A mobilidade urbana como fator de sustentabilidade das cidades
A partir da esq., Luiz Carlos Mantovani Néspoli, Luiz Antonio Cortez Ferreira e Paulo Saldiva no seminário Mobilidade Urbana |
“Em certo sentido, a mobilidade urbana pertence ao domínio dos direitos fundamentais da pessoa, incorpora muito da capacidade de ela exercer sua cidadania”, segundo o diretor do IEA, Paulo Saldiva, coordenador do seminário Mobilidade Urbana, ocorrido no dia 25 de agosto, numa iniciativa do Programa USP Cidades Globais do IEA e da sétima edição da Virada Sustentável São Paulo.
Os expositores do encontro foram o superintendente da Associação Nacional de Transportes Público (ANTP), Luiz Carlos Mantovani Néspoli, e o especialista em meio ambiente e sustentabilidade Luiz Antonio Cortez Ferreira, do Metrô de São Paulo. O ciclo do qual o seminário fez parte teve outras três discussões: Sustentabilidade, Complexidade e Políticas Públicas e Mudanças Climáticas e Cidades, ambos no dia anterior; e Desigualdade e Violência, também no dia 25 de agosto.
Ao abrir o seminário, Saldiva, que é professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP e especialista nos efeitos nefastos da poluição atmosférica na saúde humana, comentou que a falta ou precariedade de mobilidade significa perda de qualidade de vida em vários aspectos, na saúde em geral, no número de horas de sono e na possibilidade de frequentar os vários espaços de uma cidade.
RelacionadoSEMINÁRIOS DO PROGRAMA USP CIDADES GLOBAIS NA VIRADA SUSTENTÁVEL Mobilidade Urbana Midiateca Sustentabilidade, Complexidade e Políticas Públlicas Notícia Midiateca Mudanças Climáticas e Cidades Notícia Midiateca Desigualdade e Violência Notícia Midiateca Leia mais sobre o Programa USP Cidades Globais |
“A tecnologia da mobilidade está sempre mudando, as pessoas e seus valores estão mudando, a sociedade está envelhecendo. Será preciso pensar no tipo de transporte que vamos preferir, em como vamos realizar nossas atividades.”
Néspoli: "A cidades se esparrama em direção à periferia, mas o transporte público é centralizado |
Para o superintendente da ANTP, "é preciso analisar como chegamos a cidades tão ruins e de que maneira é possível - e em quanto tempo - intervir nelas". As décadas de 50 e 60 marcam a inversão no perfil de crescimento de São Paulo, segundo ele, com a cidade exigindo mais mão de obra, o que estimulou o intenso êxodo rural iniciado naquele período. “São Paulo se espraiou e a forma como isso se deu é a causa de nosso infortúnio.”
Néspoli afirmou que em 1998, o índice europeu era de 2 pessoas por automóvel e o de São Paulo era de 6,5 pessoas. "O índice europeu foi atingido em 2017 e os fatores que influenciaram esse crescimento da frota foram a estabilidade econômica e, em 2007, o alargamento do crédito e a maior disponibilidade de renda."
Do ponto de vista imobiliário, a dificuldade para a mobilidade é o deslocamento dos mais pobres para conjuntos populares mais distantes, em sua opinião. “Na Região Metropolitana de São Paulo, a cidades se esparrama em direção à periferia, mas o transporte público é centralizado.”
“Tomamos uma decisão de fazer com que o sistema de mobilidade fosse individual e carreamos recursos para que isso acontecesse, criando espaços, com o aproveitamento dos fundos de vale e o estreitamento das calçadas. Não há mais o que fazer para absorver os carros em São Paulo e em muitas outras cidades brasileiras.”
Os efeitos não são só ambientais. Além da perda de tempo, há índices elevados de acidentes e um número crescente de vítimas, com o custo social para o pais de R$ 70 bilhões, disse o expositor.
O caminho, de acordo com Néspoli, é o poder público estabelecer normas para que ocorram mudanças nas cidades. Ele considera importantes alguns aspectos definidos no Plano Diretor de São Paulo: tornar a cidade mais compacta, criar novas centralidades e promover um desenvolvimento orientados pelos eixos viários.
"O problema é que toda mudança numa cidade é medida décadas e em geral os planos ficam na gaveta, com o mercado imobiliário assumindo a orientação do crescimento."
Como exemplo do desvirtuamento de ideias importantes ele citou o caso do adensamento nos eixos viários de Curitiba ao longo de várias décadas, que "foram ocupados pela classe média alta, que possui quatro automóveis por família".
Ele destacou as mudanças demográficas e das constituições familiares como novos componentes impactantes do adensamento e, consequentemente, das condições de mobilidade: “Está havendo uma mudança cultura, as pessoas não estão casando, muitos estão morando sozinhos, muitos casais não têm filhos e muitos apenas um filho. Isso já foi captado pelo setor imobiliário, que tem lançado apartamentos de poucos m2 e com valores em torno de R$ 13 mil o m2. Na Barra Funda, o apelo é estar próximo do Metrô, ciclovias, parques e a possibilidade de compartilhar automóvel, bicicleta, além de máquinas de lavar e outros serviços."
Para o representante do Metrô de São Paulo, a primeira palavra que vem à mente ao se discutir os problemas da mobilidade urbana é "congestionamento". Em 2013, o custo dos 300 km/dia de congestionamento na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) foi de R$ 69 bilhões (7,8% do PIB da região), segundo estudo do economista Riley Rodrigues, do Sistema Firjan, citado por Ferreira. No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com 130 km/dia de congestionamento por dia, o custo foi de R$ 29 bilhões (8,2% do PIB da região).
Ferreira: "Não é possível desenvolvimento sustentável sem mobilidade sustentável" |
Ao lembrar que 90% da poluição atmosférica de São Paulo decorrem das emissões de automóveis, ônibus e caminhões, principalmente em velocidade reduzida nos congestionamentos, ele comentou os efeitos disso na saúde humana, sobretudo no caso das pessoas com mais de 60 anos, é o impacto positivo da existência do metrô para a redução de mortes.
Ferreira também apresentou diversos dadas da importância do transporte público para a redução de vítimas de trânsito, inclusive por atropelamento e acidentes com motocicletas, dos gastos com o seguro por morte ou invalidez permanente.
Outro aspecto ressaltado por ele é o consumo de espaço pelas vias de trafego, que poderia ser utilizado para adensamento da população em áreas próximos ao trabalho e a outros lugares importantes para a vida urbana.
Essa carência de espaços e planejamento para o adensamento da população resultaram no surgimento das grandes favelas nos anos 80 e 90 e no deslocamento da classe média para condomínios ao longo das rodovias. "Esse deslocamento está ocorrendo em todo o estado e o resultado é a saturação das rodovias."
Ferreira é enfático ao afirmar que não haverá desenvolvimento sustentável possível sem uma mobilidade sustentável. "Cidades com mais de 20 mil habitantes tem de adotar um plano diretor e um plano de mobilidade, mas os gestores não veem que os dois tem de caminhar ver juntos. E muitos municípios não contam nem sequer com um urbanista para fazer esse planejamento."
Saldiva: "A mobilidade urbana é importante para o exercício da cidadania" |
Ou dos temas discutidos após as exposições foi a da chamada mobilidade ativa (com bicicleta ou a pé). De acordo com Néspoli, ela foi a que cresceu no país, entre 1,5% e 4%. No entanto, ele considera que há erros na política de inserção do uso de bicicletas: “Elas devem ser introduzidas como benefício social para todos, não como ocupação de espaço na mobilidade. É preciso criar rotas mais seguros, equipamentos mais seguros, estacionamentos e promover a ideia do ponto de vista cultural.”
Do ponto de vista do pedestre a situação é pior ainda, segundo ele. “Passamos 200 anos construindo as piores
calçadas possíveis, pois o critério para fazer isso está errado. Definiu-se que o proprietário do imóvel é o responsável pela construção. Como ele não sabe qual a melhor forma de fazer isso, faz do jeito que quiser."
Ele citou que as calçadas são feitas de forma a dar acesso às garagens, com degraus, e reduzidas para ampliação da pista de rolamento. "Em 2040, o Brasil terá 65 milhões de idosos, que não terão calçadas adequadas para caminhar.”
“A mobilidade ativa é importante mas é necessário alertar para seus riscos', afirmou Ferreira, que a considera útil em viagens curtas, intrazona. "O foco do investimento deve levar isso em consideração, não em ciclovias de grande extensão competindo com o transporte coletivo. Tem haver onde deixar a bicicleta nas estações e terminais do transporte público.”
Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP