Projeto para várzea do rio Tietê na Zona Leste reúne arte, urbanismo e recuperação ambiental
Nelson Brissac é o coordenador do projeto ZL Vórtice |
A arte como meio de reflexão sobre problemas urbanos e ambientais e, ao mesmo tempo, participante da busca de soluções com apoio da pesquisa científica e tecnológica foi o tema da exposição do filósofo Nelson Brissac, professor da PUC-SP, no encontro Dirigentes Culturais 6: Dos Anos 50 à Atualidade, no dia 1º de dezembro. [O evento teve também exposição de Lisbeth Rebollo sobre Sérgio Milliet.]
O evento encerrou o ciclo "Cultura, Institucionalidade e Gestão", realização da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria entre o IEA o Itaú Cultural. O titular da cátedra, Ricardo Ohtake foi o organizador do ciclo e coordenador dos encontros.
Brissac trabalha com questões ligadas à arte e ao urbanismo, tendo desenvolvido o projeto Arte/Cidade de intervenções urbanas entre 1994 e 2002. Atualmente ele coordena o projeto ZL Vórtice, aspecto central de sua participação no ciclo.
A articulação entre arte, ciência, tecnologia, indústria e ambientalismo não é nova, segundo ele. "Foi com o Minimalismo e o Pós-Minimalismo que a arte contemporânea começou a articular essas conexões." .
O escultor e escritor americano Robert Smithson (1938-1973) foi um artista emblemático dessa corrente, em sua opinião. "Ele foi o grande artista da mineração, do colapso ambiental, do impacto da indústria, alguém que pensou em como atuar em áreas de crise e em processos naturais em grandes escala, mobilizando geólogos, engenheiros e outros especialistas. Morreu com 35 anos e fez todo esse trabalho nos últimos seis anos de vida."
CICLO CULTURA, INSTITUCIONALIDADE, E GESTÃO Dirigentes Culturais 6: Dos Anos 50 à Atualidade - Sérgio Milliet e Nelson Brissac Notícia Midiateca Dirigentes Culturais 5: Dos Anos 50 à Atualidade - Justo Werlang Midiateca Dirigentes Culturais 4: Dos Anos 50 à Atualidade - Martin Grossmann Midiateca
Dirigentes Culturais 3: Dos Anos 50 à Atualidade - Paulo Herkenhoff e Carlos Augusto Calil Notícia Midiateca Dirigentes Culturais 2: Dos Anos 50 à Atualidade - Paulo Emílio Gomes Notícia Midiateca Dirigentes Culturais 1: Dos Anos 50 à Atualidade - Ariano Suassuna e Walter Zanine Notícia Midiateca
Leia mais notícias sobre o ciclo e outras atividades da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência |
Além do que foi feito nessas correntes artísticas, o ZL Vórtice tem como referência um projeto que Brissac está esboçando com Ohtake para a análise do território industrial na região entre São Paulo e Santos. "Grandes processos transformadores da matéria foram implantados ali, com indústrias, siderúrgicas, hidrelétricas, ferrovias, mas a área caminha para uma obsolescência rápida. Pensar nisso é pensar no futuro do Brasil e no papel que a arte pode desempenhar nesse processo."
A escolha da várzea do rio Tietê na Zona Leste de São Paulo para o ZL Vórtice foi intencional, segundo Brissac, pois trata-se da área da cidade "em pior condição, em situação limite". É a única região da cidade onde o rio mantém seu traçado irregular, com meandros. "Vemos as conformações naturais sendo impactadas. A natureza sendo empurrada para seu limite."
O recorte da área foi estabelecido a partir das informações fornecidas por órgãos estaduais e municipais. Esses dados também subsidiam as pessoas envolvidas no projeto.
Acima, módulo para calçadas com design de Regina Silveira; embaixo, a artista discute o projeto com os moradores |
De acordo com Brissac, há vários vetores conflitivos na região, como a necessidade de obras públicas, intervenções para a contenção de enchentes e a necessidade de preservação ambiental.
O projeto envolve quatro laboratórios acadêmicos: o de Microestrutura e Ecoeficiência e o de Hidráulica da Escola Politécnica (Poli); o de Fabricação Digital da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP; e o de Tecnologia Digital da PUC-SP.
Apoiam a iniciativa a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo, a Fundação Tide Setubal, o Instituto Alana, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a Associação dos Moradores dos Jardins Pantanal e Helena, entidades de moradores de União de Vila Nova e a Associação e o Fórum dos Moradores do Jardim Lapenna.
Em seus quatro anos de existência, o projeto já mobilizou artistas, arquitetos e engenheiros na busca de soluções para a melhoria da qualidade de vida nos bairros da várzea. "O primeiro avanço foi estabelecer um laboratório de campo para que professores e alunos possam desenvolver e experimentar protótipos. A A comunidade do Jardim Pantanal cedeu uma área que ela preserva e controla. Fica num meandro do rio e possui duas lagoas, permitindo estudos de todas as topologias da região."
Há vários projetos em desenvolvimento, incluindo recuperação ambiental, drenagem das águas em enchentes, monitoramento do nível e qualidade dá água do rio, construção elevada das casas, padronização das calçadas e construção de equipamentos públicos. A ideia é que os componentes desenvolvidos no canteiro do Jardim Pantanal e nos laboratórios das universidades sejam fabricados no local ou em fábricas digitais da prefeitura.
Um exemplo de ação conjunta de artistas, engenheiros e população é o projeto para a padronização das calçadas. Brissac convidou a artista Regina Silveira, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, para desenvolver o projeto com os moradores. "Cada bairro está definindo sua simbologia e as cores a serem utilizadas. O Laboratório de Microestrutura e Ecoeficiência da Poli está desenvolvendo as formas, soluções para escoamento da água e composição das peças, em parceria com fabricantes de cimento e pigmentos."
Canteiro do projeto ZL Vórtice no Jardim Pantanal, em São Paulo |
Para Brissac, esse tipo de projeto permite vislumbrar até que ponto a universidade "está disposta a encarar" os problemas existentes na sociedade.
"Há uma discussão extremamente saudável nas universidades públicas sobre a transferência do conhecimento que elas produzem."
Brissac destacou que é preciso encontrar o caminho para essa difusão, para que o conhecimento "não seja drenado apenas para empresas e situações muito específicas e a universidade não perca a oportunidade de irrigar a sociedade com mais eficiência". No entanto, o processo é muito complexo e "envolve a educação e capacitação das pessoas, passando antes de tudo pela afirmação da cidadania".
Fotos (a partir do alto): 1) Matheus Araújo/IEA-USP; 2), 3) e 4) Projeto ZL Vórtice