Dossiê da nova edição de Estudos Avançados discute desafios e impasses do Brasil independente
A análise de temas relevantes da vida social e política brasileira nos últimos dois séculos é o aspecto central do dossiê "Bicentenário da Independência", presente no nº 105 da revista Estudos Avançados, publicação quadrimestral do IEA [v. sumário]. A versão online da edição já está disponível, gratuitamente, na Scientific Electronic Library Online (SciELO). A versão impressa será lançada em breve.
Apesar de o conjunto de textos não ter o propósito de rever a historiografia da Independência nem preencher lacunas apontadas por historiadores e outros cientistas sociais, aspectos desse tipo também estão presentes nos artigos, afirma o editor, o sociólogo Sérgio Adorno.
A curadoria do dossiê é de três professores da USP: Carlos Zeron, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH); Alexandre Macchione Saes, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA); e Antônio David, da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Eles são autores do artigo de abertura "3 vezes 22: Ideias de Brasil Moderno e Soberano em torno de 1822, 1922 e 2022", que questiona as revisões das ideias de soberania e modernização no ensaísmo e no pensamento histórico-econômico.
Duas indagações principais motivaram os curadores na composição do conjunto de textos: O que singulariza as ideias de soberania e modernidade na sociedade brasileira? Como se materializou em ações, planos governamentais, políticas públicas, pensamento social, ciência, cultura e educação a dialética entre modernidade e tradição e quais seus desdobramentos?
A partir dessas questões, o dossiê explora "desafios e impasses sobretudo nas contribuições que focalizam paradoxos e antinomias do pensamento social no Brasil", explica o editor. Com essa perspectiva, os ensaios abordam "as tensões entre memória, política e escrita da história ao colocar em evidência diferentes narrativas sobre a Independência como fato e processo histórico". Um dos textos com essa preocupação é "Historiografia, Memória e Política: A Independência do Brasil, 200 Anos depois", de Cecilia Helena de Salles Oliveira, do Museu Paulista da USP.
Nessa mesma linha, no artigo "Estado e Sociedade no Brasil: Um Encontro Marcado com a Democracia", Andre Botelho, da UFRJ, e Grabriela Nunes Ferreira, da Unifesp, discutem momentos decisivos nos quais as relações entre Estado e sociedade foram problematizadas, pondo em destaque temas como centralização e descentralização política, a adequação das instituições políticas às características da sociedade e o enfrentamento da questão democrática, comenta Adorno.
Próximo à atualidade, "2022: O Pacto de 1988 sob a Espada de Dâmocles", de Camila Rocha, da FFLCH, e Jonas Medeiros, do Cebrap, aponta como a "crise do pacto democrático de 1988 se originou a partir de novas dinâmicas fomentadas pela própria esfera pública pós-burguesa brasileira, a qual se desenvolveu em meio ao processo de redemocratização nacional".
Comentando a realidade brasileira dos últimos 20 anos, Kabengele Munanga, titular aposentado da FFLCH, reflete em seu ensaio sobre questões a respeito da diversidade. Ele aponta que os conflitos se traduzem notadamente pelas práticas racistas e xenofóbicas que engendram a violação dos direitos humanos dos diferentes e as desigualdades sociais decorrentes. A questão que se coloca, afirma, é como estabelecer a equidade e a igualdade de tratamento "sem antes reconhecer a existência coletiva dos portadores das diferenças e suas identidades".
O papel da ciência na constituição da Nação a contribuição das das artes na conformação dos chamados "modernismos tardios" são analisados nos artigos "As Ciências na Formação do Brasil entre 1822 e 2022: História e Reflexões sobre o Futuro", de três pesquisadores da Fiocruz, e "O Legado Modernista: Recepção e Desdobramentos nas Décadas de 1960 e 1970", Ivan Francisco Marques, da FFLCH.
Entre os textos que discutem a historiografia pós-Independência, o editor cita o "estimulante overview sobre obras de referência" presente na entrevista concedida aos curadores pelo historiador Carlos Guilherme Mota, titular aposentado da FFLCH, fundador e primeiro diretor do IEA.
O dossiê reúne ainda análises sobre fatos e processos sociais relevantes para a compreensão do Bicentenário. Entre eles, Adorno relaciona:
- a construção da esfera pública desde 1822 e suas crises atuais;
- as dinâmicas sociais que estabelecem a existência de grupos armados com ambições hegemônicas sobre territórios, populações e mercados ilegais;
- a destruição e degradação dos biomas nacionais acenando para uma catástrofe ambiental;
- e os padrões de acumulação e segregação socioespacial em São Paulo, alavancados por operações imobiliárias de grande envergadura.
Educação
Outro dossiê, "Clássicos da Educação", complementa a edição. De acordo com o editor, os artigos tratam dos problemas e dilemas da educação contemporânea a partir de um ângulo específico: "Livros e autores que, ao se tornarem 'clássicos' nesse campo, pautaram temas estratégicos para a compreensão das relações entre atores, bem como do cotidiano escolar, dos valores em mudança, dos desafios em períodos singulares como o de pandemias e sobretudo para a formulação de políticas públicas educacionais".
Os textos analisam aspectos de obras de Israel Scheffler, Maria Helena Souza Patto, Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, José Mário Pires Azanha, John Goodlad, Michel Foucault, Herbert Spencer, Émile Durkheim e Roger Chartier. Os autores dos artigos são pesquisadores da Faculdade de Educação (FE) da USP, Instituto Universitário de Lisboa, Unifesp, UFRJ, Uerj e UFU.
Versão impressa: os exemplares da edição 105 de "Estudos Avançados" estarão disponíveis em breve, ao preço de R$ 30,00. Os interessados em reservar um exemplar ou fazer uma assinatura anual da revista (três edições por R$ 90,00) podem enviar mensagem para estavan@usp.br.
SUMÁRIO
Bicentenário da Independência
- 3 vezes 22: Ideias de Brasil Moderno e Soberano em torno de 1822, 1922 e 2022 - Antônio David, Alexandre Macchione Saes e Carlos A. de M. R. Zeron
- Memória, Historiografia e Política: A Independência do Brasil, 200 Anos depois - Cecilia Helena de Salles Oliveira
- Estado e Sociedade no Brasil: Um Encontro Adiado com a Democracia - André Botelho e Gabriela Nunes Ferreira
- 2022: O Pacto de 1988 sob a Espada de Dâmocles - Camila Rocha e Jonas Medeiros
- País do Futuro? Conflitos de Tempos e Historicidade no Brasil Contemporâneo - Rodrigo Turin
- Sobre Conceitos, Historiografia e Ideias “fora do Lugar” - Carlos Guilherme Mota
- O Mundo e a Diversidade: Questões em Debate - Kabengele Munanga
- Domínios Armados e seus Governos Criminais – Uma Abordagem não Fantasmagórica do “Crime Organizado” - Jacqueline de Oliveira Muniz e Camila Nunes Dias
- O Legado Modernista: Recepção e Desdobramentos nas Décadas de 1960 e 1970 - Ivan Francisco Marques
- Brasil, 200 anos de Devastação: O Que Restará do País após 2022? - Luiz Marques
- São Paulo, Cem Anos de Máquina de Crescimento Urbano - Mariana Fix e Pedro Fiori Arantes
- As Ciências na Formação do Brasil entre 1822 e 2022: História e Reflexões sobre o Futuro - Nísia Trindade Lima, Dominichi Miranda de Sá, Ingrid Casazza e Carolina Arouca
Clássicos da Educação
- Convergências: Pensar Ensino e Desigualdade com Scheffler, Patto, Bourdieu e Passeron - Juliana de Souza Silva, Katiene Nogueira da Silva e Renata Marcílio Cândido
- “Pensar com” José Mário Pires Azanha e a Elaboração do Porvir Educacional Brasileiro - Patrícia Aparecida do Amparo, Ana Laura Godinho Lima e Denice Barbara Catani
- Educação, Sociedade e Democracia: O Legado de John Goodlad - Domingos Fernandes
- Michel Foucault em (de)Formações: sobre Clássicos e Usos em História da Educação - José Cláudio Sooma Silva e José Gonçalves Gondra
- Ciência, Evolução e Educação em Herbert Spencer - Décio Gatti Junior e Leonardo Batista dos Santos
- Ensinar longe da Escola: Ensaio sobre as Representações em E. Durkheim e R. Chartier - Roni Cleber Dias de Menezes e Vivian Batista da Silva