Os caminhos para o desenvolvimento econômico sustentável
Tim Jackson apresenta as ideias centrais que defende no livro “Prosperidade sem Crescimento – Vida Boa em um Planeta Finito” |
Substituir o padrão de crescimento econômico centrado na produtividade e no consumo por um modelo de desenvolvimento voltado para a sustentabilidade socioambiental. A proposta é defendida por Tim Jackson, ex-comissário de economia da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do Reino Unido, no livro “Prosperidade sem Crescimento – Vida Boa em um Planeta Finito” (Editora Planeta Sustentável, R$ 39,90, 314 págs.).
Lançada no dia 30 de outubro, em debate organizado pelo Planeta Sustentável, com apoio do IEA, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, a obra responsabiliza o imperativo de “crescer para prosperar” pela crise ecológica corrente e sugere, como alternativa, a transição para uma economia sustentável, que faça um uso mais racional dos recursos naturais e possibilite alcançar uma sociedade menos desigual.
Mediado por Ricardo Abramovay, professor da FEA e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, o debate de lançamento contou com a participação de Jackson, que atualmente leciona na University of Surrey, no Reino Unido, e do economista Samuel Pessôa, professor da FGV-RJ. A coordenação geral ficou a cargo de Pedro Jacobi, coordenador do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA.
No encontro, Jackson expôs as ideias centrais do livro e abordou o que considera ser o grande dilema da sociedade contemporânea: o crescimento econômico é ambientalmente insustentável, mas a estagnação ou o decrescimento provocam efeitos catastróficos, como o aumento do desemprego e do déficit público e a queda nos investimentos e na arrecadação de impostos.
A saída para esse embate, de acordo com ele, é desvincular a atividade econômica da geração de impactos ambientais. Isso passaria pela contenção do consumo, desaceleração do ritmo de produção e aposta em um portfólio de tecnologias com potencial para reduzir a pressão sobre o meio ambiente.
Em seguida à exposição de Jackson, Pessôa problematizou algumas dos pontos tratados no livro e apresentou um contraponto à proposta de prosperidade sem crescimento defendida pelo autor. Para o economista, “o esforço ambiental não elimina a capacidade de crescer: simplesmente reduz permanentemente o nível do PIB”. (Leia a íntegra da exposição.)
CONSUMISMO
A principal crítica de Jackson ao modelo econômico vigente é direcionada ao consumismo, que considera ser um dos grandes vetores da crise ecológica. Segundo o autor, o desejo de consumir — “a ânsia por jogar fora o que é antigo e substituir por algo novo" — não é um aspecto psicológico inerente ao ser humano, mas um comportamento construído socialmente pela dinâmica do crescimento econômico. E em nome disso, afirmou, “compramos coisas das quais não precisamos para impressionar indivíduos com os quais não nos importamos”.
Ao comentar o assunto, Pessôa retomou duas falhas de mercado apontadas por Jackson no livro: a de que o padrão de consumo atual desconsidera os impactos dos bens e serviços no meio ambiente; e a de que consumir não gera bem-estar. Segundo o economista, de fato, os custos ambientais — “externalidades”, na linguagem econômica — não são embutidas nos preços do que consumimos.
“Quando decido consumir um produto, pago um preço por ele que não considera os efeitos externos negativos sobre o meio ambiente causados pela produção e consumo do bem. O uso do transporte individual polui a cidade com monóxido de carbono, congestiona as vias públicas, além de contribuir para o aquecimento global com as emissões de dióxido de carbono. Impossível não concordar com Tim Jackson”, explicou Pessôa.
Samuel Pessôa faz um contraponto à proposta de "prosperar sem crescer" de Tim Jackson |
Já em relação ao segundo argumento, afirmou que, embora seja coerente, precisa ser mais estudado do ponto de vista empírico. Pois, de acordo com ele, o modelo básico de microeconomia vê o consumo como algo motivado por preferências pessoais e pela busca do bem-estar. Jackson, no entanto, atribui outros fatores à decisão de consumir, associados a normas sociais instituídas e disseminadas pelo movimento da economia.
“Parece-me que Tim Jackson corrigiria o modelo da microeconomia padrão alterando a hipótese de preferência absoluta [na qual o indivíduo toma decisões que possibilitem atingir o máximo de bem-estar, sem ser afetado pelo padrão médio de consumo da sociedade] pela hipótese de preferência relativa [quando o bem-estar do indivíduo não depende apenas do que ele consome, mas também do consumo médio da sociedade]. Quando isto ocorre, o ato de consumo de um indivíduo eleva seu bem estar, mas reduz o bem-estar de todos os demais membros da sociedade na qual o indivíduo se insere, pois eleva a média do consumo para cima”, disse Pessôa ao interpretar as ideias do autor.
O economista destacou que, caso a hipótese de preferência relativa esteja correta, além dos custos ambientais, os produtos deveriam incorporar também o impacto negativo do padrão de consumo de uns sobre o bem-estar de outros. “Faz todo sentido que nós precifiquemos corretamente o consumo, incluindo não somente os custos ambientais, mas também possíveis efeitos externos, fruto do caráter posicional do consumo”, concluiu.
CRISE ECONÔMICA
Para Jackson, a crise econômica global iniciada em 2008 é prova de que o modelo baseado no crescimento não funciona. Ainda assim, afirmou, o remédio que os países da Zona do Euro estão usando para curar os males causados e voltar a crescer — o aumento do crédito ao consumidor — traz como efeito colateral a própria doença.
Isso porque os resultados dessa medida seriam aqueles observados durante a recessão dos últimos anos: elevação do débito pessoal e colapso do nível de poupança, além da reprodução da lógica consumista, que agrava a crise ambiental. “Queremos uma sociedade em que as pessoas emprestem dinheiro para continuar consumindo e saciando o apetite de ter cada vez mais?”, questionou o autor, advertindo que a melhor solução não é oferecer crédito e estimular o consumo, mas aumentar o investimento público e impulsionar o desenvolvimento de tecnologias ecológicas.
Embora tenha concordado com o diagnóstico feito por Jackson — o combate à crise vem sendo feito com pouco investimento e muito consumo —, Pessôa questionou a viabilidade da proposta do autor. Segundo o economista, o investimento público de fato é a forma mais rápida de recuperar uma economia deprimida, mas isso requer planejamento e projeto.
“Ou seja, o investimento tem que ser pensado muito antes de a crise bater nas nossas portas. Quando ela chega, o Estado tem que ter tudo pronto e projetado para iniciar as obras ou os programas. Esse não tem sido o caso. Quando a crise vem, os governos somente conseguem aumentar as desonerações e as transferências. Toda a governança do investimento público precisa ser alterada”, esclareceu.
CONTRAPONTO
Mas o principal ponto de discórdia entre Jackson e Pessôa diz respeito ao endereçamento da crise ecológica. Enquanto o autor apontou como principal causa o crescimento econômico e o consumismo que o alimenta, Pessôa afirmou que o erro está na não precificação dos custos ambientais do consumo.
“Minha crítica mais central ao livro de Tim Jackson é que o problema não está associado à economia de mercado como a conhecemos — outras economias provavelmente produziriam problemas ainda maiores — mas, sim, às falhas de mercado. E parece-me que a economia conforme a conhecemos está melhor aparelhada para lidar com as falhas de mercado do que outras que possamos imaginar”, declarou.
Além disso, ponderou o economista, fazer transformações radicais nos rumos da economia global esbarra em dois grandes entraves. O primeiro é o ceticismo, já que parte da comunidade internacional não estaria convencida da gravidade dos problemas ambientais. “E enquanto não houver um consenso, acho difícil que as sociedades estejam dispostas a tomar medidas duras para mudar nossa plataforma tecnológica”.
O segundo problema refere-se a como dividir o ônus de tais transformações. Pois ainda que houvesse um consenso global sobre a necessidade de um novo modelo econômico, “há o difícil problema de como concordar em dividirmos, entre os cidadãos do mundo, os custos da adoção da economia sustentável”, finalizou.
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