Uma perspectiva filosófica sobre as novas utopias
Analisar a possibilidade atual de promoção de uma melhoria sem precedentes na qualidade da vida humana, assim como os desdobramentos da concretização desse potencial, é o objetivo de novo grupo de pesquisa cuja criação foi aprovada pelo Conselho Deliberativo (CD) do IEA-USP no dia 4 de abril. O grupo é coordenado pelo filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do CD.
A partir de um ponto de vista filosófico, o grupo vai explorar utopias voltadas para a construção de um mundo centrado no lazer, livre da escassez e onde o trabalho não seja o aspecto mais importante no cotidiano dos indivíduos. Discutirá, ainda, a emergência de uma sociedade mais libertária, caracterizada pela facilidade em mudar de identidade, opinião, profissão, orientação sexual e nacionalidade, bem como de romper laços sociais e de criar outros novos, mais livres e flexíveis.
A princípio, o grupo se concentrará em oito eixos de abordagem: a revolução das invenções, das máquinas e da informática; a extinção da escassez; o fim da história; a violência num mundo sem miséria; o consumismo e o conformismo; as diferenças entre felicidade e prazer; as utopias e seus princípios; e a redução de danos.
ENFOQUE
De acordo com o projeto de pesquisa do grupo, os avanços tecnocientíficos constituem um divisor de águas na concretização de cenários utópicos, uma vez que tornam possível satisfazer desejos antes reprimidos por diversas limitações, bem como atingir o estágio da felicidade, no qual se consegue "extrair o máximo de satisfação pessoal do mínimo de estímulos externos". Além disso, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia viabiliza, do ponto de vista técnico ou material, o aumento da produtividade e a redução da jornada de trabalho.
A perspectiva de produzir mais trabalhando menos suscita uma série de questões a serem discutidas pelo grupo, entre as quais se destacam a possibilidade, inédita, de dedicar mais tempo ao ócio que ao trabalho; o surgimento de identidades mais maleáveis, que deixariam de ser baseadas na profissão; a supressão das carências que marcaram a trajetória da humanidade; o enfraquecimento dos vínculos sociais e a liquidez dos relacionamentos; e o fim da história — ou, como pontua a proposta de pesquisa, o fim de uma história movida pela economia e pela escassez.
Mas, como destaca o projeto, transformar as novas utopias em realidade esbarra em dois aspectos: o imperativo de conter o consumismo por trás da necessidade de produzir e trabalhar cada vez mais; e a continuidade da violência, já que esta não desapareceria mesmo com o fim da escassez, dado o anseio, inerente à natureza humana, de ter o que o outro tem ou quer ter.
DINÂMICA DO GRUPO
O grupo dará início às suas atividades com um núcleo de cinco pesquisadores, incluindo o coordenador. A expansão no número de integrantes será gradual, à medida que conferencistas externos tenham interesse em tornarem-se membros. Entre estes convidados, já foram contatados o antropólogo Mássimo Canevacci, professor visitante do IEA, e a filósofa Olgária Matos, professora da FFLCH e coordenadora do Grupo de Pesquisa Humanidades e Mundo Contemporâneo, também recém-criado.
A ideia é que o grupo se reúna a cada 45 dias durante os semestres letivos, com um mínimo de seis reuniões por ano. Abertas a todos os interessados e com a participação de pesquisadores externos, essas reuniões serão dedicadas ao desenvolvimento de temas teóricos e ao debate sobre eles em termos práticos. A proposta do grupo inclui também reuniões internas, participação em congressos, organização de conferências e publicações, como artigos, livros e blogs.