Encontro analisa interdisciplinaridade e inovação em universidades de excelência
Abertura contou com (a partir da esq.) o coordenador do encontro, Arlindo Phillippi Jr; o vice-reitor da USP, Vahan Agopyan; e o diretor do IEA, Paulo Saldiva |
Aspectos práticos e conceituais da interdisciplinaridade e sua importância para a inovação foram debatidos em seminário no dia 15 de maio organizado pelas Pró-Reitorias da USP, com apoio do IEA e da Faculdade de Saúde Pública (FSP).
Os debates realizados no Encontro Acadêmico Interdisciplinaridade em Inovação e Universidades de Excelência resultarão em documento a ser encaminhado às universidades e agência de fomento do país, informou o coordenador da iniciativa, Arlindo Philippi Jr., titular da FSP-USP e professor em ano sabático no IEA.
Fundamentos para excelência
Com coordenação de Mario Salerno, da Escola Politécnica (Poli) e do IEA, o painel inicial do encontro tratou do tema “Ensino, Pesquisa e Extensão: Fundamentos para o Desenvolvimento de Universidades de Excelência no País”.
Primeiro expositor do painel, o vice-reitor da USP, Vahan Agopyan, disse que uma universidade de excelência é assim avaliada em função do padrão da qualidade do trabalho que desenvolve, do reconhecimento da comunidade acadêmica e do reconhecimento pela sociedade. “Será que a sociedade está satisfeita com o que estamos fazendo?", indagou. Para ele, as universidades brasileiras ainda dão pouca atenção à sociedade.
Agopyan afirmou que uma instituição de excelência, além de formar profissionais capacitados, "deve formar líderes, que atuarão na própria academia, no serviço público e no terceiro setor". Um questionamento que deve ser feito, segundo ele, é se os egressos das universidades estão preparados para promover as mudanças necessárias.
Relações das universidades com a sociedade foi um dos tópicos do painel inicial |
Ele também destacou a importância da avaliação externa, da autoavaliação e da internacionalização via parcerias com instituições estrangeiras.
Entre os desafios que ele vê para a interdisciplinaridade estão a legislação, rigidez estrutural, modelo de gestão e a visão predominante das agências de fomento. Para Agopyan, a dissolução dos departamentos pode facilitar a interdisciplinaridade, mas não é essencial para que ela ocorra.
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Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Mudanças Climáticas, destacou que o valor investido em pesquisa no Brasil tem um impacto na sociedade relativamente menor do que o mesmo valor investido por outros países. Manifestou preocupação com a paralisação do sistema nos últimos sete anos: “Não estamos avançando. E na inovação estamos perdendo posições nos rankings ano após ano”.
Ele criticou a baixa mobilidade dos pesquisadores brasileiros. "Pesquisas indicam que 63% deles nunca realizaram pesquisas no exterior e 85% trabalham atualmente a no máximo 200 km de onde fizeram a graduação."
O Brasil deveria ter um programa específico para o financiamento de um número seleto de universidades de excelência, segundo ele, "a exemplo do que faz a Alemanha com 11 de suas universidades". Disse que uma das exigências do programa alemão é que a universidade a ser apoiada reduza a burocracia, a carga administrativa de responsabilidade dos pesquisadores.
Luiz Bevilacqua, professor emérito do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ e professor visitante do IEA, ressaltou o papel da modelagem computacional na convergência de várias disciplinas em áreas como ciências ambientais, tempo e clima, neurociência, cognição, biologia, medicina e cosmologia.
Para ele, a pesquisa tem acompanhado bem a tendência interdisciplinar, mas os cursos de graduação não. “Os engenheiros recém-formados não sabem o que vai acontecer daqui a cinco, dez anos. Devemos formar jovens com independência intelectual e capazes de enfrentar desafios futuros. O problema é que eles têm de cumprir créditos e assistir a muitas horas de aula.”
Ele propõe que haja uma reforma na graduação para que seja propiciada uma formação básica forte. Defende também o aumento dos investimentos governamentais na inovação, "pois grandes avanços têm a ver com grandes projetos nacionais".
Mesa 1 destacou a necessidade de flexibilização curricular |
Graduação
A Mesa 1 do encontro tratou da interdisciplinaridade e inovação na graduação e teve como coordenador o Pró-Reitor de Graduação da USP, Antonio Carlos Hernandes. Um dos problemas que ele identifica é a baixa mobilidade dos alunos da USP. “Estamos tentando fazer com que eles conheçam outros campi e instituições no exterior.”
A Universidade Federal do Pará (UFPA) possui uma estratégia para que os novos cursos já nasçam interdisciplinares, de acordo com o seu reitor, Emmanuel Tourinho.
Ele disse que a UFPA discute atualmente várias medidas em prol da interdisciplinaridade, entre as quais a flexibilização curricular, a revisão dos requisitos nos concursos para docentes, o lançamento de editais para formação/consolidação de grupos acadêmicos multi e interdisciplinares, a implantação de programas de mobilidade e o cumprimento de 20 a 30% da carga horária em atividades fora dos cursos.
Duas recomendações de Tourinho são uma menor influência dos conselhos profissionais na definição dos currículos e a abertura de mais oportunidades de apoio aos cursos interdisciplinares pelas agências de fomento.
Para o reitor da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UFTPR), Luiz Pilatti, o Brasil produz pouca inovação incremental. Os entraves são: "As barreiras legais que limitam o diálogo com o setor industrial; a burocracia interna e externa muito grande; a falta de planejamento estratégico do Estado; e a carência de investimento".
No caso da UFTPR, disse que a internalização da interdisciplinaridade é fundamental para a internacionalização. Quanto à inovação, afirmou que ela está presente desde a criação da universidade há 10 anos, pois "é fundamental para que ela esteja próxima do setor industrial".
"A radicalização disciplinar é uma patologia do saber", afirmou o reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Naomar de Almeida Filho, parafraseando o filósofo Hilton Japiassú (1934-2015).
Para Almeida Filho, a competência disciplinar deve ser adquirida na graduação, “mas deixar a formação interdisciplinar para a pós-graduação pode ser tarde”. Ele defende que seja dada ênfase na multidisciplinaridade, depois na interdisciplinaridade e em seguida, se for possível, na transdisciplinaridade.
Segundo ele, já são 19 as universidades brasileiras com alguma experiência de interdisciplinaridade na graduação, com duas que "avançaram muito", a Universidade Federal do ABC [UFABC] e a UFSB".
Interdisciplinaridade cresceu bastante na pós-graduação, mas ainda precisa ser ampliada, segundo os participantes da Mesa 2 |
Pós-Graduação
O Pró-Reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Jr., afirmou que as dificuldades para a interdisciplinaridade na pós-graduação são bem menores, pois nela é possível "fazer propostas, inovações e implementar programas internacionais.” Ele coordenou a Mesa 2, dedicada ao debate sobre a interdisciplinaridade e a inovação na pós-graduação.
Joviles Trevisol, Pró-Reitor de Pós-Graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e presidente do Fórum dos Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop), informou que os cursos da UFFS foram formatados a partir de grandes áreas temáticas, como agricultura familiar, agroecologia, segurança alimentar, educação básica e saúde pública, com uma organização curricular menos centrada em disciplinas, sem departamentos e com os docentes lotados por campus de atuação.
"A interdisciplinaridade avançou muito nas últimas décadas e já são 340 programas de pós-graduação interdisciplinar em todo o Brasil, inclusive várias ilhas de excelência, mas ainda é pouco", segundo Sonia Nair Báo, da Universidade de Brasília (UnB).
Para ela, o segredo é possibilitar uma formação básica sólida, capaz de fazer a integração de várias disciplinas. "É preciso também formar recursos humanos qualificados, pessoas capazes de buscar soluções para o que não foi vivenciado antes."
"Mas a interdisciplinaridade não é um valor em si; ela se justifica na medida em que responde à demanda da sociedade ou à agenda da pesquisa científica”, argumentou Klaus Capelle, reitor da UFABC. Para ele, a maior inovação tem acontecido na graduação, com os bacharelados interdisciplinares, e não na pós-graduação.
Capelle apresentou como projeto interdisciplinar inovador da UFABC um pré-doutorado de 2 a 6 meses, sem orientador. Trata-se de uma fase de prospecção nos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de empresas conveniadas. “A única obrigação da empresa é expor o aluno a problemas relevantes para ela. Depois é avaliado se o projeto merece se tornar um doutorado, com orientação de um professor e um especialista técnico.”
A importância da interdisciplinaridade para a inovação foi ressaltada na Mesa 3 |
Pesquisa
No início da Mesa 3, voltada à questão da interdisciplinaridade e inovação na pesquisa, o Pró-Reitor de Pesquisa da USP, José Eduardo Krieger, coordenador da discussão, comentou que levantamento recente no Estado de São Paulo apontou que a pesquisa e a educação ficam no 7º lugar em termos de importância na percepção da população.
“Como compatibilizar isso com o fato de o estado ter feito opções políticas durante seis décadas para sustentar um sistema de excelência e caro?" perguntou Krieger. O desafio, segundo ele, é tornar mais ativo o relacionamento da universidade com a sociedade: "Melhorar o discurso e a instrumentação para melhorar a percepção pela sociedade”.
Alberto Habert , do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, disse que a interdisciplinaridade leva à inovação, a qual deve ser encarada como fator de desenvolvimento econômico. “É preciso identificar as barreiras a ela e incentivar seu fomento.”
Ele vê dois movimentos de interveniência nesse fomento: "Um é o intrainstitucional, por meio de programas de mestrado e doutorado, como os de biotecnologia e nanotecnologia introduzidos no Programa de Engenharia Química da Coppe, origem do depósito de várias patentes. O outro é o movimento interinstitucional, por meio de projetos temáticos para atender a uma demanda empresarial ou edital específico".
Para Carlos Graeff, Pró-Reitor de Pesquisa da Unesp, as disciplinas devem instigar a busca do conhecimento. “Gerar conhecimento é um processo criativo e o ser humano deve criar processos para isso”. Ele considera que essa criatividade na pesquisa depende da pluralidade de ramos do saber envolvidos no trabalho.
Jurandir Zullo Jr., da Unicamp, falou da institucionalização da interdisciplinaridade em sua universidade por meio da criação de centros e núcleos de pesquisa desde os anos 70. Atualmente a Unicamp conta 21 desses agrupamentos de pesquisa, em áreas das ciências naturais e sociais, humanidades e artes.
Os pontos fortes dessa estrutura são, de acordo com ele: a existência de instâncias integradoras (Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa e a Comissão de Atividades Interdisciplinares) ligadas ao Conselho Universitário da Unicamp; avaliações regulares de desempenho; participação de membros externos; carreira de pesquisador; e a cultura de inovação característica da Unicamp.
No entanto, ressalvou que há vários desafios a serem enfrentados, como a subutilização da estrutura em cursos de extensão e pós-graduação, a rotatividade administrativa e representativa e as restrições à participação de docentes.
Expositores da Mesa 4 defenderam um papel estratégico para a extensão universitária |
Extensão
A Mesa 4 tratou da interdisciplinaridade e inovação na extensão. O Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP, Marcelo de Andrade Roméro, foi o coordenador.
Mariano Laplane, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), lembrou pesquisa feita há alguns anos pela instituição sobre a importância que os brasileiros dão à ciência. “Os resultados foram bastante positivos. O cientista é visto pela população como um promotor do bem-estar.”
A questão, segundo Laplane, é que os brasileiros prestigiam a ciência, mas não a associam às universidades. Ele acredita que a área de cultura e extensão pode ajudar no estímulo à interdisciplinaridade e inovação ao tornar as atividades das universidades mais conhecidas da sociedade.
“Para isso é preciso que a área deixe de ser um complemento das atividades e passe a ter mais centralidade, servindo como instrumento de planejamento estratégico, de demonstração da capacidade de geração de conhecimento e de inserção do conhecimento na sociedade, via extensão.”
Pedro Vitoriano de Oliveira, do Instituto de Química (IQ) da USP, tratou de duas atividades importantes da extensão que precisam ser incrementadas. Uma é a identificação do destino dos egressos da universidade. “Fica difícil falar deles se não temos um diagnóstico sobre onde e como estão atuando. No Alumni [rede online de ex-alunos de graduação e pós-graduação da USP] conseguimos identificar 10% dos 300 mil graduados e 100 mil pós-graduados.” Outra carência da extensão é a dificuldade que ela encontra para ampliar a divulgação da ciência, de fazer com que ela chegue à sociedade, acrescentou.
Para Oliveira, se a extensão for considerada como área de estímulo à interdisciplinaridade e inovação, então deve-se valorizar mais as atividades desse tipo na carreira docente, na pesquisa e no ensino.
O expositor final da Mesa 4, Eduardo Giugliani, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), falou sobre a atuação em inovação do Parque Tecnológico (Tecnopuc) e da Incubadora Raiar, ambos daquela universidade. Ele informou que o Tecnopuc tem a participação de 6.500 pessoas engajadas em 120 companhias e 26 startups. Explicou que essas atividades resultam em novas iniciativas na universidade, que conta com quatro laboratórios de inovação e criatividade em parceria com instituições internacionais.
Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP