEO) da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP em parceria com o IEA. Katia Rubio, professora da EEFE participante do Programa Ano Sabático do IEA em 2017 e coordenadora do GEO, assumiu a moderação do debate.
Atletas do Futuro
Segundo Pesquero, o intuito do projeto era, inicialmente, compreender a estrutura genética dos atletas brasileiros — organizando uma grande base de dados — e usar essas informações como um guia para o desenvolvimento de atividades esportivas com crianças. Ele defende que, através da análise genética dos jovens, é possível determinar suas aptidões naturais e indicar modalidades esportivas mais “receptivas” para suas características.
João Bosco Pesquero: "Ter sucesso é fundamental para que a criança continue praticando um esporte" |
O professor argumenta que o método aumenta as chances da criança alcançar o sucesso e se adequar ao esporte, o que reduz os níveis de dissidência. “Ter sucesso é fundamental para que a criança continue praticando um esporte. Ela se sente bem, é aceita pelo grupo e se sente motivada para prosseguir”, justificou. Paulo Correia arrematou o raciocínio e defendeu que a diminuição da dissidência no esporte pode ser um importante método de combate ao sedentarismo no Brasil: “Isso resolveria, pelo menos em parte, sérios problemas de saúde pública do país”.
O método já foi aplicado em mais de 200 jovens futebolistas das categorias de base do Santos Futebol Clube. Com as amostras colhidas e analisadas no Centro de Pesquisa e Diagnóstico de Doenças Genéticas da Unifesp, o fisiologista do clube, Gustavo Jorge, desenvolveu um treinamento específico para cada um dos atletas e atestou a efetividade do mecanismo de Pesquero. “Na época, o Gustavo substituiu os testes físicos que costumava fazer com os meninos do Santos por nossa análise genética, porque era bastante precisa”, completou o professor.
Pesquero revelou que, por conta da falta de investimento e do ceticismo de dirigentes e fisiologistas dos clubes brasileiros, não foram realizadas outras aplicações do projeto em crianças. Ele lamentou a situação e ressaltou o interesse em promover novas ações: “Acredito que poderíamos ajudar muito, mas infelizmente ainda há muita desconfiança em relação ao método”.
Inserção no esporte profissional
Com o desenvolvimento do projeto, os pesquisadores compreenderam que os resultados do mapeamento genético poderiam ter aplicabilidade também no esporte de alto rendimento. Segundo Pesquero, a análise genética de um indivíduo pode mostrar mais do que a modalidade esportiva mais adequada: “é possível indicar atividades específicas para evitar lesões e aumentar seu tempo de vida útil no esporte”.
O banco de dados do projeto já conta com informações de mais de 2 mil atletas de alto rendimento, de diversas modalidades. Pesquero revelou, porém, que o alto custo do mapeamento genético os obrigou a limitar a pesquisa, que hoje analisa a presença de apenas quatro genes principais na composição genética dos atletas. Segundo ele, existem cerca de 300 genes em nosso código genético que regulam fatores determinantes para a prática esportiva. “Mesmo assim, conseguimos construir perfis de normalidade e criar curvas de comparação entre diferentes equipes, atletas e modalidades”, contou.
Além dos testes com adolescentes, a eficiência do método criado pelo Atletas do Futuro já foi comprovada em pelo menos duas experiência com times profissionais de basquete. Na primeira, Paulo Correia e Chiaretto Costa assumiram a preparação física da equipe do Palmeiras. Em 25 dias de treinamento focado nas características individuais de cada atleta da equipe, eles conseguiram salvar o time do rebaixamento e garantir 100% de vitórias em casa. Na segunda, com o time de São José dos Campos, foram capazes de reduzir drasticamente as lesões na equipe, que passaram de 12, na temporada 2011/2012, para zero na temporada 2013/2014.
Chiaretto A. Costa: "O próximo membro de uma comissão técnica será um geneticista" |
Genômica e determinismo
Os pesquisadores foram questionados, durante o evento, sobre uma possível ação determinista do método que desenvolveram, que poderia enquadrar as crianças em modalidades que não gostam, cassando sua liberdade para escolher um esporte. A professora Rubio provocou: “Estas ‘etiquetas’ são sentenças? Como lidar com crianças e atletas que decidiram praticar modalidades inadequadas?”.
Para Chiaretto Costa, é impossível predizer se um atleta ou uma criança ocupará uma determinada posição somente porque não expressa um conjunto de proteínas. “Existem outras características, físicas e cognitivas, que podem permitir que esse indivíduo tenha sucesso”, argumentou. “Com o mecanismo que defendemos, somos capazes de mostrar a essa pessoa seus limites e oferecer alternativas para superá-los.”
Pesquero acredita ser necessário respeitar os anseios de cada pessoa e garante que o projeto nunca teve o intuito de excluir, mas de incluir. “O que fazemos é mostrar uma janela de oportunidade para a pessoa, mas sempre dentro do que ela gosta”, disse. Ele reiterou, entretanto, que a análise genética pode elevar o nível de sucesso no esporte, aumentando o prazer e diminuindo a dissidência de quem pratica.
Paulo Correia: “Muitos atletas que conheci, melhores do que eu inclusive, deixaram o esporte por falta de dinheiro” |
Além da genética
Os três conferencistas, apesar de defenderem os resultados positivos do método, acreditam que o sucesso no esporte é composto por uma série de fatores que transcendem a genética. “Não podemos deixar de considerar outros aspectos da formação de atletas, como o treinamento, nutrição e força de vontade”, afirmou Pesquero. Para ele, a função da genética é importante nestes casos, mas limitada a indicar predisposições e vantagens naturais.
Paulo Correia lembrou que alguns fatores sociais são determinantes para o desenvolvimento dos esportistas. “Tive a sorte de participar de duas olimpíadas. As pessoas costumam dizer que isto não é uma questão de sorte, mas de capacidade e competência. Mas, em um país como o nosso, é preciso ter um pouco de sorte sim”, relatou. Ele acredita que a falta de incentivo e aporte financeiro são alguns dos maiores desafios que os atletas enfrentam: “Muitos atletas que conheci, melhores do que eu inclusive, deixaram o esporte por falta de dinheiro”.
Katia Rubio ratificou a fala dos conferencistas e reiterou a importância da determinação para o sucesso esportivo. “O ser humano é um sistema aberto, que estará sempre disposto a quebrar regras determinadas, seja pela força do seu desejo ou da sua vontade. Talvez essa seja a essência da beleza do ser humano”, concluiu.
Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP