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Projeto analisa o impacto dos rankings nas universidades de pesquisa brasileiras

por Mauro Bellesa - publicado 28/06/2018 09:15 - última modificação 16/07/2018 14:07

Gladys Beatriz Barreyro - 2018

Além de ser professora na Each-USP, Gladys Beatriz Barreyro [foto] atua também em dois programas de pós-graduação da Universidade: o de Educação e o de Integração da América Latina. Seu principal tema de pesquisa são as políticas e avaliação da educação superior nas escalas global, regional e nacional. Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado no Centro para Educação Superior Internacional do Boston College, EUA, e foi professora visitante na Escola de Educação da Universidade de Bristol, Reino Unido, onde participou da rede de pesquisa Globalisation, Education and Social Futures. Participa do Grupo de Trabalho 11 Políticas de Educação Superior da rede Universitas/Br, vinculada à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), e do Grupo de Trabalho Universidade e Políticas de Educação Superior (2016-2019) do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso).

Nas primeiras décadas do século 21, evidencia-se uma fase dentro do processo de globalização na qual os Estados nacionais têm cada vez menos autonomia perante outras instituições que compõem a governança global da educação superior, tais como a Organização Mundial de Comércio (OMC), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Mundial, Unesco, ONGs e diversas fundações.

A avaliação é da educadora Gladys Beatriz Barreyro, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each) da USP em período sabático no IEA. Ela está desenvolvendo um estudo sobre os impactos dos rankings universitários internacionais na identidade institucional e nas finalidades de ensino, pesquisa e extensão das universidades de pesquisa brasileiras, tendo como referência a USP e a Unicamp.

Intitulada “Internacionalização da Educação Superior: Uso dos Rankings Universitários Internacionais nas Universidades ‘de Pesquisa’ no Brasil”, a pesquisa tem por objetivo reduzir a lacuna de estudos no país sobre o tema e divulgar a literatura internacional sobre ele.

Entre as políticas educacionais desta fase da globalização, Gladys identifica o surgimento, na primeira década do século, dos rankings internacionais de universidades como uma nova forma de tratar da qualidade em escala global, com impactos nas escalas regionais e nacionais, e do modelo de “universidade de classe mundial”, instituições dedicadas à pesquisa (“aplicada e, se possível, rentável”).

Para ela, os rankings têm introduzido a lógica da competição entre instituições numa perspectiva global e gerado impactos nas políticas nacionais e institucionais, "apesar de suas limitações metodológicas".

Parte do projeto foi desenvolvido no primeiro semestre deste ano, quando ela esteve no IEA em período sabático. O trabalho será complementado no segundo semestre e os resultados estarão em artigo a ser finalizado em dezembro. Ela pretende também apresentá-los em evento público.

Por se tratar de uma pesquisa de tipo exploratório, Gladys está analisando as matérias divulgadas pelo “Jornal da USP” e pelo Portal da Unicamp de 2013 a 2017 sobre as posições ocupadas pelas duas universidades nos rankings. A partir desse exame, ela tentará responder a quatro questões:

  • qual o uso dos rankings na USP e na Unicamp e por que razões?
  • que mudanças o uso desses rankings tem produzido na identidade e nas políticas dessas instituições e quais são as justificativas para isso?
  • caso tenham surgido políticas institucionais baseadas nos rankings, quais são elas?
  • caso os rankings estejam afetando as finalidades de ensino, pesquisa e extensão das duas universidades, quais são os aspectos afetados?

O material está sendo estudado a partir da análise crítica do discurso orientada por categorias, a serem detectadas no decorrer do exame dos textos.

Em paralelo ao levantamento e análise das matérias publicadas pelas mídias das duas universidades, ela tem se dedicado a duas atividades complementares: a revisão bibliográfica sobre rankings internacionais na literatura nacional e internacional e sobre universidades de classe mundial; a sistematização sobre o lugar ocupados pelas duas instituições em rankings internacionais e latino-americanos e no elenco de universidades dos Brics.

Tendência
da avaliação

Na edição de março, a "Revista de Avaliação do Ensino Superior", da Unicamp, publicou o artigo "A Avaliação da Educação Superior em Escala Global: Da Acreditação aos Rankings e os Resultados da Aprendizagem", de Gladys Beatriz Barreyro.

Globalização

Nas décadas finais do século 20 houve o início dos impactos da globalização nas políticas educacionais, criando uma agenda internacionalmente estruturada para a área, segundo a pesquisadora. “Nos sistemas educativos nacionais surgiu a preocupação com a avaliação e, no caso da educação superior, nos anos 80, começaram as políticas para a aferição da sua qualidade, iniciando a primeira fase do ‘Estado Avaliador’ [expressão cunhada pelo sociólogo britânico Guy Neave em 2012, segundo Gladys]."

Ela afirma que a diminuição dos gastos a partir dos anos 80, em função da crise do Estado de bem-estar social, "motivou a adoção de políticas de accountability, de que são exemplo as avaliações nos sistemas educativos nacionais iniciadas nos anos 80 e 90 na América Latina, decorrentes de reformas neoliberais".

Outros dois aspectos da globalização influenciaram a formação profissional, de acordo com Gladys: os processos de acumulação flexível [também chamada de toyotismo, prevê a flexibilização da produção de acordo com a demanda] e a emergência da sociedade do conhecimento. "Eles resultaram na necessidade de formar profissionais para a chamada economia do conhecimento", o que “colocou a educação superior no centro das atenções”.

"Antes considerada um bem público com a finalidade de reproduzir valores e formar recursos humanos, a educação superior tornou-se um bem privado, uma mercadoria sujeita às regras do comércio", comenta a pesquisadora. Ela destaca as contribuições para essa mudança proporcionadas pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), que vigorou até 1994, e pelas negociações na Organização Mundial do Comércio para a inclusão da educação no âmbito da liberação do comércio de bens e serviços.

A circulação internacional de profissionais em função da globalização, centrada não na fuga de cérebros, mas na competição por eles, é outra característica do processo, na opinião da Gladys. Sobre essa competição, ela cita a avaliação de dois autores, Rahul Choudana e Hans de Wit, os quais afirmam que as economias do conhecimento dos países da OCDE requerem profissionais altamente qualificados e tem de recorrer a imigrantes com esse perfil, uma vez que sua população está envelhecida e diminuiu o interesse de seus jovens pelas ciências duras.

Na agenda global da educação, a qualidade e sua avaliação são uma das prioridades políticas, afirma Gladys. “Na educação superior, a avaliação da qualidade começou a ser desenvolvida nas décadas de 80 e 90 em países europeus e latino-americanos com a criação de sistemas e agências de acreditação.” Ela diz que esses países transformaram o modelo de acreditação dos Estados Unidos - "independente do governo" - no chamado Estado avaliador, mencionado por Guy Neave.

Depois, essas políticas nacionais passaram a ter uma preocupação em nível global, que "estabelece relações de escala com os níveis nacional e regional”. Segundo ela, o sociólogo da educação português Almerindo Janela Afonso vê uma etapa posterior a isso, chamada por ele de “pós-Estado Avaliador”, no qual a decisão foge cada vez mais da decisão dos Estados nacionais, especialmente nos países periféricos.